Por Dafne Ramos e Pedro Breier
Por volta das 15h da tarde da última segunda-feira, dia 19 de agosto, o céu cinza e nublado de São Paulo parecia indicar que uma forte chuva estava prestes a cair. Perto das 16h, uma nuvem escura gigante substituiu o cinza e fechou completamente o céu da cidade mais populosa do país. As luzes dos carros e dos postes foram acesas. A tarde de repente transformou-se em noite. Mas a chuva limitou-se a poucas gotas que não condiziam com aquela nuvem amazônica.
Não fosse a inusitada escuridão em pleno dia na cidade de São Paulo, a absoluta maioria das pessoas nem ficaria sabendo que em Rondônia há um incêndio florestal de proporções catastróficas acontecendo há 16 dias. As suas cinzas viajaram pelo céu por mais de 2.000 km, nos dando praticamente um alerta do apocalipse.
Mas quase ninguém está noticiando devidamente.
Ontem (20) no jornal SPTV, da Rede Globo, ao comentarem sobre o acontecido e mostrarem a água escura da chuva de São Paulo, disseram apenas que isso se deve a “queimadas e poluição na cidade de São Paulo”. Em nenhum momento o incêndio alastrador teve a cobertura merecida, muito embora diversos especialistas afirmem que a escuridão está diretamente relacionada aos incêndios que se espalham há dias pelos estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. É um esvaziamento total da discussão sobre o que está acontecendo.
A Amazônia está sendo destruída.
Ela é a maior floresta tropical e a maior reserva de biodiversidade do planeta, de longe. É mais do que um “”patrimônio”” da humanidade, é praticamente um pulmão do mundo, como costumávamos ouvir na escola.
O delicado equilíbrio ecológico do nosso planeta está sendo destruído massivamente e já estamos percebendo as consequências. As calotas de gelo (principais responsáveis por refletir de volta a luz solar e impedir o aquecimento do planeta) estão derretendo e se desprendendo em quantidade e velocidade alarmantes.
O presidente Jair Bolsonaro cortou 95% dos recursos destinados ao combate às mudanças climáticas. Dentre as ações afetadas pelo corte estão a prevenção e o controle de incêndios florestais.
O Ibama, órgão que poderia impedir ou mitigar os efeitos desse tipo de tragédia ambiental, está sendo implodido pela retórica e pelas políticas de Bolsonaro. Leiam este estarrecedor trecho de uma matéria da Veja do último dia 16:
O discurso antiambientalista do governo Jair Bolsonaro tem sido utilizado por exploradores da Amazônia para intimidar agentes de fiscalização do Ibama. “Eles estão se sentindo empoderados agora”, disse um fiscal que trabalha há mais de 15 anos no órgão. As hostilidades vindas de grupos ilegais de madeireiros, garimpeiros e grileiros não são nenhuma novidade, mas passaram a ser mais contundentes neste ano. Um exemplo é o que está acontecendo na cidade de Espigão d’Oeste, em Rondônia, que vive em um clima de tensão desde o início de julho, quando homens encapuzados com pedaços de pau pararam um caminhão-tanque do Ibama, espancaram o motorista e em seguida incendiaram o veículo, que transportava 8.000 litros de combustível. A carga serviria para abastecer um helicóptero que sobrevoaria reservas indígenas da região, onde havia suspeita de roubos de madeiras.
Quando perguntado sobre a poluição ambiental e o problema gravíssimo da climatização do planeta, o presidente responde de forma jocosa, dizendo para evitarmos fazer cocô por dois dias seguidos, caso realmente estejamos preocupados em fazer algo para ajudar na prevenção.
Além disso, Bolsonaro manifesta abertamente seu desagrado pelas multas ambientais e promove perseguições explícitas a servidores cuja tarefa é fiscalizar a preservação do meio ambiente, como fez com o funcionário do Ibama que o multou por pesca irregular. Além disso, o discurso bolsonarista refletiu-se em uma redução de 35% no volume de multas aplicadas pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) no primeiro trimestre de 2019 em comparação com o mesmo período de 2018. Mas não para por aí: o governo federal criou um “núcleo de conciliação ambiental” para combater a famigerada “indústria das multas”. As multas são uma das principais ferramentas dos órgãos ambientais para garantir o cumprimento das leis.
Não é porque elegemos uma pessoa absolutamente incompetente e lunática para o cargo, que devemos deixar nas mãos dele a decisão sobre a continuação ou não da nossa espécie (e inúmeras outras) no planeta – e aqui não se trata de exagero, dada a gravidade da questão.
Um relatório de especialistas da ONU chegou à conclusão de que a espécie humana tem 12 anos de prazo para salvar o planeta. Durante esse período, se reduzíssemos – muito – a emissão de gás carbônico e extraíssemos ao menos 85% da eletricidade de fontes renováveis, conseguiríamos limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C – o que evitaria a morte de muitas pessoas e ecossistemas.
Acontece que o relatório foi feito em 2018 e, evidentemente, não estava contando com esse avanço caótico do desmatamento da Amazônia.
Há uma estimativa de que os alertas de desmatamento tenham aumentado 278% comparando-se julho de 2019 com julho de 2018. Um estudo da Universidade de Oklahoma (EUA) concluiu que o desmatamento da Amazônia é, na verdade, o dobro do registrado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cujo diretor foi demitido por Bolsonaro porque este não gostou de ver a loucura ambiental do seu governo exposta ao mundo.
Quanto às queimadas, o Inpe registra um aumento de 83% na comparação entre janeiro e agosto de 2019 com o mesmo período de 2018.
Não é possível replantar a floresta amazônica, gente. E os projetos de reflorestamento que usam as técnicas mais avançadas não têm escala nem velocidade suficientes para sequer amenizar o que já fizemos.
Além de tudo isso, incêndios em Rondônia estão resultando em mortes de animais e de pessoas.
A mídia hegemônica parece não ter interesse de informar a população sobre a gravidade do que está acontecendo, muito embora essa tragédia tenha potencial para afetar um contingente inimaginável de pessoas. Quem percebe o grau de perigo que o Brasil e o planeta correm tem o dever moral de agir para que isso se interrompa.
Se Dilma Rousseff foi derrubada por conta de obscuras pedaladas fiscais, que tal cogitarmos o mesmo para um presidente que conseguiu a proeza de escurecer o céu (!) e sumir com o sol (!) em várias cidades por conta de sua estupidez?
A lei nº 1079/50, que define os crimes de responsabilidade que dão causa ao impeachment, elenca, em seu artigo 8º, o ato de “permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública” como um desses crimes.
Destruir florestas nativas é crime segundo o artigo 50 da lei federal nº 9605/98. As evidências de que o crime ambiental de proporções alarmantes que está ocorrendo neste momento é consequência das políticas do governo Bolsonaro e das declarações do presidente se acumulam.
Propomos que se comece a falar seriamente sobre o impeachment de Bolsonaro. Não importa que na linha sucessória esteja Mourão ou qualquer outra ponderação: Bolsonaro é perigoso demais para que deixemos de, ao menos, aventar a hipótese de derrubá-lo.
Quem sabe as pessoas não se comovem com o sumiço ou obscurecimento do céu (!) e do sol (!) provocados pelo insano que está na presidência do nosso país?
O que está acontecendo é, acredite se quiser, muito mais grave do que pedaladas fiscais.