Apontamentos Sobre a MP da Liberdade Econômica

Crédito: Jerônimo Goergen (PP-RS)

Por Anderson Rosa Vaz *

No dia 30 de abril, o Presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória 881/2019 que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica – a MP da Liberdade Econômica. O objetivo, na versão do governo, seria a “desburocratização” das atividades empresariais e a redução do custo brasil. O texto inicial da medida provisória continha 19 artigos. O ato normativo, contudo, despertou interesse dos parlamentares e recebeu 301 (trezentas e uma) propostas de emendas. Destas, 126 (cento e vinte seis) sugestões foram acatadas pelo relator, deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS). E o texto, que já péssimo, virou um monstro com 53 artigos – considerando parágrafos, incisos e alíneas, são centenas de dispositivos que alteram normas do Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto da Terra, Lei de Serviços Notariais, Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, além de diversas outras leis federais. Se considerarmos apenas a CLT, o texto da MP 881 promove outra reforma trabalhista, modificando dezenas de dispositivos da legislação vigente.

Nesta quinta (11), a Comissão Mista do Congresso Nacional aprovou o relatório do Jerônimo Goergen (PP-RS). Como vivemos em tempos de preguiça cognitiva e diversionismo, vale a pena chamar atenção para alguns pontos da MP que deverá ser votada até o dia 10 de setembro pelo plenário das duas casas do Congresso Nacional, sob pena de perder sua validade normativa.

1. a MP permite que empreendimentos considerados de baixo risco sejam desenvolvidos sem depender de qualquer ato de liberação pela administração pública. As atividades econômicas que não oferecem risco sanitário, ambiental e de segurança não vão precisar mais de licenças, autorizações, registros ou alvarás de funcionamento. Como trata-se de norma genérica e o que é “baixo risco” dependerá de regulamentação posterior, podemos estar assistindo ao desmonte do sistema de fiscalização no Brasil;

2. A MP autoriza trabalho aos domingos e feriados. “Chega de frescura” (Dep. Jerônimo Goergen, ao justificar o retrocesso);

3. Fiscais de nenhuma área de poder de polícia não poderão mais autuar empresas com práticas ilícitas sem presença de um procurador técnico da entidade representativa da empresa;

4. Micro e pequenas empresas ficam dispensadas de constituírem Comissões Internas de Prevenção de Acidentes – CIPA;

5. Extinção do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas – eSocial. Os empresários exigiram o fim da plataforma para redução de custos e facilitar contrações. O dono da Havan disse que “o eSocial é uma putar*a do cacet*”. A extinção do eSocial aumenta riscos de passivos trabalhistas, dificulta identificar trabalhos perigosos e insalubres, trabalho escravo, trabalho infantil e afeta diretamente área de saúde ocupacional e segurança do trabalho. Só o trabalhador perde;

6. Eliminação de extra jornada para quem trabalha com serviços de telefonia e telegrafia. Na mesma linha de retrocesso, trabalhadores do campo não terão restrições de dia de semana, horário nem jornada de trabalho. Vale o que for contratado. É a institucionalização do trabalho análogo ao de escravo – principalmente no Brasil profundo;

7. As atividades econômicas só serão fiscalizadas mediante denúncia. Fiscais não poderão mais atuar de ofício;

8. Contratos temporários não precisam se limitar há dois anos. Poderão ser ampliados em ciclos ininterruptos – mesmo que com o nome de “temporários”. Obviamente, haverá ainda mais precarização das relações de emprego;

9. Proíbe que OAB, sindicatos, conselhos e associações estabeleçam valores mínimos e máximos que serão cobrados por profissionais liberais;

10. Patrimônios dos sócios não serão alcançados para pagamento de dívidas trabalhistas; Se a empresa não tiver patrimônio, o trabalhador não recebe nada dos acertos trabalhistas. Ainda que os sócios tenham patrimônio. Entre a figura da personalidade jurídica e o direito do trabalhador, o governo faz opção pela “personalidade jurídica”;

11. A MP 881 possui uma inconstitucionalidade original. Ainda que os assuntos pudessem ser considerados “relevantes”, não são temas “urgentes” e não poderiam ser objeto de medida provisória (art. 62, CF/88);

Não é pretensão deste texto esgotar os assuntos da famigerada medida provisória. O tema, dado o alcance e gravidade, merece mais atenção da comunidade acadêmica, política e midiática.

* Anderson Rosa Vaz é Mestre em Direito pela UNIFRAN-SP. Doutor em Direito pela PUC-SP. Procurador do Município de Uberlândia. Professor Universitário.

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