A carta mensal de junho do Iedi – Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial – aborda de maneira direta e franca o dramático problema da desindustrialização no Brasil.
Eu separei um trecho dela, e alguns gráficos que o acompanham.
(…)
Evolução Mundial do VA industrial per capita
Desde 1981, a indústria de transformação brasileira começou a crescer continuamente menos que o PIB nacional e, consequentemente, a perder peso no PIB. Nesta seção, é comparado o desempenho do Brasil com os demais países em termos de crescimento real e real per capita, pois pode acontecer de a indústria brasileira ter crescido pouco, mas a indústria dos demais países também. O que indicaria que o regresso industrial brasileiro não seria uma questão específica, mas parte de uma evolução mais ampla, compartilhada pelos demais países.
O gráfico abaixo exibe o crescimento real acumulado do valor adicionado manufatureiro (VAM) desde 1980 até 2017 para os trinta países responsáveis atualmente por cerca de noventa por cento da indústria mundial. Note que o Brasil apresentou o menor crescimento entre todos os países, enquanto cinco países asiáticos lideram a lista.
Entre 1980 e 2017, a indústria de transformação brasileira cresceu apenas 24%, enquanto a indústria mundial cresceu 204% e a do mundo excluído a China aumentou 135%. Os Estados Unidos cresceram no mesmo ritmo do mundo excluído a China. A maioria dos países em desenvolvimento cresceram acima da economia mundial e a maioria dos países desenvolvidos abaixo. O caso chinês é único, pois a China aumentou o tamanho de seu parque industrial em mais de 40 vezes. A Coreia do Sul aumentou 17 vezes, Indonésia e Índia 12 vezes, Malásia e Irlanda 11 vezes. Na Europa, a Turquia e Polônia apresentaram crescimento expressivo, respectivamente, 696% e 613%. Portanto, na comparação internacional, o crescimento do Brasil foi medíocre.
Quando se avalia o desenvolvimento industrial de uma nação, um indicador muito utilizado pelas Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), órgão vinculado à ONU, é o valor adicionado manufatureiro (VAM) per capita. Ao dividir o produto manufatureiro pela população elimina-se possível viés causado pelo tamanho do país.
O gráfico acima mostra que o VAM per capita do Brasil encolheu 28% entre 1980 e 2017, enquanto o mundial aumentou 79% e do mundo sem China 32%. A China encabeça a lista e o Brasil a fecha na última posição. Analisado em subperíodos, o VAM per capita brasileiro aumentou até 1980 quando atingiu aproximadamente US$ 1.650 a preços de 2010 e depois passou a apresentar ligeira tendência de queda, terminando a série em 2017 com quase US$ 1.200 a preços de 2010. Em contraste, outros países representados no gráfico a seguir apresentam evolução positiva, com destaque para a China, que ultrapassou o Brasil em 2011 e em 2017 e obteve VAM per capita de US$ 2.250 a preços de 2010, isto é, um pouco mais de US$ 1.000 per capita acima do Brasil.
E quanto ao VAM per capita de países atualmente desenvolvidos, que detêm os maiores parques industriais do mundo? A tendência é de crescimento em todos eles. Cabe destacar o notável desempenho da Coreia do Sul, país que, em 1980, detinha VAM per capita inferior ao brasileiro e, em 2017, alcançou US$ 7,6 mil a preços de 2010, valor superior ao de alguns países desenvolvidos e maior que o brasileiro em 6,5 vezes.
A Coreia do Sul é o único país que, além de apresentar robusta trajetória de industrialização ao longo de todo o período em tela, tem conseguido evitar a redução do peso da indústria em sua economia mesmo com elevada renda per capita, desde início dos anos 2000. Muito disso se deve aos investimentos em inovação: na última década, a Coréia do Sul apresentou esforço em P&D – investimentos em P&D dividido pelo PIB – bem acima dos Estados Unidos e União Europeia, conforme dados da OCDE. Desde os anos 1990, a Coreia do Sul possui uma indústria competitiva internacionalmente, desempenho obtido e sustentado por inovações tecnológicas e internacionalizações de suas empresas em segmentos dinâmicos do comércio internacional.
Alguns países fora do leste asiático também registraram crescimento expressivo, como Polônia e Turquia e, mais moderadamente, o México. A Argentina, que no início da série destoava com maior VAM per capita, não conseguiu avançar e fechou 2017 com nível semelhante ao que estava em 1970, sendo ultrapassada pelos três países citados.
