No blog do Ibre
Desigualdade de renda no Brasil sob uma perspectiva estadual e regional
19/09/2019
Daniel Duque
Bernardo Esteves
O Brasil atravessa seu mais longo processo de alta da desigualdade de renda até aqui. Desde 2015, o Índice de Gini da Renda do Trabalho Domiciliar per capita tem demonstrado contínua trajetória de aumento, muito explicada pela recessão e ascendente desemprego que atingiram o país desde então. O Gráfico 1 demonstra a evolução do mesmo indicador, desde o primeiro trimestre de 2012 até o segundo de 2019.
Gráfico 1
Fonte: Microdados da PNAD Contínua
Como se vê, o Índice de Gini partiu, do quarto trimestre de 2014, de 0.602 para o patamar de 0.629 neste último trimestre. Com exceção ao primeiro trimestre de 2019, este representa o maior valor do índice desde o início da série histórica da PNAD Contínua. O indicador mede a desigualdade numa perspectiva distributiva dos rendimentos, de modo que quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade, ao passo que, de forma inversa, o valor 0 indica a igualdade perfeita na distribuição da renda.
Entretanto, embora ainda muito alta neste último trimestre, a desigualdade de renda no Brasil parece rumar a uma estabilização, inclusive com a possibilidade de uma eventual reversão em sua trajetória de alta nos próximos trimestres. Tal análise é possibilitada por meio de uma base interanual de comparação do Índice de Gini, através da qual se compara o indicador no trimestre de um ano com relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Dessa forma, torna-se possível retirar o peso dos componentes de sazonalidade sobre determinantes da desigualdade, como os padrões anuais de contratação e demissão do mercado de trabalho, por exemplo. O Gráfico 2 retrata o exposto:
Fonte: Microdados da PNAD Contínua
Como se pode ver, por mais que ainda cresça em relação ao mesmo período do ano anterior, o Índice de Gini tem crescido a taxas cada vez menores nos últimos trimestres. Quando – e se – vier a cruzar o eixo horizontal, poderá ser observada uma reversão da tendência recente da desigualdade no país.
No entanto, a análise até aqui limitou-se à dinâmica da desigualdade de renda sob uma ótica nacional, levando-se em consideração todas as diversidades internas do Brasil. Nesse sentido, no diagnóstico da desigualdade brasileira, um questionamento faz-se relevante: de que maneira esta dinâmica das disparidades de renda tem se comportado sob uma perspectiva estadual e, de forma mais agregada, regional? Os Gráficos 3 e 4 demonstram a trajetória do Gini da Renda do Trabalho Domiciliar per capita por Estados e Regiões, respectivamente.
Gráfico 3:
Gráfico 4:
Fonte: Microdados da PNAD Contínua
Conforme os gráficos demonstram, os Estados brasileiros distribuem renda de forma muito desigual entre si. Ao passo que as Regiões Sul e Centro-Oeste são as mais igualitárias na ótica da distribuição de renda, as regiões Norte e Nordeste são muito desiguais, sobretudo essa última. Não surpreendentemente, as três Unidades da Federação que sustentam os fardos de Estados mais desiguais no segundo trimestre de 2019 são todas daquela região – Alagoas, Piauí e Paraíba, respectivamente.
Contudo, da mesma maneira que se fez para o Índice de Gini de todo o Brasil, para a análise regional deve-se levar em conta a base de comparação interanual – isto é, comparar um determinado período com igual período do ano anterior -, tendo em vista os componentes sazonais da economia. Nesse sentido, o Gráfico 5 demonstra a variação interanual do mesmo índice, porém sob uma perspectiva regional:
Gráfico 5:
Fonte: Microdados da PNAD Contínua
Tomando como base de análise o segundo trimestre de 2019, último ponto representado no gráfico, observa-se que a maior parte das linhas cruzou o eixo horizontal. Isto é, com exceção das Regiões Centro-Oeste e Nordeste, todas as demais regiões têm observado, na média, um decrescimento de sua desigualdade de renda em relação ao mesmo período de 2018. Aquelas duas primeiras, no entanto, demonstram dinâmicas díspares: ao passo que o Centro-Oeste parece rumar a uma trajetória de taxa de crescimento menor de seu Gini, a região Nordeste tem, alternativamente, demonstrado uma elevação cada mais vez mais acentuada de sua disparidade de renda. Com efeito, analisando-se, no Gráfico 3, os mapas do Gini referentes aos anos de 2018 e 2019 mais detalhadamente, pode-se notar o escurecimento de um Estado nordestino específico: Alagoas – justamente o mais desigual do país no segundo trimestre deste ano, com um Gini da Renda do Trabalho Domiciliar per capita de 0.711.
Diante disso, pode-se apontar, conforme exposto, que o Brasil parece caminhar rumo à estabilização de seu mais longo processo de alta da desigualdade, com duração de 17 trimestres consecutivos até aqui. Contudo, como visto, os diferentes Estados brasileiros parecem possuir dinâmicas próprias de desigualdade, que, por vezes, acabam por demonstrar comportamentos muito distintos ao resto do país. Cabe, portanto, não só se ter um olhar atento sobre a desigualdade de renda no Brasil como um todo, mas também se levar em consideração as diferentes dinâmicas estaduais existentes dentro dele.