O Cafezinho recebeu o seguinte artigo, enviado pelo próprio autor, com uma contribuição ao debate sobre a deputada Tábata Amaral (PDT-SP).
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Tabata e PDT: hora de colocar a bola no chão
Por Lucas Goies
Fui eleitor de Tabata, distribuí santinhos, convenci desconhecidos e amigos a votarem nela durante a campanha. Não só isso, também a defendi fervorosamente nas redes sociais, contra ataques que vinham de pessoas até mesmo do campo progressista. Assim como muita gente, vi-me decepcionado depois do seu voto favorável à reforma da previdência.
A reação contra ela nas redes sociais foi generalizada. As críticas vieram não só de gente ligada ao PDT, mas de eleitores do campo progressista em geral. Os petistas e psolistas aproveitaram a repercussão para engrossar o coro das críticas.
Por que a reação foi tão forte e generalizada? A razão disso é que muita gente não esperava que ela fosse votar a favor desta reforma. Seus eleitores, seus colegas de partido, a militância: todos tinham comprado muitas brigas por ela e acreditavam que ela representava uma força importante de renovação e fortalecimento do PDT e de construção de um projeto nacional. Depois da confiança depositada, o sentimento geral foi de desgosto e, para muitos, até de traição.
Não satisfeita, Tabata partiu para o ataque com seu artigo na Folha: “A ousadia de ir além das amarras ideológicas”. Nele, repetiu clichês e lugares-comum, como supor que alguém (ela, por exemplo) poderia ser desprovido(a) de “amarras ideológicas”; insinuar que o PDT estaria preso às “amarras ideológicas”; além de apontar que partidos deveriam representar toda a sociedade (e não parcela). Além de tudo, reclamou que faltava democracia no partido.
Tabata desrespeitou a convenção nacional do partido que fechou questão contra a reforma de Bolsonaro. Tudo leva a crer que ela não ponderou sobre (ou simplesmente ignorou) as bandeiras históricas, muito caras ao partido, como o trabalhismo e o combate à desigualdade social. (Aliás, a própria origem do PDT tem raízes no PTB, de Getúlio Vargas, que estruturou os direitos trabalhistas e o próprio sistema previdenciário.)
Quem observa com atenção as redes sociais de Tabata percebe que a deputada parece hesitar em vestir a camisa do PDT. Em seu site, na seção “Quem sou”, dá grande destaque às entidades que faz parte: Mapa Educação, Movimento Acredito, RenovaBR e RAPS. Mas onde está o PDT? Há somente uma rápida passagem no texto: “A decisão de sair candidata foi de última hora. A escolha pelo PDT se deu pelo compromisso do partido com a educação pública”.
Outro episódio também não passou desapercebido: Tabata, tão afeita a conceder entrevistas e compartilhá-las em suas redes sociais, sequer postou o vídeo da entrevista que Ciro Gomes fez para seu programa Repare Bem, publicada em 14 de junho.
Tabata e o Movimento Acredito
A ligação de Tabata parece forte mesmo com o Movimento Acredito. São inúmeros retweets, compartilhamentos e menções a esse grupo nas suas redes sociais. A deputada divide gabinete com Felipe Rigoni (deputado federal pelo PSB-ES) e Alessandro Vieira (senador pelo Cidadania-SE), ambos ligados ao Acredito e ao RenovaBR, assim como Tabata. Além disso, a todo momento, a deputada também faz referência nas redes sociais a estudos que conduz e a emendas que apresenta conjuntamente com os parlamentares ligados ao Movimento Acredito.
Um levantamento da BBC mostrou que, dentre os deputados federais do PDT, o posicionamento de Tabata é o que mais destoa, especialmente quando a liderança orienta a obstrução de pautas. A seu turno, o posicionamento dela é bastante próximo ao de seu colega do Movimento Acredito, Felipe Rigoni.
Não há nenhum problema em participar de movimentos sociais e cívicos. Isso é até normal. O problema surge quando esse movimento passa a lembrar um partido político, determinando de forma concertada a votação dos parlamentares ligados ao movimento. Como foi revelado no caso da reforma da previdência, ao que tudo indica, os posicionamentos do Acredito são fechados internamente. (Frise-se, Tabata sempre defendeu a necessidade de uma reforma da previdência, mas todo mundo sempre achou que ela defendia outra reforma, e não a reforma de Paulo Guedes remendada.)
