Atualização: como a reforma da previdência pode ser votada a qualquer momento, muitos internautas só estão interessados em saber a posição dos parlamentares sobre ela. Sobre isso, Tábata fez vídeo ontem, em que declara taxativamente que é contra a proposta de reforma da previdência do governo. Assista o primeiro minuto desse vídeo.
Atualização 2: Tábata mudou de ideia e resolveu votar sim pela Previdência. Ela explica no vídeo abaixo.
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A deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP) concedeu longa entrevista exclusiva ao blog O Cafezinho, que reproduzimos abaixo.
Na entrevista, a deputada fez as seguintes afirmações:
- é a favor de uma regulamentação do mercado dos meios de comunicação, para coibir a formação de monopólios.
- não existe “bancada Lemann”; isso é mais uma teoria de conspiração.
- nunca ganhou bolsa ou dinheiro da fundação Lemann.
- a fundação Lemann, de qualquer forma, não é esse bicho papão que pintam.
- a deputada é a favor da educação pública, gratuita e de qualidade para todos, e seus modelos são países como Finlãndia, Cingapura e Alemanha.
- mora até hoje numa ocupação na periferia de São Paulo.
- nos 4 anos que estudou em Harvard, trabalhou como babá e recepcionista.
- sua campanha teve 429 doadores, ninguém deu mais de 10% do valor total, de maneira que seu mandato tem bastante independência em relação a esses doadores.
- O Intercept está mostrando coisas muito graves, é preciso investigar e punir os responsáveis.
- Tem compromisso com a candidatura de Ciro Gomes em 2022.
- Escolheu o PDT por causa do que viu em Sobral, e pela admiração por figuras como Darcy Ribeiro, Brizola e Ciro Gomes.
- É a favor de uma reforma da previdência, aquela apresentada por Ciro Gomes na campanha.
- Sobre a prisão de Lula, acha que é uma questão técnico-jurídica e assim deveria ser discutida, mas questiona se houve imparcialidade no processo de julgamento.
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Cafezinho: Você tem alguma opinião sobre a o sistema brasileiro de comunicação?
Tábata Amaral: A comunicação tem um papel muito importante, é um quarto braço da democracia brasileira. Temos irregularidades e problemas, mas é preciso tratar no individual, na exceção, e não tentar criminalizar algo que é importante para a democracia. Mesmo sendo semanalmente atacada com fake news, acusada de coisas absurdas, me limito a enviar uma nota e não processo cada um dos meios de comunicação que dizem mentiras sobre mim. Sou completamente contrária a qualquer tipo de regulamentação de conteúdo e liberdade de imprensa. O que eu acho que poderíamos fazer, e que seria positivo, é uma regulamentação do mercado de comunicação. O Brasil precisa dar esse passo com cuidado para não ferir nenhum princípio democrático, mas precisamos separar muito bem. Eu vou ser sempre contra regulamentação de conteúdo e sempre a favor de regulamentação de mercado para a coibir a formação de monopólios.
Cafezinho: Quais são os países que servem como modelo, para você, em termos de educação pública?
Tábata Amaral: Acho um pouco perigoso a gente pegar um país e dizer que queremos copiar tudo, porque há diferenças marcantes entre as nações, como níveis de desigualdade etc. Admiro Cingapura, quando falamos de valorização dos professores; o Canadá em termos de inclusão, especialmente de imigrantes; a Finlândia, quando o tema é educação integral, pois eles entenderam que só ensinar matemática, português, biologia, não é suficiente no mundo de hoje. Quando a gente olha para Alemanha, eles são campeões no ensino técnico e profissional, com uma das menores taxas do mundo de desemprego entre a juventude. Então, não consigo pegar um país e dizer que copiaria tudo, mas eu acho que esses países têm exemplos de práticas que podem inspirar muito o Brasil.
Cafezinho: Qual o papel da educação privada, básica, média e superior, num país como o Brasil?
