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Comentários ao editorial da Folha contra Bolsonaro

A Folha publicou hoje um editorial contra Jair Bolsonaro, intitulado “Espiral de infâmias”, que eu gostaria de chamar de “contundente”, porém é mais uma mordida banguela que a imprensa aplica no presidente. Explico adiante. O jornal menciona a possibilidade de impeachment, mas a coluna Painel, da mesma edição, traz afirmações lúcidas de membros do centro […]

7 comentários
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A Folha publicou hoje um editorial contra Jair Bolsonaro, intitulado “Espiral de infâmias”, que eu gostaria de chamar de “contundente”, porém é mais uma mordida banguela que a imprensa aplica no presidente. Explico adiante.

O jornal menciona a possibilidade de impeachment, mas a coluna Painel, da mesma edição, traz afirmações lúcidas de membros do centro e da oposição, de que tal iniciativa seria um “tiro no pé e um presente para Bolsonaro”, porque o presidente está hoje justamente em busca de um “inimigo real” e não mais os moinhos de vento (comunismo, revisão da história, foro de São Paulo) com os quais ele vem lutando ultimamente.

A estratégia de parte da oposição, ainda segundo o Painel, é “estimular o isolamento do governo dando força a vozes dissonantes do PSDB”; o PT, por sua vez, continua a coluna, fará uma série de caravanas no Nordeste a partir de agosto, torcendo para que as mobilizações funcionem como “rastilho de pólvora, unindo grupos de instituições atingidas pelas falas de Bolsonaro”.

O Globo também tenta uma mordida sem dentes no governo, com um editorial mais ou menos crítico a Jair Bolsonaro. Intitulado “Bolsonaro ainda não assumiu a presidência”, o texto relembra as suas recentes violências verbais, e observa, com alguma precisão, que o presidente teve “sorte” em disputar o segundo turno com o representante do PT.

Bolsonaro ganhou uma eleição plebiscitária, atraindo muito eleitor mais pela rejeição à esquerda do que por apoio à sua agenda na totalidade.

O editorial conclui que Bolsonaro deveria estar focado na retomada do debate sobre a reforma da Previdência, que será votada em segundo turno na Câmara, antes de ir para o Senado, e nas “demais reformas”.

Algum desses ataques surtirá algum efeito no governo?

Provavelmente não. E a explicação está em duas notícias também veiculadas hoje.

  1. Hoje a Lava Jato lançou a sua 62ª fase, envolvendo a cervejaria Petropolis e a Odebrecht. Trata-se de uma operação requentada, porque a a Petropolis já foi investigada em 2016. A nova etapa da operação pode gerar ataques e intimidações à classe política, incluindo aí o PT e o ex-presidente Lula, beneficiando Sergio Moro e Bolsonaro. Enquanto o sistema jurídico do país (Justiça, MP, PF, etc) estiver aliado, como instituição, a este projeto, Bolsonaro terá força. Mesmo que Moro seja indicado suspeito no processo do triplex, o sistema já prepara outras condenações de Lula. Como parte importante da oposição, em especial o PT, centraliza sua luta política em torno do ex-presidente, essas novas condenações servirão para neutralizá-la por um bom tempo.
  2. O presidente do Banco Itaú, Candido Bracher, em teleconferência realizada ontem, para apresentar a investidores e jornalistas o último balanço financeiro do banco, destacou que o “nível elevado de desemprego, hoje na casa de 12%, permite o crescimento sem impacto sobre a inflação”. Depois dessa bizarra comemoração da tragédia social representada pelo desemprego, que joga milhões de famílias na mais abjeta miséria e empurra milhares de jovens para o mundo do crime, Bracher, empolgado pelo lucro líquido de R$ 7 bilhões do Itaú no segundo trimestre do ano,  afirmou que “isso [a vantagem que o alto desemprego proporciona ao país, de crescer sem inflação] deixa a situação macroeconômica do Brasil tão boa quanto nunca vi na minha carreira”. Ele conclui: “tudo isso que me faz ser otimista no curto e médio prazo”.

Todos esses elementos deixam claro que há um movimento ambíguo na alta sociedade. A grande imprensa faz críticas a Bolsonaro, mas está completamente escravizada à sua agenda econômica. O próprio desemprego é visto com entusiasmo por setores do capital, por permitir baixar o custo da mão-de-obra. A queda na demanda é compensada por lucros crescentes de um sistema financeiro baseado em especulação irresponsável, juros altos e spreads extorsivos.

A vitória de Bolsonaro reflete, ainda, uma tendência de setores do Estado e da elite econômica a se resignar com o papel subalterno do país, no grande jogo global, de mero e passivo fornecedor de commodites brutas a baixo preço.