O Movimento Acredito é organizado com núcleos nacional, estadual e local, e recebe doações de pessoas físicas até 20% do orçamento total do movimento, segundo seu site. Assim, enquanto candidatos ligados ao Acredito desfrutam dos benefícios de um partido político (por exemplo, fundo eleitoral e quociente partidário), o Movimento não precisa prestar contas das doações que recebe. Muito conveniente para o Acredito, então, alojar seus candidatos em partidos, orientando suas votações, enquanto não se submetem à legislação eleitoral. Acham mesmo que “carta-compromisso” é cheque em branco para transgredir programas partidários históricos? É dessa forma que se quer buscar renovação de práticas?
Tabata, que havia criticado a suposta falta de democracia interna do PDT, ironicamente viu o Movimento Acredito virar alvo de uma enxurrada de críticas relacionadas à ausência de democracia interna. Assim, a decisão do núcleo nacional do Acredito de apoio à reforma da previdência aparentemente não foi tomada de forma democrática, conforme denunciaram as cartas de núcleos regionais e voluntários divergentes. Ora, como é difícil montar uma organização política, não é mesmo? O que se seguiu foi uma grande debandada de voluntários.
Surpreendente, mesmo, foi a petulância das manifestações do Movimento Acredito nas suas redes sociais: referiu-se aos deputados como “nossos parlamentares”; disse que os partidos fazem “velha política”; e que eles “muitas vezes” são “barreiras” à renovação. Espanta a aversão do Acredito aos partidos políticos.
Considerando que o Movimento Acredito atua como uma espécie de “linha auxiliar” dos mandatos parlamentares, por que não construir a mudança dentro dos partidos que existem, ao invés de integrar um movimento paralelo? (Não é necessária filiação para participar dos movimentos ligados aos partidos.) Por que não ocupar os espaços dos partidos? Será que nós, jovens, só conseguimos participar de um projeto à nossa imagem e semelhança?
O Brasil possui 33 partidos registrados no TSE. Muito se reclama da falta de coesão ideológica e programática dos partidos. Não é assinando cartas-compromisso e desafiando a institucionalidade de partidos históricos que vamos contribuir para a melhora do sistema partidário. Não é por meio de atalhos que construiremos um sistema mais estável. O próprio Steven Levitsky destaca o papel importante dos partidos como gatekeepers de indivíduos autoritários.
No jornal Folha de S. Paulo, os ataques de integrantes do Movimento Acredito aos partidos políticos seguiram linha semelhante. O coordenador nacional do Movimento Acredito teria insinuado que os partidos que votaram contra a reforma seriam “radicais”, abraçados a “um lado ideológico de modo fanático”. Já o senador Alessandro Vieira, disse que “a renovação não virá dos velhos caciques”. Tons bastante beligerantes para integrantes de um movimento que precisa dos partidos para lançar “suas” candidaturas.
Movimento Acredito: livre de “amarras ideológicas”
Em seu site, o Movimento Acredito diz que não é nem de direita nem de esquerda: acredita que essa dicotomia está se esgotando. Como pregadores do apocalipse, seus membros defendem a libertação das amarras ideológicas, sustentando a todo momento políticas públicas “baseadas em evidências”.
Ora, qualquer gestor minimamente racional será favorável a fundamentar suas decisões em fatos, dados, evidências. É o mínimo. Esse argumento, defendido pelo Movimento Acredito, revela apenas um purismo estéril, um idealismo absolutamente ingênuo.
Toda política pública (ou toda política econômica), mesmo que baseada em evidências, envolverá sempre complexos “trade-offs”, entre eficiência e universalização, privilégio a um ou a outro grupo social. As evidências apenas reduzem a discricionariedade do gestor, mas não eliminam o componente ideológico (até mesmo porque intrinsicamente subjetivo).
No final do dia, frequentemente restarão duas ou mais possibilidades de decisões sobre a mesa, quase sempre ideologicamente antagônicas: mais ou menos Estado, intervenção ou desregulação, austeridade fiscal ou investimento social, etc. São essas, aliás, as encruzilhadas que o Brasil atravessa. Chega um momento em que as evidências ou a técnica não mais poderão socorrer, e a decisão se torna política. E aí é crucial sabermos a qual senhor se quer servir.
