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Economistas defendem regras fiscais que preservem investimento público

Na Abdid Artigo: Por uma regra fiscal que preserve o investimento público 14 de outubro de 2019 Por Guilherme Magacho e Igor Rocha O rompimento do teto dos gastos (EC 95/2016) que se avizinha nos próximos anos, associado ao baixo crescimento da economia, tem trazido à tona a preocupação com o investimento público. Tais questões […]

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Na Abdid

Artigo: Por uma regra fiscal que preserve o investimento público
14 de outubro de 2019

Por Guilherme Magacho e Igor Rocha

O rompimento do teto dos gastos (EC 95/2016) que se avizinha nos próximos anos, associado ao baixo crescimento da economia, tem trazido à tona a preocupação com o investimento público. Tais questões têm sido suscitadas frequentemente na mídia especializada e no meio acadêmico, ainda mais diante da contração desses investimentos nos últimos anos e da perspectiva de novos cortes.

Até mesmo economistas que focam suas pesquisas em questões fiscais têm encabeçado análises críticas sobre a falta de distinção entre o tipo de gasto que a atual regra fiscal compreende. O recente relatório do FMI de 2018 intitulado “Second-Generation Fiscal Rules: Balancing Simplicity, Flexibility, and Enforceability” discorre sobre a evolução das regras fiscais, enfatizando dentre outras coisas, a importância de se desenvolver modelos que não comprometam o investimento público.

No entanto, as regras fiscais vigentes no Brasil, com especial destaque para o teto de gastos, não contemplam esses avanços da teoria econômica e da prática internacional. Sua forma de construção possibilita o aumento do gasto corrente desde que ocorra uma compressão dos investimentos públicos, na medida em que estes são em sua maioria discricionários –podem ser cortados mais facilmente.

Tal estrutura compromete a preservação, particularmente, dos investimentos em infraestrutura, uma vez que o setor privado não consegue sozinho compensar as necessidades do investimento do setor, o que reduz a competitividade do país na medida em que esse investimento possibilitaria redução de custos logísticos, de energia, com comunicação, entre outros.

Como é possível observar no gráfico, os investimentos públicos e privados em infraestrutura vêm apresentando uma redução abrupta desde 2014, e em 2018 estes investimentos eram 28,9% menores do que naquela época. O nível de investimento necessário para manter nosso estoque é muito superior ao que investimos hoje: há um gap de investimento na ordem de R$ 161,6 bilhões.

Investimentos públicos em saneamento, transporte e logística, energia e telecomunicações são necessários não apenas para recompor esse gap, mas também porque ele é capaz de estimular o investimento privado. A relação entre os dois não é óbvia, mas já foi objeto de pesquisa intensa na literatura econômica tanto teórica quanto empírica.

Em estudo publicado recentemente pelo Cambridge Centre for Economic and Public Policy mostramos que a queda do investimento em infraestrutura e residências foi responsável por quase metade da queda da economia entre 2013 e 2016.

Por gerar muitos empregos na construção civil e nos setores de máquinas e equipamentos, esse tipo de investimento tem um elevado efeito multiplicador. Ademais, conforme estudo publicado por Reis, Araújo e Gonzales neste ano denominado “Public Investment Boosted Private Investment in Brazil between 1982 and 2013”, há uma relação de causalidade entre o investimento público e privado, no qual o primeiro estimula o segundo reduzindo custos e aumentando sua competitividade e rentabilidade –o famoso efeito crowding-in do investimento público.

Além de estimular a demanda, gerando empregos e renda, investimentos em infraestrutura são importantes para fomentar o aumento da produtividade do trabalho, fator chave para garantir um crescimento sustentável no longo prazo.

