Como uma daquelas bergamotas – ou mexericas, ou tangerinas – que demoram para serem descascadas, pois a casca está demasiadamente colada à parte comestível da fruta, as máscaras dos ex-heróis da Lava Jato vão sendo arrancadas pouco a pouco.
A faceta de Deltan Dallagnol desvelada pela Vaza Jato no último domingo foi a de bom moço. Em 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público, órgão responsável pela fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do Ministério Público, foi acionado pelos deputados federais Paulo Pimenta e Wadih Damous, ambos do PT, para julgar a legalidade dos polpudos cachês recebidos pelo procurador em suas palestras. O CNMP concluiu que as palestras eram “filantrópicas”.
Vê-se agora que as palestras podiam ser qualquer coisa, menos filantrópicas. Em um dos diálogos, Deltan fala para sua esposa que ela e a esposa do “Robito” – o procurador Roberson Pozzobon – estavam com a missão de abrir uma empresa de eventos e palestras. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade…”, escreve o grande altruísta do combate à corrupção. A íntegra dos diálogos está ao final da matéria da Folha.
Entre discussões sobre como evitar as críticas, escapar das proibições legais e, principalmente, como dividir os lucros, o mais fascinante das conversas reveladas são as ideias arrojadas de Dallagnol. “Qual a razão para estudantes de direito (ou profissionais) se interessarem por um curso sobre corrupção? Ou na área penal? Curiosidade não basta, até porque a maior parte dos jovens não têm interesse em Lava Jato. Para o modelo dar certo, teria que incluir coisas que envolvam como lucrar, como crescre na vida, como desenvolver habilidades de que precisa e não são ensinadas na faculdade.”, escreve ele.
Eis aí um verdadeiro mindset empreendedor. Imagine aquele fundo bilionário que a Lava Jato queria gerir nas mãos desse menino de ouro.
Passemos à análise dos insights do intrépido procurador, ocorridos certamente após um intenso brainstorming:
“Poderia ser um curso com 4 palestras de 1h: TURBINE SUA VIDA PROFISSIONAL COM FERRAMENTAS INDISPENSÁVEIS” – A palavra “turbine” dá um ar dinâmico, jovem, moderno. O termo “indispensáveis” demonstra que o curso será, bem, indispensável para a vida profissional dos troux… quer dizer, do dileto público que pagar para ver a dupla Deltan e Robito. Sacada de mestre.
“1) Empreendedorismo e governança (inspiração e “como”): seja dono do seu negócio e saiba como governá-lo” – Com a experiência dos procuradores em usar parentes como laranjas caso a lei venha a encher o saco dos empreendedores, esta seria uma palestra bastante proveitosa.
“2) Negociação: domine essa habilidade ou ela vai dominar Você” – Essa eu não entendi muito bem. A habilidade da negociação vai dominar você? Como isso se daria? Você sairia negociando tudo e todos descontroladamente? Quem sabe negociaria acordos de delação premiada espúrios em nome de um suposto bem maior… Se não fossem tão caras as palestras eu até cogitaria assistir essa, por curiosidade.
“3) Liderança: influencie e leve seu time ao topo” – Essa pode dar certo se uma parte da palestra for dedicada a ensinar maneiras de se comunicar sem deixar rastro. Do contrário, os líderes podem deixar pegadas em algum Telegram da vida. A queda do topo é sempre sofrida.
“4) Ética nos Negócios e Lava Jato: prepare-se para o mundo que te espera lá fora” – Pode funcionar se a ideia for ensinar o que não se deve fazer em matéria de ética a partir do case da Lava Jato. Também dá para fazer um stand-up comedy com o tema.
Para completar, Deltan escreveu que “Cada palestra teria que ser muito bem desenhada, ter uma pegada de pirotecnia e ainda dependeríamos de uma boa divulgação.”
De pirotecnia os integrantes da Lava Jato entendem, como bem sabemos. Já de respeito às leis ou à ética…
De qualquer forma, a conclusão a que se chega após uma criteriosa análise dos diálogos revelados é que, como procurador da República, Deltan Dallagnol daria um ótimo coach.