Essa ambiguidade parece marcar o que alguns estão chamando de “pós-política”. Ou seja, o sujeito não escolhe nenhum lado, abomina a dicotomia esquerda-direita, joga como “centrista”, apelando para uma política baseada na técnica. Como disso, isso é não apenas raso e estéril, mas também enganoso e utópico.
O futuro de Tabata
O PDT abriu as portas para Tabata e a colocou em posições-chave, seja no diretório local, seja na Câmara dos Deputados. Ela se tornou vice-líder do bloco de oposição formado pelo PDT, membra titular da Comissão de Educação, da Comissão da Mulher e da Comissão do Fundeb, e membra suplente da Comissão de Ciência e Tecnologia.
Ao votar a favor da reforma da previdência, Tabata não apenas contrariou seus eleitores e seu partido: ela praticamente jogou no lixo a confiança e a relação ganha-ganha que foram construídas no partido. Ela tinha uma juventude entusiasmada a seu favor, tinha espaço para construir uma atuação parlamentar exemplar (o que lhe conferiu visibilidade) e tinha espaço para construir a renovação que aspirava. Então, a troco de que votou favoravelmente à reforma?
Além de tudo, Tabata falhou na sua comunicação. Tabata não mostrou transparência a seus eleitores e a seu partido sobre em qual sentido seria seu voto. Ela sequer conversou ou discutiu com seus colegas de partido sobre como votaria. Tabata se queimou com o campo progressista.
Mas, qual espaço ela tem nos partidos da direita? Tabata se diz de “centro-esquerda”. Sua visão de políticas sociais (sobretudo em educação) é absolutamente conflitante com o Partido Novo. Também imagino que ela não vá querer manchar sua imagem no PSDB, um partido marcado pela corrupção, que abriga Aécio Neves. Assim, para onde iria Tabata, então?
Tabata só leva consigo seu mandato se a Comissão de Ética do PDT decidir por expulsá-la. Tabata pode ir para o Cidadania (ex-PPS) – onde estão seus colegas do RenovaBR, Alessando Vieira e Marcelo Calero – ou para a Rede, onde está Joênia Wapichan, também do RenovaBR. Ambos partidos têm acenado para Tabata. Se Felipe Rigoni for expulso do PSB, quem sabe o destino de ambos não se encontra. Quem sabe Luciano Huck não se encontra com eles no futuro. Entretanto, vale lembrar: a Rede conseguiu eleger apenas uma deputada federal (Joênia) e não atingiu a cláusula de barreira. Portanto, para onde quer que Tabata vá se ela sair do PDT, vai encontrar muita incerteza e um partido pouco promissor.
Tabata perde se sair do PDT: perde os espaços que conquistou, perde a oportunidade de fazer parte de um projeto nacional, perde a oportunidade de construir a renovação do partido, perde a oportunidade de compor um partido com defesa histórica de pautas que são prioridade para ela, como a educação e a defesa da igualdade de gênero.
Por outro lado, o que o PDT tem a ganhar mantendo em seus quadros uma deputada que, além de contrariar bandeiras históricas do partido, compõe um movimento paralelo e hostil? Quero realmente crer que Tabata não anteviu a repercussão negativa que seu voto teria. A única saída que enxergo para ela no partido é buscar redenção: se ela não se arrependeu, se não percebeu o erro que cometeu, que pelo menos tenha aprendido a lição. Muitos avaliam que não há clima para sua continuidade. Acho que sua permanência no PDT só se mostra viável se, além de mudar sua postura em relação ao partido, também deixar em segundo plano o seu Movimento Acredito.
Aliás, o próprio Movimento Acredito precisa seriamente repensar a sua forma de atuação. Quem sabe se aproximar mais do modelo de formação política, e abandonar o modelo de comando e controle que eles tentam impor sobre parlamentares ligados ao movimento.
Estar em um partido político significa acreditar em um projeto maior. Significa que muitas vezes a gente precisa abrir mão da nossa vontade individual, porque acreditamos e porque estamos dispostos a alcançar um projeto maior. E para isso, quase sempre, é preciso escolher um lado. Tabata precisa escolher o seu.
Lucas Gois