Ainda ontem, ao defender a abertura de novos campos de garimpo na Amazônia, o próprio presidente admite essa visão:

“O Brasil vive de commodities, daqui a pouco o homem do campo vai perder a paciência e vai cuidar da vida dele. Vai vender a terra, aplicar aqui ou lá fora, e cuidar da vida dele. A gente vai viver do quê? O que nós temos aqui além de commodities?”

Pois é.

O que nós temos aqui além de commodities?

Até pouco tempo tínhamos o sonho de nos tornarmos grandes exportadores de derivados de petróleo (e não apenas de óleo bruto, como hoje), além de garantirmos a nossa autossuficiência no consumo de gasolina e diesel; continuar ampliando nossas exportações de serviços avançados de engenharia; produzir plataformas de petróleo e exportar tecnologia de exploração em águas profundas para o mundo inteiro; tornarmo-nos uma potência em matéria de geração de energia nuclear; construir submarinos nucleares; expandirmos nosso potencial cultural, exportando filmes, séries, livros e turismo de qualidade.

Todos esses sonhos foram destruídos, enterrados e a terra foi salgada, para que não possam nascer de novo.

Hoje o presidente da República, segundo a entrevista que ocupa a capa do Globo de hoje, quer criar “pequenas serras peladas Brasil a fora”.

Para mudar isso, será necessário pôr muita gente na rua, transformações profundas na opinião pública, algumas vitórias eleitorais em 2020, e, por fim, uma grande vitória política e eleitoral em 2022.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Paulo

31/07/2019 - 23h09

Bolsonaro é de fato um “fora de estrada”. Como nunca antes na história (recente) deste país, um governante ousou desconsiderar a Rede Globo em sua conjeturas políticas. Ao contrário, eram pautados por ela (até governantes de esquerda hesitavam em enfrentá-la). A direita ilustrada é atualmente refém da agenda econômica neoliberal que o Capitão vai implementando. Mas, suspeito, mesmo depois dele implementá-la continuará sendo (não há alternativa pra 2022, à direita, Dória é um fanfarrão, não tem carisma)…

Raja Natureza

31/07/2019 - 16h59

Miguel do Rosário, quer dizer que você descobriu que desemprego é anti-inflacionário e pleno emprego é inflacionário? Você faltou nessas aulas básicas de economia. Ou talvez nem as tenha tido, como a maior parte das pessoas. O mais engraçado é você atribuindo um grande segredo desvelado, uma insider information o fato de o presidente do Banco Itau dizer isso em um evento especializado. Fala sério, Miguel!

    Redação

    01/08/2019 - 12h19

    Ué, os EUA estão com desemprego de 3,6%, não tem inflação nenhuma e ainda baixaram o juros ontem? Essa teoria está ultrapassada. Próximaquestão.

    J Fernando

    01/08/2019 - 13h57

    A crítica do Miguel foi além desta questão (desemprego x inflação).
    A visão do banqueiro COMEMORANDO desemprego é surreal. Ainda que esteja com os olhos voltados apenas para o lucro, comemorar desgraça alheia não deveria ser considerado algo normal.

NeoTupi

31/07/2019 - 12h46

Editorial de jornal não derruba nem vereador, mas indica a linha editorial do poder econômico, e essa linha levada a todo o noticiário e as chamadas diárias derruba com o tempo.
É óbvio que existe uma articulação pelo impeachment nas elites, porque Mourão é muito mais disciplinado e confiável do que Bozo.
Mesmo o Itaú tem medo do Bozo assinar abertura do mercado bancário brasileiro se o Trump mandar. Lembre-se que Guedes já falou em vender o Banco do Brasil para o Bank of América.

Marcio

31/07/2019 - 12h38

“além de garantirmos a nossa autossuficiência no consumo de gasolina e diesel; continuar ampliando nossas exportações de serviços avançados de engenharia; produzir plataformas de petróleo e exportar tecnologia de exploração em águas profundas para o mundo inteiro; tornarmo-nos uma potência em matéria de geração de energia nuclear; construir submarinos nucleares; expandirmos nosso potencial cultural, exportando filmes, séries, livros e turismo de qualidade.”

Isso tudo para um Pais de analfabetos com 60.000 homicidios por ano e onde nem esgotos tem…?

Em momento algum, nem sonhando ou tomando LSD o Brasil foi minimamente perto d’isso, por contra foi sò piorando de 30 anos pra cà.

Justiceiro

31/07/2019 - 10h45

Está de volta, Miguel?

Pensei que você tinha sido sequestrado ou estivesse de férias.

De um tempo pra cá, seu blog publicou alguns artigos parecidos com o 247, DCM….

Que bom que você voltou com a lucidez de costume


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