Tábata Amaral: Quando se discute educação privada, não cabe a mim, como alguém que trabalha no setor público, desenhar esse papel. O setor privado deve ter seus planejamentos, seus sonhos para área. Justamente por terem mais liberdade é onde muitas inovações acontecem. Mas é muito importante que para todo o resto da população que não tem acesso a recursos, que o governo consiga prover não apenas educação, mas educação de qualidade.
Cafezinho: Você acha que o Brasil teria condições de ter um modelo universitário mais próximo dos EUA, onde predominam universidades privadas?
Tábata Amaral: O Brasil tem muito a aprender com os Estados Unidos quando se trata de ensino superior. Uma primeira provocação é que as faculdades têm liberdade muito maior na questão do financiamento, para fazer convênios com centros de pesquisa, parcerias com empresas, eles dão mais autonomia de fato para as universidades. Um outro ponto é o vestibular, que deu um passo muito importante para ir além de uma prova, em um dia do ano, que analisa um tipo de inteligência. Eles entenderam que meritocracia de verdade não é você olhar quem chegou mais longe, é você ver quem correu mais. Um vestibular que faz entrevistas, que permite aos alunos tentarem a prova novamente a cada mês, que permite que você conte a sua história de vida, é um vestibular muito mais justo, que também deve ser um aprendizado pra gente aqui no Brasil.
Cafezinho: Você é a favor dos cortes nas universidades? Alguns sites, como o Esquerda Diário, pegaram trecho de entrevista sua para o Estadão, e passaram a disseminar que você seria a favor dos cortes. O que você queria dizer nesse trecho: “Uma crítica que eu faço em relação ao ministro, e acho que essa é uma coisa pela qual sou criticada, inclusive dentro da esquerda, é por tentar sair um pouco desse embate ideológico. Não estou criticando ele por estar cortando das universidades, estou criticando por estar cortando sem nenhum critério, por razões ideológicas. Esse é o meu ponto. Concordo que esse debate sobre onde a gente investe mais deva existir. Ele é muito válido, só que não é o que está sendo feito agora (…) Tem faculdades e universidades que dá para cortar mais do que outras. Universidades que fazem uma gestão muito eficiente são penalizadas quando você faz um corte burro”.
Tábata Amaral: De forma alguma alguém poderia dizer honestamente que sou a favor dos cortes. Eu estou fazendo um trabalho muito grande de mostrar a campanha de desinformação do MEC, mostrar que eles estão mentindo nos dados. Quando o MEC fala que ele está contingenciando 3,5%, eles estão mentindo. Contingenciamento é uma prática da gestão pública e não me oponho à ela. Isso é o que as pessoas não entenderam da minha fala. O MEC bloqueou 30% do orçamento que foi aprovado pelo congresso. É o mesmo que o MEC falar que a proposta de orçamento que o congresso aprovou não vale nada. Uma outra crítica que eu faço é sobre a forma como isso está sendo feito. O MEC não pode bloquear por critérios ideológicos. É muito grave o que está acontecendo.
Cafezinho: Você defende educação pública e gratuita para todos os brasileiros?
Tábata Amaral: Sim, defendo uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos.
Cafezinho: Um jornalista do Intercept disse, certa vez, que você teria “ligações históricas” com um bilionário brasileiro, o que no caso seria Jorge Lemann. Você o conhece pessoalmente? Já esteve com ele muitas vezes?
Tábata Amaral: Sim, eu conheço o Jorge Paulo Lemann desde que eu entrei em Harvard. Ele é um ex-aluno da faculdade e eu acho que tem muita hipocrisia quando se fala dessa história. Eu conheço quase todos os ex-alunos que estão vivos, infelizmente foram muito poucos brasileiros que conseguiram chegar até Harvard. E eu o conheço também por ser um dos fundadores da Fundação Estudar, que foi uma fundação que me deu uma ajuda de custo importante a partir do meu segundo ano, a qual já foi devolvida, mas possibilitou que eu pudesse, além de estudar e trabalhar, também fazer pesquisa.