Em síntese, o desempenho industrial brasileiro mensurado pelo valor adicionado per capita foi medíocre. Desde 1980, a manufatura brasileira tem contribuído negativamente para o PIB per capita do país. Numa perspectiva internacional comparada, o Brasil ficou em último lugar na lista dos trinta países detentores dos maiores parques industriais do planeta atualmente, tanto no crescimento real acumulado do VAM quanto do VAM per capita. Cabe destacar que o desempenho brasileiro foi muito inferior ao do mundo avaliado com ou sem a participação da China.
Brasil: o caso de declínio prematuro da indústria mais grave do mundo
O quanto o regresso industrial brasileiro difere do mundial? Os gráficos a seguir ilustram a questão e apontam para uma resposta. A preços correntes, a manufatura mundial perde 36,1% de peso no PIB entre 1970 e 2017, enquanto a brasileira perde 58,6% entre 1986 e 2018.
Como a série a preços correntes capta tanto o efeito quantidade (variação real) quanto o efeito preço, uma hipótese provável para essa grande queda é que os preços dos produtos manufaturados trabalho-intensivos tenham diminuído bastante devido às escalas de produção gigantescas da China, assim, este país influenciou negativamente os preços globais destes produtos no comércio internacional. Também houve uma redução substantiva de preços nos equipamentos de informática e produtos eletrônicos, neste caso, esta redução se deve ao enorme avanço tecnológico somado as imensas escalas produtivas asiáticas. Ademais, a participação dos setores manufatureiros no PIB joga um papel decisivo no declínio industrial brasileiro, como já tratado na Carta IEDI n. 920.
A preços constantes, por sua vez, a manufatura mundial aumentou seu peso no PIB em 9,2% no mesmo período, mas a brasileira diminui em 42,6% entre 1980 e 2018. Fatos que evidenciam que a perda de participação da indústria brasileira é muito mais intensa que a mundial a preços correntes e, apesar do mundo não se desindustrializar a preços constantes, a manufatura do Brasil contraria essa tendência e perde mais de quarenta por cento de peso no PIB.
E na comparação internacional qual país representa o caso de retrocesso industrial mais intenso? As últimas colunas das tabelas a seguir exibem essa informação, respectivamente, para a série a preços correntes e para a série a preços constantes.
Austrália, Reino Unido e Bélgica apresentaram as maiores diminuições das respectivas parcelas da indústria de transformação no PIB desde 1970, quando há dados disponíveis para um amplo conjunto de países. Esses três países representam casos normais ou positivos de regresso industrial, pois eles começaram a passar por este processo já com uma renda per capita elevada, próxima do patamar de US$ 20 mil em PPC de 2017, e continuaram registrando ampliações da renda per capita nos anos que se seguiram.
O Brasil juntamente com a Argentina são os casos de “desindustrialização prematura” mais graves. Começaram a reduzir a participação de suas indústria no PIB com um nível de renda per capita bem abaixo do patamar encontrado pelo trabalho de Dani Rodrik e, durante a fase descendente, a renda per capita aumentou pouco em ambos os países. Comparativamente aos três casos acima de “desindustrialização normal”, as manufaturas do Brasil e da Argentina reduziram peso no PIB num intervalo menor de anos. No Brasil, entre 1986 e 2018 foi o período crítico do regresso industrial, em que a parcela da indústria de transformação teve redução de 58,6%. A contar pelos dados dos últimos anos este é um processo que ainda está em andamento.
Na série a preços constantes de 2010, apenas 10 países apresentaram tendência de redução da parcela industrial. O Brasil localiza-se na terceira posição, atrás de Austrália e Reino Unido. Novamente, o Brasil é o caso mais grave de “desindustrialização prematura” a preços constantes, apresentando redução de 43,9% da parcela da indústria de transformação no PIB entre 1976 e 2016.
Em síntese, o Brasil apresenta redução da participação da manufatura no PIB muito mais intensa que a economia mundial e é o caso mais grave de “desindustrialização prematura” entre os trinta países que representam cerca de noventa por cento da indústria mundial atualmente. O abrupto retrocesso industrial causou impactos negativos para o desenvolvimento do Brasil no longo prazo, como a contribuição negativa do setor industrial para a renda per capita desde 1980, conforme visto na seção anterior.