No MPF-RJ
Rio de Janeiro: Força-tarefa do MPF desarticulou grande organização criminosa que lesou cofres do estado
Operação Calicute revelou esquema de corrupção para que o Rio sediasse olimpíadas; MPF pediu bloqueio e reparação de danos no valor de R$ 6,21 bilhões
Em 17 de novembro de 2016, a força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro abriu um novo capítulo na investigação dos grandes casos de corrupção que vinham sendo descortinados nos últimos anos. Naquele dia, foi realizada a Operação Calicute, que levou à prisão o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e revelou a existência de uma complexa organização criminosa que desviou recursos de praticamente todas as obras públicas realizadas durante seu governo. Desde então, foram oferecidas 56 denúncias, com pedido de bloqueio e reparação de danos no valor de R$ 6,21 bilhões.
A força-tarefa fluminense chegou a Cabral a partir do desmembramento dos fatos relativos à construção da usina de Angra 3 denunciados pela força-tarefa da Lava Jato no Paraná no curso da sua 16ª fase: a Operação Radioatividade. Os executivos da empreiteira Andrade Gutierrez revelaram, em acordo de colaboração, que o esquema de pagamento de propinas ia além dos contratos com a Petrobras e que houve cartelização das empreiteiras para a construção e reforma dos estádios que sediariam a Copa do Mundo de 2014, entre eles o Maracanã. O aprofundamento das investigações resultou na Calicute, que revelou: sobrepreço, fraude à licitação, corrupção e cartel em outras obras financiadas com recursos federais, como o PAC das Favelas, a construção do Arco Metropolitano e da Linha 4 do metrô. A cartelização das empreiteiras incluíam as empresas Odebrecht, Andrade Gutierrez, Carioca Engenharia, entre outras.
Em janeiro de 2017, as investigações levaram à prisão do empresário Eike Batista e de doleiros no Uruguai ligados aos operadores financeiros de Sérgio Cabral (Operação Eficiência). Vinícius Claret e Cláudio Barbosa – os doleiros – também celebraram acordo de colaboração, e entregaram dois sistemas informatizados nos quais eram registradas as operações de dólar-cabo realizadas para lavar dinheiro em diversos esquemas. A análise do material levou a 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro a decretar, em maio de 2018, a prisão de 47 doleiros, o que abriu uma nova linha de investigação (Operação Câmbio, Desligo). Um dos resultados foi a prisão de Dario Messer, conhecido como o “doleiro dos doleiros” por ser o ponto de contato de uma extensa rede de lavagem de dinheiro e citado em outros grandes casos de corrupção, como o Banestado e o Mensalão.
Transportes, Saúde e SEAP – As investigações foram além das obras públicas. A Operação Ponto Final desmontou a organização criminosa atuante no setor de transportes, responsável pelo pagamento de mais de R$ 260 milhões a políticos e agentes públicos. Uma das denúncias, oferecida em agosto de 2017, aponta que Sérgio Cabral recebia repasses mensais do caixa dois da Fetranspor e foi beneficiado com R$ 144,7 milhões no esquema. Em janeiro de 2014, o ex-governador concedeu desconto de 50% no IPVA das empresas de ônibus. Naquele mês e em fevereiro, as planilhas de colaboradores da força-tarefa indicam que um bônus de R$ 13 milhões saiu do “caixa dois” da Fetranspor para Cabral, que ainda recebia repasses mensais da Federação.
Já a operação Fatura Exposta apurou o pagamento de propinas de R$ 16,4 milhões em contatos da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro para o fornecimento de próteses e equipamentos médicos. A operação Ressonância, desdobramento desta, identificou um cartel de fornecedores que atuou no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) entre 1996 e 2017 formado por, pelo menos, 33 empresas, algumas delas atuando como laranjas das demais, que se organizavam no chamado “clube do pregão internacional”. Outra linha de investigação decorrente foi apurada na operação SOS, que se debruçou sobre contratos da Secretaria de Saúde com a Organização Social Pró-Saúde, administradora de vários hospitais do estado a partir de 2013, como: o Getúlio Vargas, o Albert Schwartz, o Adão Pereira Nunes e o Alberto Torres.
