O debate Ciro X PT pelo ângulo trabalhista

O Cafezinho, como blog político, tem obrigação de mostrar esse debate em todos os seus aspectos, e publicamos textos conforme eles nos são enviados.

No artigo abaixo, o estudante Frederico Krepe aborda as divergências entre os campos petistas e trabalhistas pelo lado destes últimos.

Ficaremos muito gratos de receber colaborações que tratem do mesmo assunto sobre outros ângulos.

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Por que o PT declarou guerra a Ciro Gomes? 

Por Frederico Krepe

Quem acompanha o debate político nas redes percebeu que essa última semana foi bastante agitada na disputa entre Ciro Gomes e o PT. A ruptura que ocorreu em 2018 parece ter se intensificado e quem ainda acreditava em uma conciliação e união entre petistas e pedetistas se decepcionou. A guerra já tinha sido declarada em 2018, quando o PT resolveu que seria um bom caminho bombardear Ciro tirando suas declarações de contexto e atacando qualquer crítica que fazia ao PT e à esquerda, assim como quando decidiu esvaziar a sua candidatura, negociando a neutralidade do PSB e chantageando o PCdoB para que fosse vice do vice.

Três fatores importantes contribuíram para a radicalização desse clima de guerra. O primeiro fator foi o encontro da frente ampla “Direitos já!”, que reuniu quadros de diversos partidos (da centro-esquerda à centro-direita) e figuras intelectuais importantes, como Noam Chomsky. O objetivo da frente é a defesa de direitos e da democracia no Brasil contra avanços autoritários do governo Bolsonaro. Dentre as figuras políticas presentes, Ciro Gomes foi um de seus principais destaques, o que gerou repercussão positiva para o pedetista. A não participação da direção do PT nessa frente foi motivo de críticas de vários setores, o que pegou mal para o partido, forçando uma reação. O segundo fator foi a entrevista que Ciro concedeu à BBC, que repercutiu bastante, especialmente sua fala em defesa da democracia. A entrevista foi repleta de críticas à atuação do PT no governo e na oposição a Bolsonaro, o que fez com que a blogosfera petista desse um grande destaque a isso, respondendo e repercutindo as declarações feitas na entrevista. O último fator foi a entrevista do governador da Bahia, Rui Costa, do PT, dizendo que o partido deveria ter apoiado Ciro em 2018. A partir disso, tentarei oferecer as razões desta guerra em curso hoje, tentando jogar luz sobre os recentes acontecimentos que geraram essa ruptura para que possamos entender melhor, de uma forma mais racional e mais afastada das paixões políticas que dominam a política nos últimos tempos.

Ciro Gomes é uma figura que sempre esteve ao lado do petismo, pelo menos desde 2002, quando foi ministro de Lula e depois coordenador de campanha de Dilma em 2010. Sempre foi um aliado, mas nunca poupou o partido de críticas. Em 2010, criticou fortemente a aliança PT-PMDB dizendo que era uma aliança favorável aos esquemas de corrupção do PMDB enquanto dava preciosos minutos de tempo de TV ao PT em troca. Em 2013, no auge dos protestos de junho, Ciro criticou duramente o PT por conta de sua prática de cooptação dos movimentos sociais, o que contribuiu para que a insatisfação com a política levasse a um protagonismo de setores não organizados guiados pela lógica da antipolítica, o que alimentou a onda de extrema-direita que tomou o Brasil em 2018. No final do (dramático) segundo mandato de Dilma, Ciro se tornou um grande personagem na luta contra o golpe, rodando o Brasil denunciando o que estava se desenhando. Mesmo assim, não poupou Dilma de críticas acerca de sua condução do país. Por fim, quando o cenário para a prisão de Lula estava sendo arquitetado, Ciro também ocupou espaços importantes para defender que Lula estava sendo vítima de perseguição judicial. Sobre este último ponto, ainda teve que perder um bom tempo de campanha eleitoral explicando declarações suas em defesa de Lula e contra Sérgio Moro. É importante notar que, nestes casos, mesmo que fizesse críticas pesadas ao PT, Ciro nunca foi tratado como inimigo, como parece ser o caso agora. Algo parece ter mudado no meio do caminho para que Ciro tivesse virado um inimigo mortal. O que mudou?

