No IEA-USP
André Lara Resende expõe ideias para um novo paradigma macroeconômico
por Nelson Niero Neto – publicado 18/07/2019 09:55 – última modificação 23/07/2019 13:19
André Lara Resende: ”O Estado que controla a sua moeda não tem necessidade de levantar fundos para se financiar”
Ao colocar em dúvida alguns dos pressupostos da teoria econômica ortodoxa, a teoria monetária moderna (conhecida pela sigla em inglês MMT) ganhou espaço na discussão econômica dos Estados Unidos. Suas ideias chegaram ao campo político americano por meio de proponentes e políticos simpatizantes e foram questionadas por nomes relevantes da área.
No Brasil, a MMT passou a ter destaque nas discussões macroeconômicas com a publicação de artigos do economista André Lara Resende no jornal “Valor Econômico”. Apesar de negar, em um dos textos, que esteja reverberando a MMT, várias de suas ideias têm similaridade com a teoria.
Uma oportunidade de conhecer melhor as ideias de Lara Resende será o seminário com ele Neoliberalismo e Macroeconomia, no dia 8 de agosto, às 14h, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O evento é organizado pelo Grupo de Pesquisa Neoliberalismo, Subjetivação e Resistências do IEA e terá Simone Deos, do Instituto de Economia da Unicamp, como comentarista.
Segundo o proponente e moderador do encontro, Cícero Romão Resende de Araújo, do Departamento de Ciência Política da FFLCH e membro do grupo de pesquisa do IEA, o objetivo do seminário é “discutir questões econômicas e políticas suscitadas pela MMT, buscando explorar o papel do neoliberalismo enquanto uma ‘nova razão do mundo’ na formulação e disseminação, em larga escala, de um pensamento econômico que tem levado a um perigoso limite as sociedades e democracias liberais”.
O evento é aberto ao público e gratuito. Não há necessidade de inscrição para participar presencialmente nem para assistir à transmissão ao vivo online.
Moeda
Entre as ideias principais defendidas por Lara Resende está a de que um governo não deve estar submetido a qualquer restrição financeira, uma vez que é o emissor soberano de sua moeda.
“O Estado que controla a sua moeda não tem necessidade de levantar fundos para se financiar, pois ao efetuar pagamentos, automática e obrigatoriamente, cria moeda, assim como ao receber pagamentos, também de maneira automática e obrigatória, destrói moeda”, escreveu no artigo “Uma armadilha conceitual — A crise da macroeconomia”, publicado em março no “Valor Econômico”.
Inflação
Outra ideia ortodoxa da economia da qual Lara Resende discorda é a de que a expansão da moeda cause inflação. “Inflação é essencialmente questão de expectativas, porque expectativas de inflação provocam inflação”, diz, no mesmo artigo.
“Alguns preços, como salários, câmbio e taxas de juros, funcionam como sinalizadores para a formação das expectativas. Se o Banco Central tiver credibilidade, as metas anunciadas para a inflação também serão um sinalizador importante. Uma vez ancoradas, as expectativas são muito estáveis. A inflação tende a ficar onde sempre esteve.”
Juros
Lara Resende defende ainda que o Banco Central fixe juros abaixo da taxa de crescimento da economia. Segundo ele, tal medida acarretaria a diminuição da dívida pública sem a necessidade de aumento dos impostos.
Essa “nova macroeconomia que começa a ser delineada é capaz de explicar fenômenos incompatíveis com o antigo paradigma”, segundo escreve no artigo. Entre esses fenômenos, ele cita o caso da “renitente inflação abaixo das metas nas economias avançadas, mesmo depois de um inusitado aumento da base monetária” e o fato de a economia japonesa carregar “uma dívida pública acima de 200% do PIB, com juros próximos do zero, sem qualquer dificuldade para seu refinanciamento”.
Para ele, esse novo quadro analítico também esclarece a situação do Brasil, pois “dá uma resposta à pergunta que, há mais de duas décadas, causa perplexidade: como explicar que o país seja incapaz de crescer de forma sustentada e continue estagnado, sem ganhos de produtividade, há mais de três décadas”.
Celeuma
De acordo com o moderador do evento, as ideias da MMT despertaram muita celeuma por serem “frontalmente contrárias ao core da macroeconomia neoliberal e seu corolário de política, amplamente esposado no Brasil, que vem preconizando uma redução ao máximo da participação do Estado na economia”.
