O jornalista Glenn Greenwald deu entrevista para o Roda Viva nesta segunda-feira. Menos de 48 horas depois, o vídeo do programa no Youtube já tem 700 mil visualizações. É a entrevista com maior audiência do programa este ano. Possivelmente, logo será uma das entrevistas políticas mais assistidas do país.
O programa abriu com uma extensa biografia, altamente laudatória e elogiosa do jornalista, enfatizando seus prêmios e feitos profissionais.
A nova âncora do programa, a jovem jornalista Daniela Lima, montou uma bancada relativamente pequena, com jornalistas dos principais veículos da grande imprensa.
Foi uma entrevista dura, em que os jornalistas se concentraram nas críticas que se levantaram contra as reportagens do Intercept.
Mas ninguém interrompeu ou foi desrespeitoso com o jornalista. Ele pode falar com toda a liberdade, e as perguntas mais duras lhe deram oportunidade de rebater, uma a uma, as principais críticas que se fizeram à Vaza Jato.
O que me parece curioso é a onda de indignação e ódio por parte da esquerda. E aí foi uma onda democrática: petistas, trabalhistas, psolistas, comunistas, todo mundo extremamente revoltado com o Roda Viva.
Aí eu me lembro da TV Brasil, com suas entrevistas e programas dando traço, lembro-me da comunicação de Dilma Rousseff, e entendo um pouco mais as coisas. O problema de comunicação que eu denunciei, por tantos anos, nos governos petistas, parece-me que tem uma origem mais profunda. Por alguma razão que ainda quero entender, a esquerda tem deficiências gravíssimas, patológicas, de comunicação.
A TV Brasil tinha uma gestão tão atrasada que não se fazia nenhum tipo de interação com as redes sociais. Seus programas, à diferença do Roda Viva, não eram transmitidos simultaneamente pelo youtube ou facebook.
A direita brasileira, estamos vendo, tem tendências fascistas. Não sabe lidar com contraditório.
A esquerda, porém, tem um lado mimizento insuportável.
O que me parece muito claro é que a esquerda não entende algumas técnicas básicas de entrevista. Eu falo mais como consumidor de entrevistas. Como entrevistador, sou péssimo. Uma técnica básica, mas necessária para gerar audiência e dar vitalidade a uma entrevista, é haver algum tensionamento ideológico entre entrevistado e entrevistador. Não é preciso, necessariamente, que, diante de um entrevistado de esquerda, o jornalista seja de direita, mas é interessante que ele estruture suas perguntas a partir de uma perspectiva antagônica ao entrevistado, pois isso produzirá um momento dialético, de tese e antítese, permitindo que o espectador faça, em sua própria cabeça, a síntese.
Não sei até que ponto essa técnica é consciente ou intuitiva. No caso do Roda Viva, porém, é evidente que se trata de uma tradição. E com uma vantagem. Não são os mesmos jornalistas. O âncora do programa tem a liberdade de formar, a cada edição, uma bancada nova de entrevistadores, sempre visando em produzir algum tipo de tensão dialética, sobretudo nas entrevistas mais esperadas, mais polêmicas.
A televisão brasileira é muito pobre. A Globo não tem nenhum programa de entrevistas realmente democrático, que se exponha a tantos riscos, como faz o Roda Viva. Até agora, por exemplo, não entrevistou Glenn Greenwald. Nas eleições presidenciais, o número de entrevistas produzidas pela Globo é sempre muito modesto.
Neste contexto, o programa Roda Viva é um oásis. As entrevistas com os candidatos presidenciais realizadas pelo programa são sensacionais, justamente pela tradição de montar bancadas especiais para cada candidato.
Quando o entrevistado é alguém muito querido pela esquerda, dá-se esse fenômeno curioso, essa onda de revolta quase infantil contra os jornalistas que lançam perguntas duras, que não necessariamente refletem o que aquele entrevistador pensa, mas que se originam de críticas que eles ouviram em algum lugar.
Acho que poucos blogueiros tem sido, ao longo de todos esses anos, mais crítico de nossa imprensa comercial. Ainda sou, embora diante do fenômeno Bolsonaro eu me veja forçado também a rever uma série de posições radicais que tinha contra a mídia nacional.
Além disso, hoje, já com um pouco de distanciamento histórico, eu acho que esse grande problema de comunicação que o Brasil tem experimentado, não se deve exclusivamente à mídia corporativa. Uma parte foi erro dos próprios governos progressistas, que não tiveram competência para montar um sistema mínimo de comunicação pública. Vendo a gritaria contra o Roda Viva, eu entendo o porquê. Parte da esquerda tem uma visão infantil de comunicação. Tem medo do confronto, da dialética. Da boca pra fora, pode até falar que não defende a entrevistas chapa-brancas, mas na prática é isso mesmo que ela faz e procura financiar. Mesmo os resultados mais desastrosos em termos de audiência não a convencem.
Se algum dia a esquerda voltar ao poder, alguém terá de convencê-la a montar programas de entrevista na televisão pública que não sejam chazinhos de comadre entre jornalistas e entrevistados. Que produzam dialética, tensão, confronto. Que convidem jornalistas conservadores ou de direita para entrevistar políticos de esquerda, porque isso dará bons resultados para o público e para o entrevistado. Quando houver entrevistados de direita, convidem jornalistas de esquerda. Que sejam programas inspirados numa fórmula que deu certo, como é o Roda Viva.
Além disso, as entrevistas do Roda Viva, pelo fato de ser uma TV pública, são disponibilizadas gratuitamente no Youtube e no Facebook. Não há propriedade. Pode-se pegar qualquer trecho e publicar onde quiser. Tente fazer isso entrevistas da Globo, Estadão, Folha?
Muitos blogs tem realizado boas entrevistas, mas, assim como a Veja, o Estadão, a própria Folha, esses veículos são privados, e acabam submergindo, necessariamente, na luta política. Alguém os associará, sempre, a um campo ideológico. Até porque eles tem mesmo um lado e isso não é problema.
A TV cultura, pública, precisa manter uma imagem de equilíbrio. Não é uma postura “de esquerda” porque a TV pertence ao governo de São Paulo, governado pela centro-direita há mais de vinte anos. Mas também seria injusto acusar a TV Cultura de ser direitista. Ela pode até ser um pouco conservadora, mas o programa Roda Viva é razoavelmente eclético e equilibrado. Podia abrir um pouco mais para jornalistas de fora do mainstream, mas aí talvez tenhamos que esperar governos mais progressistas em São Paulo.
Não há como se comparar, de qualquer forma, uma entrevista feita por um blog, jornal, ou revista, com uma entrevista para o Roda Viva. O nível de informação que emerge do Roda Viva, a audiência, a influência, a penetração, a pluralidade do público, torna o programa um monumento importantíssimo da nossa democracia.
Eu acho, sinceramente, que a esquerda é um tanto ingrata com o Roda Viva. A vitória de Bolsonaro já deveria nos ter levado a tratar o que sobrou de nossas instituições democráticas – Roda Viva entre elas – com muito, muito, muito carinho e amor!