A partir de 2018, vendo o cenário de polarização que poderia jogar o Brasil no abismo e vendo que o PT insistiria com a candidatura de Lula, mesmo condenado e inelegível, Ciro decidiu se descolar do petismo e buscar protagonismo próprio. Esse foi o movimento determinante para que fosse alçado à condição de inimigo mortal do petismo, não as suas críticas, que eram feitas desde quando ele era um aliado importante. A tática do PT sempre foi a de hegemonizar um lado do espectro político com todas as outras figuras debaixo de si para que o partido pudesse se impor como líder natural progressista. O grande crime de Ciro foi justamente se negar a um papel subalterno ao PT e tentar criar uma nova via progressista, socialdemocrata, concorrendo com o projeto petista. É notório perceber que no momento em que isso ocorre, o tom das críticas petistas ao Ciro cresce de uma maneira impressionante. Se antes ele era um aliado que deveria estar por perto, mesmo com as críticas, agora ele passa a ser o pior adversário do mundo, aquele que representa um perigo próximo ao de Bolsonaro. Nesse momento, toda e qualquer declaração dúbia ou contradição da vida política de Ciro passa a ser um problema grave para vê-lo como alternativa. Toda declaração crítica ao petismo ou a figuras próximas é encarada como um ataque (isso quando não são deturpadas). É nesse momento que a guerra é declarada.

É importante ressaltar que Ciro não vira inimigo por conta de ter começado a carreira política no PDS em 1982 (herdeiro da ARENA) ou de ter sido membro do PSDB, ou de fazer críticas à atuação do PT. Nada disso foi empecilho para que ele fosse ministro de Lula, coordenador de campanha de Dilma e aliado contra o golpe. O que realmente faz de Ciro um perigo é a sua negação em aceitar o dirigismo petista do campo progressista. E é justamente isso que alimenta a guerra do PT contra Ciro em 2019. Enquanto Lula segue preso, com a maioria da população defendendo a sua prisão, não conseguindo ser uma voz importante contra Bolsonaro, enquanto Haddad não consegue ganhar grande destaque na oposição, Ciro cresce e se apresenta como uma importante liderança de oposição e isso assusta o PT de uma forma inédita. O partido nunca pensou ter que lidar com um cenário desse, de ter que disputar espaço pois sempre considerou que o espaço de liderança progressista era naturalmente deles. Por isso o nível cada vez mais agressivo de ataques.

Isso nos leva a refletir sobre as estratégias de atuação política que o campo progressista tem usado nos últimos tempos, em especial o PT. Parece que há uma certa infantilidade política na prática progressista que tem espantado qualquer aliado possível. Além disso, essa infantilidade vem aliada a uma prática recheada de contradições. Um exemplo: o partido justificou a ausência da cúpula no encontro da frente “Direitos Já!” porque não subiria em palanque com golpistas. Mas não foi exatamente isso (subir em palanque com golpistas) que fizeram em 2018? Lula abriu mão de uma vitória certa de Dilma em uma candidatura ao Senado pelo Ceará para deixar uma vaga para Eunício Oliveira na chapa. Haddad subiu em palanque com Renan Calheiros o chamando de “guerreiro da democracia” em Alagoas. Faz sentido essa justificativa? Isso tudo age para que o partido fique isolado, não consiga dialogar para fora da bolha e não consiga se fortalecer de uma forma a enfrentar o governo Bolsonaro.

É verdade que Lula foi condenado injustamente e merece um julgamento justo e limpo, é verdade que Dilma sofreu um golpe e que as nossas instituições estão arranhadas, mas isso não impede que novas formas de pensar a política progressista no Brasil ganhem destaque. Querer dinamitar toda alternativa progressista em nome de uma suposta obrigação de união ou de defesa de pautas e palavras de ordem do petismo, por mais justas que sejam, não é uma forma interessante de fazer política. Não podemos nos esquecer que o que nos move enquanto progressistas são valores e não figuras ou bandeiras partidárias. Isso deve ser o norte de uma atuação progressista que permita a crítica a seus desvios e a união em pautas e lutas necessárias. Agir para inviabilizar certas figuras ou lideranças progressistas pode fazer com que um cenário de pluralidade de opções seja escasso e nos force sempre a uma polarização frágil e prejudicial ao Brasil. Em um cenário onde o brasileiro cobra novidade na política, é um erro tentar apagar ou destruir a reputação de projetos que podem contribuir para o fortalecimento da nossa democracia em um projeto de justiça social.

Links para as duras críticas de Ciro ao PT:

– Ciro critica a aliança PT-PMDB em 2010: https://www.youtube.com/watch?v=kBLutcPbwAc
– Ciro criticando Dilma em 2013: https://www.youtube.com/watch?v=gmVwiY-JLe0
– Ciro criticando Lula em 2015: https://www.youtube.com/watch?v=rSwgHtqFTPM

Redação:
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