No Conjur
Presunção da inocência
Impacto de possível decisão do STF é bem menor que o que se tem divulgado
15 de outubro de 2019, 16h50
Por Rafa Santos
Estimativas sobre o impacto de uma possível mudança de entendimento do STF sobre a prisão em 2ª instância noticiadas desde esta segunda-feira (14/10) têm apresentado inconsistências significativas.
Isso ocorre em parte porque existem vários levantamentos sobre a população prisional, e nem sempre as estatísticas são convergentes.
Contudo, qualquer que seja a base de dados examinada, não há como se extrair a conclusão de que 170 mil poderiam se beneficiar de uma eventual mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal, que julga a partir desta quinta (17/10) as ações declaratórias de constitucionalidade sobre a execução provisória da pena.
Dados do Departamento Penitenciário Nacional e do Conselho Nacional de Justiça, por exemplo, apresentam números distintos. Reportagem do G1 informou por exemplo, segundo levantamento do Depen, que o Brasil tinha 726.700 presos em junho de 2016, ou seja, antes da decisão do Supremo de novembro daquele ano que autorizou a prisão em segunda instância.
O mesmo texto também apresenta dados do CNJ, que apontam que a população carcerária no país seria de 812 mil presos.
Os dados contrastam com aqueles apresentados pelo World Prision Brief, uma das entidades mais respeitadas de estatística dos sistemas carcerário no mundo, que apontam a existência de 746.532 presos no Brasil em 2019.
Mesmo tomando como base dos dados do CNJ de que hoje temos 812 mil presos no país, é difícil chegar a uma estimativa tão elevada de beneficiados por uma possível mudança de jurisprudência do Supremo.
O cálculo é simples. Mesmo levando em conta que todo o acréscimo de encarcerados entre 2016 e 2019 é fruto direto da decisão de três anos atrás, ainda assim teríamos um total de, no máximo, 85.300 presos que seriam beneficiados.
Algumas estimativas como, a da reportagem do Poder 360 desta segunda, apresentam imprecisões conceituais que prejudicam a real dimensão do impacto da mudança de jurisprudência.
O site afirma, por exemplo, que, “no Brasil, 23,9% do total de presos estão detidos provisoriamente”. “Com isso, 169,7 mil pessoas podem ser beneficiadas caso o plenário do STF decida que réus só devem começar a cumprir pena após o esgotamento de todas as vias recursais.”
Outra reportagem — dessa vez do Correio Braziliense — diz que, “a depender da decisão, além de presos famosos da “lava jato”, como o ex-presidente Lula, outros 190 mil detentos podem ser liberados em todo o país”.
De acordo com dados do CNJ, essa é a quantidade de presos provisórios nos 26 estados e no Distrito Federal.
A confusão em torno do termo “prisão provisória” é, talvez, o aspecto mais problemático dessas estimativas. Na legislação penal, a “prisão provisória” designa modalidades cautelares que são impostas sem que exista decisão condenatória de primeira ou segunda instância.
Conforme dados do CNJ, 40% da população carcerária do sistema prisional brasileiro é composta de presos provisórios. Isso significa que nenhum deles tem sequer uma condenação penal — no mérito —, seja na primeira ou na segunda instância.
Essas prisões — justificadas ou não — têm fundamentos como “a garantia da ordem pública, da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal ou a asseguração da aplicação da lei penal” (art. 312 do Código de Processo Penal).
A parcela de presos que pode vir a ser beneficiada pela mudança de entendimento do STF não é composta de presos provisórios. Esse grupo ainda aguarda decisão condenatória da segunda instância.
O grupo que será beneficiado caso haja mudança de entendimento no STF é o de presos que já tiveram o seu caso decidido em segunda instância. Não existem dados quantitativos disponíveis sobre isso. Portanto, qualquer estimativa carece da informação mais básica.
Ordem pública será preservada
Para o criminalista Fernando Castelo Branco, existe uma confusão entre a prisão preventiva e a execução provisória da pena. “Se houver alguma justificativa em que a liberdade do preso coloque em risco a ordem pública, pode ser decretada a prisão preventiva, que não se confunde com a execução provisória. O Estado tem meios para manter preso quem representa perigo a ordem pública”, pontua.
É o mesmo entendimento do advogado e professor Welington Arruda. “Me parece que o alcance dessa decisão será infinitamente menor que o que se ventila. Isso porque, na maioria dos casos, as pessoas estão presas cautelarmente nos termos do artigo 312, do Código de Processo Penal, que permite ao Juízo a determinação da prisão cautelar sempre que houver necessidade de garantir a ordem pública, a ordem econômica ou, em alguns casos, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal”, explica.
Segundo ele, uma possível mudança de entendimento do Supremo afetará apenas as prisões que foram determinadas em prisão de segunda instância. “Isso diminui significativamente o alcance da decisão.”
Rafa Santos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 15 de outubro de 2019, 16h50