Em um dos trabalhos mais referenciados sobre o tema, “Industrilization and the Big Push”, Murphy e Vishny, da Universidade de Chicago, e Shleider, de Harvard, recuperam as ideias de Rosenstain-Rodan acerca das externalidades do investimento para explicar o que se chama na literatura econômica de grande impulso (big push). Os autores argumentam que, por reduzir custos e gerar transbordamentos tecnológicos, o investimento em infraestrutura aumenta rentabilidade dos demais investimentos, e até mesmo viabiliza outros.

Em um modelo de equilíbrio geral com agentes racionais e concorrência imperfeita, os autores mostram que esse tipo de investimento pode retirar a economia de um equilíbrio ruim, levando-a para um novo equilíbrio, este capaz de fomentar o desenvolvimento dos setores produtivos.

Segundo os autores, o Estado tem papel crucial no processo de desenvolvimento econômico em economias de mercado, pois o aumento do nível de investimento público em infraestrutura gera um estímulo ao investimento produtivo do setor privado, o que leva a uma ampliação global dos investimentos.

Em termos macroeconômicos, um trabalho publicado como Working Paper pelo FMI (WP/14/227), realizado pelos economistas do fundo Selim Elekdag e Dirk Muir, em que se discute a diferença entre o impacto do gasto do governo na forma de investimento e consumo, identifica que o investimento tem um efeito maior já no curto prazo, mas principalmente que, ao contrário do consumo, seu impacto sobre o PIB é permanente.

Os autores mostram que para a Alemanha um aumento do investimento de 1% do PIB por dois anos é capaz de gerar, além de um crescimento superior a 1% do PIB nos anos de execução, um crescimento de 0,7% do PIB nos anos subsequentes devido ao aumento do estoque de capital.

Embora os resultados para os demais países sejam menores, principalmente por serem economias menores e, portanto, com mais vazamentos de demanda, sempre se verifica um efeito muito superior do investimento sobre o PIB do que do gasto corrente, tanto no curto quanto no longo prazo.

Vale lembrar ainda que mesmo os autores que defendem a consolidação fiscal como ajuste expansionista, como Alberto Alesina, também de Harvard, entendem que o ajuste deve preservar o investimento público, conforme apresentado pelo autor no artigo ”Fiscal Adjustment in OECD Countries: Composition and Macroeconomic Effects”, elaborado em conjunto com Roberto Perotti. Os autores argumentam que o ajuste deve ser crível para ter efeito expansionista.

Porém, como é mais fácil cortar investimento público, que é discricionário, do que o gasto corrente, o corte de investimentos não tem efeito positivo sobre a credibilidade do ajuste, pois não se espera que o ajuste seja sustentável politicamente, não sendo capaz de estimular o investimento privado pelo canal da confiança.

Assim, fica evidente a necessidade de termos regras fiscais coerentes com o que tem sido pensado na economia nos últimos anos. Uma regra fiscal coerente deve ser capaz de preservar o investimento público, garantindo planejamento e previsibilidade.

A regra do teto atual não inclui investimento público nos gatilhos, o que faz com que este tenha uma restrição menor do que os gastos correntes, mas, nesse cenário, o investimento aparece residualmente, não possibilitando que o governo tenha projetos de investimento com planejamento de longo prazo.

Seria necessário criar um sub-teto para a despesa corrente, como sugerem Fábio Giambiagi e Guilherme Tinoco em texto recentemente publicado, para que se evitasse que esses comprimissem o investimento público.

Adicionalmente, seria necessário um tratamento especial para que o investimento público pudesse (pelo menos) retornar aos níveis de 2014. A crise atual tem comprometido não só o nível de vida da população, mas também as gerações futuras, na medida em que sem investimento o potencial de crescimento da economia desaparece.

Regras fiscais são importantes, mas elas devem ser bem desenhadas e devem ser condizentes com a literatura e a prática internacional.

Guilherme Magacho PhD pela Universidade de Cambridge, professor da UFABC e pesquisador da FGV e do CCEPP/Cambridge

Igor Rocha PhD pela Universidade de Cambridge e Diretor Econômico da ABDIB

Publicado originalmente na Folha de S. Paulo

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