A última crônica de Fernanda Young

Vermelho — Leia Bando de Cafonas, a última coluna de Fernanda Young (1970-2019)

A escritora e roteirista Fernanda Young – que faleceu neste domingo (25), aos 49 anos – teve um texto póstumo divulgado um dia após sua morte. O jornal O Globo, do qual ela era colunista, publica nesta segunda-feira (26) Bando de Cafonas, a última contribuição de Young à imprensa brasileira. Conforme adiantou o site do diário carioca, trata-se de “um pequeno tratado sobre os cafonas e o seu mau gosto existencial no Brasil de hoje”.

Leia a íntegra da coluna.

Texto póstumo de Fernanda Young é “um pequeno tratado sobre os cafonas e o seu mau gosto existencial no Brasil de hoje” Texto póstumo de Fernanda Young é “um pequeno tratado sobre os cafonas e o seu mau gosto existencial no Brasil de hoje”

Bando de cafonas

Por Fernanda Young, no O Globo (26/08/2019)

A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que escutamos – a pessoa quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona na vulgaridade das palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção, na mentira como tática, no atraso das ideias.

O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha que pode tudo e esfrega sua tosquice na cara dos outros. Não há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas.

O cafona manda cimentar o quintal e ladrilhar o jardim. Quer todo mundo igual, cantando o hino. Gosta de frases de efeito e piadas de bicha. Chuta o cachorro, chicoteia o cavalo e mata passarinho. Despreza a ciência, porque ninguém pode ser mais sabido que ele. É rude na língua e flatulento por todos os seus orifícios. Recorre à religião para ser hipócrita e à brutalidade para ser respeitado.

A cafonice detesta a arte, pois não quer ter que entender nada. Odeia o diferente, pois não tem um pingo de originalidade em suas veias. Segura de si, acha que a psicologia não tem necessidade e que desculpa não se pede. Fala o que pensa, principalmente quando não pensa. Fura filas, canta pneus e passa sermões. A cafonice não tem vergonha na cara.

O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer vencer, para ver o outro perder. Quer ser convidado, para cuspir no prato. Quer bajular o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos.

Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país.

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