Cafezinho: Você recebe financiamento da fundação Lemann? Você já recebeu financiamento da fundação Lemann? Se sim, como e quanto exatamente? E por quê?
Tábata Amaral: Eu nunca recebi financiamento como Lemann Fellow por uma razão bastante clara: quando eles me convidaram para ser Lemann Fellow, eu já tinha bolsa de 100% da faculdade, minha bolsa foi de Harvard mesmo. O Lemann Fellowship foi criado para pessoas que querem ter um impacto no setor público ou na área social. E não tem nada de errado nisso, para mim é uma coisa muito meritória. Essa bolsa foi pensada para alunos de pós-graduação e não de graduação. Eu, o Renan Ferreirinha e o Henrique Vaz fomos os primeiros de graduação a entrar para o Lemann Fellowship, o que é uma grande honra porque você conhece pessoas do Brasil inteiro que estão tendo um impacto muito grande na área social.
Cafezinho: Uma revista fez matéria falando em “bancada Lemann”. Você poderia votar contra projetos que eventualmente beneficiassem a fundação Lemann?
Tábata Amaral: Essa bancada não existe, nunca teve uma reunião. E acho que uma coisa importante de dizer é que, entre as pessoas que supostamente integrariam a bancada Lemann, tem parlamentares do PSB, do PDT, do Novo, que votam de uma forma muito diferente no Congresso. Nunca foi a intenção do Jorge Paulo, nunca foi a intenção da Fundação Lemann ter essa bancada e eu não sei quais projetos da Fundação poderiam ser beneficiados com isso. Nunca fizeram uma reunião de pauta com a gente, é mais uma teoria da conspiração.
Cafezinho: Você defende os interesses de Lemann, de sua fundação, ou de qualquer outra fundação interessada em promover a educação privada no país?
Tábata Amaral: De novo, eu nunca fiz reunião de pauta com Jorge Paulo, nunca fiz reunião de pauta com a Fundação e acho que todos deveriam entender um pouco melhor a missão da Fundação Lemann. Não é promover a educação privada, se fosse, eles não investiriam o que investiram para ter Khan Academy nas escolas públicas, para formar gestores públicos, para formar professores da rede pública.
Cafezinho: Quando você estudou em Harvard, você disse que teve de trabalhar como babá e outras coisas, e morar numa ocupação. Pode dar um pouco mais detalhes sobre essas duas coisas? Por quanto tempo trabalhou, onde, que ocupação foi essa, como era.
Tábata Amaral: Aqui tem uma confusão. Eu moro em um terreno de ocupação até hoje na periferia de São Paulo. Eu moro nesse lugar desde os meus três meses de idade. Estou trabalhando muito para legalizar o local, é um processo muito complexo porque a gente construiu em cima de uma viela. Mas nos Estados Unidos, eu morei em um dormitório da faculdade, pago por Harvard. Lá, eu trabalhei como babá, como recepcionista, durante os quatro anos de faculdade.
Cafezinho: Em relação aos que fizeram contribuições financeiras para sua campanha, você tem algum tipo de compromisso com eles?
Tábata Amaral: Acho que tem muita crítica rasa sobre esse assunto. Não tenho nenhum tipo de compromisso com quem doou para minha campanha. O compromisso é o mesmo que eu tenho com os meus eleitores, que é o de seguir os meus princípios e de fazer um mandato sério, como estou fazendo. Eu declarei absolutamente todas as doações que eu recebi, inclusive as de R$ 15. Eu consegui doação de 429 pessoas, enquanto a grande maioria das pessoas na política não estão nem próximas de ter uma base tão diversa. É daí que vem a independência do meu mandato. Incluindo o partido, não teve ninguém que aportou mais que 10% do total que eu recebi de doação. Isso me dá muita independência para seguir meus valores e compromissos.
Cafezinho: Você apoiaria Luciano Huck para a presidência da república em 2022? // Você apoiaria Ciro Gomes, candidato de seu partido? // Você concorda com o projeto de desenvolvimento nacional proposto por Ciro?