No âmbito internacional, Araújo afirma haver uma percepção crescente de que a teoria macroeconômica está em crise, tanto pela insuficiência de seus diagnósticos – “o caso mais gritante foi a total incapacidade de antever a chegada da crise de 2008” – quanto pela ineficácia das políticas que prescreve.
O economista Edmar Bacha foi um dos especialistas que debateram na imprensa as propostas de Lara Resende. Ambos participaram da equipe que elaborou o Plano Real.
Dinheiro O próprio artigo técnico de Lara Resende sobre suas ideias para um novo paradigma econômico, intitulado “Consenso e Contrassenso: Dívida, Déficit e Previdência”, foi publicado em fevereiro, para discussão, pelo Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (Iepe/CdG), que tem Bacha como um dos fundadores e diretores.
Destaque
Segundo Bacha, a MMT passou muito tempo relegada ao mundo acadêmico, e, ainda assim, discutida apenas em universidades e revistas de pouco prestígio nos Estados Unidos. Ela ganhou força quando chegou em Washington, afirma: “uma das principais proponentes da teoria [Stephanie Kelton, da Universidade de Stony Brook] assessorou o senador Bernie Sanders”, que disputou com Hillary Clinton a candidatura presidencial do Partido Democrata nas eleições de 2016.
Ele lembra que este ano foi a vez da congressista democrata Alexandria Ocaso-Cortez citar a teoria como uma alternativa viável para orientar as decisões da economia.
Ao tornar-se pauta, a teoria chamou a atenção de nomes influentes do pensamento econômico nos EUA, que “partiram para um impiedoso ataque”. Bacha cita três deles: Paul Krugman, Nobel de Economia; Larry Summers, presidente emérito da Universidade Harvard e ex-secretário do Tesouro norte-americano; e Kenneth Rogoff, também de Harvard.
Na argumentação de natureza mais técnica em seu artigo, Bacha comenta que a taxa de juros relevante para a discussão é aquela dos juros do Tesouro, e não aquela inferida das estatísticas do déficit público. “É que está última incorpora o custo de carregamento dos ativos do governo, como reservas internacionais, empréstimos ao BNDES e outros bancos públicos, além de fundos e programas.”
Déficit
Segundo ele, com essa mudança, a conta de juros em 2018 baixa para 3,7% do PIB, enquanto o déficit primário atinge 3,4% do PIB – ao incorporar o custo do carregamento de ativos do governo -, “valores praticamente equivalentes entre si”. Para Bacha isso significa que “nem só de juros vive nosso déficit”.
Em razão disso, ele concluiu que, “mantidas as condições atuais”, o país deve continuar a conviver com uma taxa de juros sobre a dívida pública que supera a taxa de crescimento do PIB. “Por isso, é importante alcançar um superávit primário nas contas do governo, para evitar que a relação entre a dívida e o PIB, que já é alta para padrões de países emergentes, continue a crescer, indefinidamente”
Pelos mesmos motivos, ele concluiu seu artigo no “Valor Econômico” dizendo que as sugestões de Lara Resende são estimulantes para os economistas brasileiros continuarem “a discutir formas não inflacionárias de aumentar a taxa de crescimento do PIB e de reduzir a taxa real de juros no país”.
Com colaboração de Mauro Bellesa
Neoliberalismo e Macroeconomia
8 de agosto, 14h
Sala 14 do Prédio da Filosofia e Ciências Sociais da FFLCH-USP, Avenida Prof. Lineu Prestes, 380, Cidade Universitária, São Paulo
Evento público, gratuito e sem necessidade de inscrição – Para assistir ao vivo pela internet também não é preciso se inscrever
Mais informações: com Sandra Sedini (sedini@usp.br), telefone (11) 3091-1678
Página do evento
Artigos na revista ‘Estudos Avançados’
Antônio
06/08/2019 - 12h49
Expansão monetária não causa inflação?! Temos a Argentina e a Venezuela aqui ao lado para comprovar o exato contrário. Além de outros exemplos históricos, como a Alemanha durante a República de Weimar, o Zimbábue e o próprio Brasil antes do Plano Real.
Edibar
05/08/2019 - 20h23
Nossa, que coisa maravilhosa. Então o governo, qdo precisar só bastará imprimir papel pintado e qdo não precisar mais ele recolhe esse papel pintado. Genial!! É a máquina do almoço grátis. Em tese o governo não precisaria mais nem cobrar impostos, pois precisando de dinheiro é só imprimir mais!!! Brilhante!!! Perfeito!!
Soluções simples para problemas complexos nunca produziram bons resultados. ¬¬
Paulo
05/08/2019 - 17h51
Economia: “ciência” esotérica…