O linguista e pensador norte-americano Noam Chomsky, que é casado com uma brasileira, e tem sido um observador atento da cena nacional, deu uma entrevista ao Estadão na qual afirma que é preciso reagir à apatia produzida pela “dependência excessiva do PT”, num momento em que o partido ficou “desgastado, parte por motivos certos, parte por má propaganda”.
A defesa da liberdade de Lula, considerado por Chomsky como o principal preso político do mundo hoje, por sua vez, não pode ser deixada de lado.
Perguntado sobre nomes que poderiam liderar a oposição, o linguista defende Ciro:
“Um líder dinâmico como Ciro Gomes poderia muito bem organizar, liderar e desenvolver uma coalizão de centro-esquerda para fazer uma oposição poderosa às políticas perigosas do governo Bolsonaro”, disse.
No Estadão
Dependência do PT levou oposição à apatia, afirma Noam Chomsky
Para linguista norte-americano, partido ficou desgastado e Ciro é ‘líder dinâmico’ capaz de liderar centro-esquerda
Ricardo Galhardo, O Estado de S.Paulo
04 de setembro de 2019 | 08h00
Em entrevista ao Estado concedida na noite de segunda-feira, 2, quando participou do ato de lançamento de um movimento de oposição ao governo Jair Bolsonaro, em São Paulo, o linguista norte-americano Noam Chomsky, de 90 anos, disse que a dependência excessiva do PT, hoje desgastado, levou a oposição a uma situação de apatia diante das políticas “perigosas” do governo.
Chomsky, que é considerado uma das principais referências acadêmicas da esquerda mundial, disse que o ex-ministro e candidato derrotado à Presidência pelo PDT em 2018, Ciro Gomes, é um “líder dinâmico” com boas condições de encabeçar uma frente de centro-esquerda capaz de se contrapor a Bolsonaro.
Segundo o linguista, a falta de eficácia da oposição em relação às pautas do governo é uma consequência da centralidade que o PT ocupou nos últimos anos.
“Infelizmente, o componente central da esquerda é o PT e o partido ficou desacreditado, parte por motivos certos, parte por má propaganda e campanhas ultrajantes nas redes sociais das quais não se recuperou”, disse Chomsky.
O partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Operação Lava Jato, tem a maior bancada entre os partidos de oposição na Câmara, com 54 deputados, além de quatro governadores e o segundo colocado na eleição presidencial do ano passado, Fernando Haddad, que teve 47 milhões de votos, mas tem colecionado derrotas nas votações de medidas importantes como a reforma da Previdência e se isolado em relação a setores da oposição que rejeitam a pauta do ‘Lula Livre’.
Para Chomsky, o foco da oposição deve ser o combate às políticas de Bolsonaro, mas a esquerda não pode deixar de lado a defesa da liberdade de Lula que, segundo ele, é hoje o “mais importante preso político do mundo”.
“O papel da oposição é combater políticas muito perigosas, como a destruição da Previdência. O PT não teve uma posição forte e unitária e faltou explicar isso à população. Isso deveria ser complementar ao esforço de libertar Lula, que é o prisioneiro político mais importante do mundo”, disse o norte-americano.
Perguntado sobre quem estaria em condições hoje de liderar uma oposição mais eficaz, Chomsky disse que Ciro reúne as condições necessárias para compor uma frente de centro-esquerda.
“Um líder dinâmico como Ciro Gomes poderia muito bem organizar, liderar e desenvolver uma coalizão de centro-esquerda para fazer uma oposição poderosa às políticas perigosas do governo Bolsonaro”, disse.
Na semana passada, Chomsky visitou Lula na cadeia, em Curitiba. Na segunda-feira, no entanto, ele chegou ao ato de lançamento do movimento Direitos Já, que reuniu dezenas de lideranças de 16 partidos num arco que ia do PCdoB ao PL. O evento teve como mote a defesa da democracia e contra “ameaças de retrocesso” do governo Jair Bolsonaro. O PT não enviou suas principais lideranças.
No ato, o linguista fez um discurso voltado para as turbulências pelas quais passam várias democracias ao redor do mundo lembrando que duas das mais fortes e antigas delas, os EUA e o Reino Unido, estão sob controle de líderes populistas de direita, Donald Trump e Boris Johnson. “O fato de que duas das democracias mais antigas e estáveis do mundo estão sob ameaça não é nada trivial. Há muito a se dizer sobre a se dizer sobre ameaças à democracia ao redor do mundo, inclusive o Brasil, que fazem com que aquele relógio que marca a sobrevivência das espécies esteja marcando hoje, dois minutos para a meia-noite”, disse Chomsky.