O Brasil e a geopolítica do petróleo

Houve um tempo, como o leitor talvez se recorde, em que se vivia falando que o petróleo “ia acabar”. Falava-se em 20 anos. Ou 30 anos. Essa história tem mais de 20 anos, e o petróleo não acabou.

Quando a Petrobras descobriu as reservas gigantes do pré-sal, houve gente que dizia que não era aquilo tudo, que era uma fantasia do governo, ou que o custo de extração seria tão alto que não valeria a pena. Quando tudo isso caiu por terra, sobraram alguns profetas dizendo que o pré-sal não valia nada porque o mundo em breve não usaria mais petróleo.

Lembro-me, em particular, de um cineasta brasileiro que vivia dizendo isso, mesmo residindo e produzindo nos Estados Unidos, a terra prometida do petróleo, ontem e hoje.

Hoje o mundo nunca produziu e consumiu tanto petróleo, e vai continuar produzindo e consumindo por algumas décadas.

As projeções da EIA (agência estatal americana para assuntos de petróleo) são de que o consumo mundial de petróleo continuará aumentando muito até 2050, em especial nos países que não fazem parte da OECD (grupo composto na maior parte de países ricos, como EUA, Japão e Europa).

O advento do carro elétrico não parece mudar de maneira estrutural a distribuição do consumo de energia no mundo. O que ele traz é uma redução no consumo de petróleo para fins de transporte leve, sobretudo nos países ricos, o que é, porém, compensado pelo brutal aumento na frota de carros movidos a petróleo em países em desenvolvimento. Transportes pesados, como caminhões, além disso, continuarão a ser movidos a diesel e gasolina.

A produção brasileira de petróleo também tem batido recordes.

No entanto, quando olhamos a nossa balança comercial e a performance do nosso comércio exterior, observamos que o Brasil optou por uma estratégia focada, por um lado, na exportação do petróleo cru, que representa ainda mais de 80% de toda a nossa exportação de combustíveis fósseis, e, de outro, na importação crescente de derivados, como diesel, gasolina e nafta.

Nem tudo são más notícias, contudo. No acumulado dos nove primeiros meses do ano, as exportações brasileiras de óleo combustível (fuel oil, uma espécie de diesel bruto),  gasolina e querosene de avião cresceram expressivamente. Em Jan/Set 2019, exportamos US$ 2,15 bilhões de óleo combustível, US$ 936 milhões em gasolina e US$ 925 milhões em querosene de avião.

Todavia, esse aumento na exportação de gasolina e querosene parece, por enquanto, apenas pontual, e não reflete ainda uma tendência. No cômputo geral, e medida em quantidade, a exportação brasileira de derivados vem caindo bastante.

Já a importação de derivados segue o caminho contrário, e vem crescendo cada vez mais.

Ainda em Jan/Set 2019, importamos US$ 1,48 bilhão em gasolina, US$ 421,8 milhões em querosene de avião, e US$ 4,46 bilhões em diesel .

No acumulado de 12 meses terminado em setembro, a importação brasileira de óleo diesel e gasolina, somados, totalizou US$ 8,29 bilhões, dos quais 81% vieram dos EUA.

Segundo um relatório da ANP, o Brasil ainda é fortemente deficitário em óleo diesel (que é usado no transporte de mercadorias via caminhões), gasolina (transportes individuais), GLP, Nafta, lubrificantes, fertilizantes, etc.

Segundo a ANP, o nível de ocupação das refinarias, no acumulado do ano, ficou em 73%. Ou seja, mesmo sem construir novas refinarias, mas apenas ampliando o uso daquelas que já temos, poderíamos reduzir importações e aumentar a nossa autonomia energética.

Quando se analisa os números da indústria brasileira de petróleo, um fator que chama bastante nossa atenção é o forte aumento das importações de diesel e gasolina (mas especialmente o diesel) dos EUA, que vem crescendo a um ritmo impressionante nos últimos anos.

O óleo diesel continua a ser o produto que mais pesa em nossa balança de importação, figurando no topo da lista há muitos anos. Dentre os 20 principais produtos de importação, aliás, a metade deles está ligada ao petróleo.

Apenas com plataformas de petróleo, que deixamos de produzir no Brasil e passamos a comprar de fora, já gastamos este ano um total de US$ 4,2 bilhões.

Fontes:

  1. International Energy Outlook 2019, with projections to 2050. EIA – Energy Information Agency (EUA).
  2. Relatório de Comércio Exterior da ANP (2018).
  3. Comexstat (Secretaria de Comércio Exterior).
  4. Relatório Executivo da ANP – Setembro 2019.
  5. Relatórios mensais da ANP.
Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.