Os contratos de alimentação para a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária foram alvo de fases como as operações Pão Nosso e Ratatouille. Somados a contratos de outros serviços especializados em escolas, presídios e hospitais, o que envolve outras secretarias, o prejuízo aos cofres públicos chega a R$ 40 milhões. Em outra linha de investigação, a força-tarefa identificou o desvio de outros R$ 10 milhões por parte de Orlando Diniz, então presidente da Fercomercio-RJ, que contratou funcionários fantasmas utilizando o Sesc e o Senac para prestar serviços no interesse particular de Sérgio Cabral (Operação Jabuti).
Gráfico ORCRIM Cabral – ASCOM.png
Olimpíadas – A Lava Jato no Rio de Janeiro também desvendou um esquema internacional para a compra de votos que ajudaram a eleger a capital fluminense como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. A Operação Unfair Play foi realizada em setembro de 2017 simultaneamente com autoridades francesas e revelou que a organização criminosa de Cabral comprou o voto do presidente da Federação Internacional de Atletismo, Lamine Diack. Um mês depois, foram presos o ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) Carlos Arthur Nuzman e o ex-diretor de operações e marketing do COB Leonardo Gryner. Responsável por intermediar o pagamento da propina à Diack, o empresário Arthur César de Menezes Soares Filho, o Rei Arthur, é objeto de investigação por outros crimes, como corrupção passiva e ativa, tráfico de influência e organização criminosa no esquema montado para desviar recursos de fundos de pensão a partir de investimentos em empresas sob seu controle.
No aprofundamento das investigações que trouxeram a Lava Jato para o Rio de Janeiro, em março de 2019, foi decretada a prisão preventiva do ex-presidente da República Michel Temer, de João Baptista Lima Filho (Coronel Lima), do ex-ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, de Maria Rita Fratezi, de Carlos Alberto Costa, de Carlos Alberto Costa Filho, de Vanderlei de Natale e de Carlos Alberto Montenegro Gallo, além da prisão temporária de Rodrigo Castro Alves Neves e de Carlos Jorge Zimmermann (Operação Descontaminação). Os fatos apurados envolvem a contratação irregular da empresa finlandesa AF Consult, da Argeplan e da Engevix para a execução do contrato de engenharia eletromecânico 01, da usina nuclear de Angra 3, apropriando-se de quase R$ 11 milhões dos cofres públicos.
Resultados – Até o momento, foram homologados 37 acordos de colaboração, que obtiveram R$ 945 milhões em multas compensatórias e ressarcimentos. Parte destes recursos já foi devolvida à sociedade: em 20 de março de 2017, R$ 250 milhões foram liberados para o pagamento do 13º salário atrasado de 146 mil aposentados e pensionistas do estado do Rio de Janeiro e, em 27 de fevereiro de 2018, foi assinado um termo de cooperação técnica para reforma de onze escolas públicas da rede estadual de ensino.
No total, foram oferecidas 56 denúncias contra 339 pessoas por 21 tipos de crime: fraude em licitações, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa, quadrilha, falsidade ideológica, evasão de divisas, crime contra a ordem econômica (cartel), embaraço à investigação de organização criminosa (obstrução de justiça), crime contra o sistema financeiro, tráfico de influência, operação de instituição financeira não autorizada, prevaricação, peculato, constrangimento ilegal com emprego de arma de fogo, contrabando, falsidade documental, sonegação fiscal, gestão temerária, desvio de recursos. Quarenta e uma pessoas foram condenadas em 10 sentenças a penas que somam 723 anos e nove meses de reclusão.
Ainda foram realizadas 39 operações em conjunto com a Polícia Federal, com a prisão preventiva de 217 investigados e a temporária de 48. Além disso, foram propostas seis ações de improbidade administrativa e firmados três acordos de leniência no qual foram ressarcidos R$ 145 milhões, incluindo multas compensatórias.
As investigações no Rio de Janeiro encontraram indícios da participação de pessoas com foro por prerrogativa de função. A partir daí, foram realizadas as operações Furna da Onça e Cadeia Velha, pela Procuradoria Regional da República da 2ª Região, e O Quinto do Ouro, conduzida pela Procuradoria Geral da República.