No Estadão
Ciro vincula tática do PT pró-Lula a série de derrotas: ‘Agora e por três ou quatro eleições’
Ex-ministro critica o que chama de ‘burocracia’ petista e descarta unidade na centro-esquerda
Entrevista com Ciro Gomes, ex-ministro
Leonardo Augusto, Especial para o Estado
17 de setembro de 2019 | 05h00
BELO HORIZONTE – Candidato à Presidência derrotado pelo PDT em 2018, o ex-ministro Ciro Gomes afirmou que o “campo progressista” perderá as próximas três ou quatro eleições caso o que ele chama de “burocracia do PT” mantenha uma estratégia em “nome da direção imperial” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Como mostrou a Coluna do Estadão, cresceu entre políticos e analistas a percepção que Ciro decidiu radicalizar o discurso de defesa da democracia e romper com a “frente de esquerda”. “Agora ninguém mais vai enganar ninguém porque o que eu tinha para dar de engolir, de ter que fazer silêncio em nome da unidade, eles acabaram de liquidar”, disse Ciro ao Estado.
Ele esteve em Belo Horizonte para participar da filiação ao PDT da professora Duda Salabert, a primeira transexual a se candidatar ao Senado, nas eleições do ano passado – ela estava sem partido desde que se desfiliou do PSOL. Abaixo, os principais trechos da entrevista, feita por telefone.
O deputado Alexandre Frota lhe pediu desculpas sobre comentários que fez contra o senhor. O pedido foi aceito?
Não vou atribuir nenhuma relevância política a isso. Mas eu aceito as desculpas e reconheço nisso um gesto humano muito nobre. Porque eu, quando erro, gosto também de pedir desculpas. Aceito as desculpas dele e bola para frente.
O PT não apoiou o sr. na eleição presidencial de 2018 e lançou um candidato próprio. Agora, o sr. já se colocou como candidato para 2022. O sr. acredita que o PT pode, na próxima eleição presidencial, apoiar um candidato de outro partido?
O PT são vários PTs. E é importante que você entenda essa premissa para o raciocínio que vou elaborar. Esta burocracia do PT e a estratégia que essa burocracia está fazendo em nome da direção imperial do Lula é certeza da derrota do campo progressista no Brasil agora e pelas próximas três ou quatro eleições. Por quê? Porque você explodiu sobre a cabeça do povo brasileiro, tal como nosso povo é, dois gravíssimos problemas. Um, a corrupção generalizada. Você pode relativizar, como petista fanático dessa burocracia faz. A segunda questão é econômica (a crise).
Ambos os lados agem da mesma maneira?
São rigorosamente as duas faces da mesma moeda. E aí você vê na caricatura. O Datafolha publica uma pesquisa em que há uma violenta deterioração da popularidade do Bolsonaro, e o Bolsonaro faz um discurso dizendo, ‘tá bom, errei em alguma coisa’, mas se vocês falarem mal de mim, o PT vai voltar. No mesmo dia, a (presidente do PT) Gleisi Hoffmann, que interpreta esse PT corrupto e incompetente, que é uma pau mandado do Lula, sem nenhum tipo de atitude crítica, simplesmente o partido mais importante do País é dirigido por essa mulher. Ela diz o quê? Que vai ser nós contra o Bolsonaro. Enquanto isso alguém ilude o Flávio Dino, alguém fala em unidade comigo, e tal.
Algum partido já conversou novamente em unidade com você? Alguém do PT?
Comigo unidade é o cacete. Unidade é na luta. E na luta em cima da mesa. Agora ninguém mais vai enganar ninguém porque o que eu tinha para dar de engolir, de ter que fazer silêncio em nome da unidade, eles acabaram de liquidar.
Quando isso foi liquidado, na eleição do ano passado?
Quando entregaram o Brasil para o Bolsonaro. Ou você acha que o Bolsonaro se elegeria sem o que o PT fez? O Bolsonaro nunca foi o candidato da direita brasileira. O Bolsonaro foi engolido pela direita brasileira porque era o cara que foi identificado pelo nosso sofrido povo como o mais tosco intérprete do antipetismo que era a força dominante. Bolsonaro interpretou de forma tosca o sentimento de medo do povo. Porque também durante 14 anos não mexemos uma linha nas instituições para enfrentar o narcotráfico, o contrabando de armas, as facções criminosas comandando o crime. E a única política que foi implantada no Brasil foi a política do encarceramento do jovem pobre, negro.
Existe alguma possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro não terminar o governo?
Acho que ele não termina o governo. Isso é um mero palpite. Espero que não seja pelo suicídio. Meu palpite, é um mero palpite, é que vai ser por renúncia. Os políticos, que de alguma forma foram negados também pelo caráter antipolítico que o Bolsonaro impôs na retórica dele, estão muito ressabiados com a bobagem que fizeram no impedimento da Dilma. Então, por exemplo, o PSDB sabe que talvez tenha se liquidado mortalmente naquele gesto burro. Se tivesse esperado o tempo fluir, até o final do mandato ruidoso da Dilma, tinha ganho as eleições. O que aconteceu, interromperam o mandato e passaram a ser corresponsáveis pelo desastre que veio daí adiante com Michel Temer e agora com o Bolsonaro. Produziram o Bolsonaro. Isso o PT também está vendo. Então a probabilidade de um impeachment hoje é pequena. Mas as energias são tão negativas e tão rápidas que não vejo como Bolsonaro termine o governo.
O que vai ser mais fácil na sua campanha em 2022, atrair apoiadores do Bolsonaro ou do PT?
Quero produzir corrente de opinião. O Brasil vai passar por muita confusão. Acho que o Brasil vai passar por momentos terríveis nos próximos seis meses. O cenário internacional está se deteriorando de forma grave. O nível de paciência do Paulo Guedes para as irracionalidade do Bolsonaro, e para a orgânica contradição do Bolsonaro com o liberalismo que o Guedes representa, tudo isso provavelmente sinaliza para uma saída do Guedes em algum momento. A deterioração da economia é um fato. O teto de gastos será atingido no ano que vem. O Bolsonaro votou a favor disso. É uma aberração. O ano que vem vai ser terrível. E isso tem um poder de combustão muito grande. De provocar novos alinhamentos na vida brasileira. Como eu calculo? Acho que o bolsonarismo doente são 15% da população. Acho que o petismo doentio são 20% da população. E o grande problema é que essa grande maioria (65%) está atomizada, sem compreensão.
O senhor veio a Belo Horizonte para participar da filiação ao PDT da professora Duda Salabert, a primeira transexual a se candidatar ao Senado, nas eleições do ano passado. Há uma tentativa de o partido se aproximar das chamadas minorias?
A professora Duda é uma figura extraordinária. Ela está saindo do PSOL. E escolheu o PDT. Isso para mim é uma grande honra. E, para nós, não é para reforçar luta identitária, é para reforçar a militância em torno de um projeto nacional que tenha compromisso com as diferenças, com a tolerância, com a igualdade, trabalhar para que seja respeita a fé, a preferência dessa ou aquela forma de amar, porque para nós todas elas são justas.