Em sua coluna de hoje, com título “Coincidência de datas”, Merval Pereira, membro do Conselho Editorial do Grupo Globo, inaugura um conceito revolucionário, muito útil em teorias de conspiração: a coincidência elástica. É mais ou menos assim: 23 dias e duas horas antes do tiro que matou Kennedy, o diretor do FBI à época deu uma entrevista a um grande canal de TV dizendo que “tudo ia ficar bem”.
O que uma coisa tem a ver com outra? Nada. Mas o conceito de Merval vem para mudar isso.
A teoria de conspiração de Merval é baseada nas seguintes “concidências”:
Nove dias depois [de fazer o primeiro contato com o hacker], a 21 de maio, Glenn Greenwald esteve visitando Lula na sede da Polícia Federal em Curitiba, para fazer uma entrevista com ele, que havia sido autorizada pela Justiça no início do ano.
É certo, portanto, que Greenwald já tinha o material quando conversou com Lula na cadeia. No dia 9 de junho, dezenove dias depois da entrevista, o Intercept Brasil começa a divulgar as conversas hackeadas.
Entre o primeiro dia em que o hacker fez o contato com Glenn Greenwald, e a publicação, passaram-se exatos 29 dias, ou quatro semanas. Glenn Greenwald, ao publicar os diálogos, declarou: “ficamos muitas semanas planejando como proteger a nós e nossa fonte contra os riscos físicos, riscos legais, riscos políticos, riscos que vão tentar sujar a nossa reputação.”.
No fim do mês de abril, no dia 27, uma entrevista com Lula foi publicada pela Folha de S. Paulo e o El País e, como se fosse premonitório, o ex-presidente garantiu ter (…) “obsessão de desmascarar o Moro, de desmascarar o Dallagnol e a sua turma”.
Nove, dezenove, vinte e nove dias (ou quatro semanas, Merval ainda nos faz esse grande favor de transformar dias em semanas…)
O que uma coisa tem a ver com outra? Qual a coincidência que ele encontrou entre o fato de Glenn receber um material jornalístico e nove dias depois obter a autorização para uma entrevista que vinha pedindo há mais de um ano?
O que a fala de Lula ao El Pais, sobre sua “obsessão de desmascarar o Moro, de desmascarar o Dallagnol e sua turma” tem de premonitório? Isso é o que todos que acompanham a farsa lavajateira vem falando desde meados de 2014, quando os objetivos golpistas da operação ficaram bastante claros. É claro que Lula, uma das principais vítimas da farsa (visto que perdeu a liberdade, o bem supremo do mundo), tem “obsessão” para desmascarar os seus autores.
Não há nada de “premonitório” na fala de Lula. Quer dizer, para não tirar toda a razão de Merval, poderíamos dizer que a “praga de Lula é forte”.
Mas não há coincidência nenhuma, obviamente. Ou não deveria haver, porque Merval Pereira inventou uma nova maneira de conceituar uma coincidência, e que vem revolucionar as teorias de conspiração.
Anotem isso. Estou escrevendo esse post no dia 30 de julho de 2019; daqui a vinte e nove dias (ou quatro semanas), um membro do ministério irá ser demitido (ou não).
Para Merval, será uma “coincidência de datas”.
Defender Bolsonaro, Moro e as falcatruas da Lava Jato reveladas pelo Intercept está começando a afetar seriamente o compromisso de alguns profissionais de imprensa com mais prosaica das qualidades jornalísticas: a lógica.
Quando alguém pesquisar as origens das deformações do nosso sistema de justiça, não poderá esquecer o papel desempenhado por alguns jornalistas do mainstream para que chegássemos a esse ponto.