Tábata Amaral: Eu tenho um compromisso para 2022 com o Ciro Gomes. Pretendo trabalhar desde agora para que ele se eleja porque eu entendo que ele é a melhor opção que a gente tem para o Brasil. E, sim, tenho uma concordância muito grande com as propostas do Ciro, desde previdência até educação.
Cafezinho: Por que você escolheu o PDT? Sei que você já falou que é porque é o partido da educação, mas fora isso, e fora o fato de ser um partido médio, gostaria que explanasse um pouco mais sobre sua escolha.
Tábata Amaral: Uma coisa que é importante dizer é que a esquerda muitas vezes faz um papel péssimo de dialogar com quem está na ponta, especialmente com as periferias. A única relação que eu tive com partidos de esquerda ao longo da minha vida foi quando iam os cabos eleitorais querendo pintar as paredes da minha casa de forma forçada. Os políticos mesmo nem iam. Eu nunca tive contato com o movimento estudantil nem com partidos. E a culpa não é de quem estudou em escola pública e mora em ocupação. A culpa está nos partidos de esquerda que precisam se reinventar. E é isso o que eu tento fazer no meu mandato com o Gabinete Itinerante, que chega a reunir 300 pessoas. Isso é diálogo. Não é você sentar em uma universidade achando que sabe a resposta para o que os mais pobres precisam sem nunca falar com eles. E, nesse contexto, o primeiro partido que eu conheci foi o PDT. Quando eu fui trabalhar em Sobral em 2014, eu virei muito fã do projeto do Ceará. Quando eu conheci aquilo, eu falei: “eu quero isso para o Brasil, isso me representa muito”. Quando decidi me candidatar em 2018, o PDT era o partido que eu conhecia há alguns anos, que eu admirava por seus líderes nacionais e que mais simbolizava a minha bandeira, que é a da educação, como Darcy Ribeiro, Brizola e Ciro Gomes. Eu acho que as pessoas deveriam escolher seus partidos de acordo com suas pautas e eu estou muito feliz com a minha escolha.
Cafezinho: Quais são os países que servem como modelo, para você, em termos de economia?
Tábata Amaral: Alguns países europeus que conseguiram trabalhar o desenvolvimento econômico com inclusão social. Esses são os dois objetivos que, para mim, definem meu sonho de país e pelos quais eu quero trabalhar. Os países escandinavos, por exemplo, e a Alemanha de certa forma. Nós tendemos a achar que precisamos fazer uma escolha: ou desenvolvimento econômico ou a inclusão social. Poucos países entenderam que essas duas coisas não só são possíveis, mas se retroalimentam.
Cafezinho: O que você acha da prisão de Lula?
Tábata Amaral: Essa é uma questão técnico-jurídica que tem que ser discutida nesse âmbito. O que eu posso questionar é a intenção política do processo, se foi imparcial ou não.
Cafezinho: O que você acha da Lava Jato? Há algum exagero nos procedimentos da operação?
Tábata Amaral: A Lava Jato teve um mérito gigantesco que foi encampar a pauta do combate à corrupção. No entanto, o The Intercept está mostrando coisas muito graves. É preciso investigar e punir os responsáveis. Mas entre apontar erros na investigação e criminalizar toda a Lava Jato, pedindo que os presos sejam liberados, há uma grande diferença relativa ao comprometimento da pauta do combate à corrupção. E eu tenho comprometimento com essa pauta e com a ética.
Cafezinho: Você tem alguma opinião sobre o sistema judiciário brasileiro?
Tábata Amaral: Não cabe a mim ficar emitindo opinião sobre o Judiciário. A nossa democracia é fundada em três pilares e o sistema Judiciário é um deles. Eu acho que essa independência do Legislativo, do Executivo e do Judiciário é extremamente importante para que a nossa democracia permaneça firme. Claro que eu tenho críticas a excessos, do parlamento, do Executivo, do Judiciário, e vou sempre tomar o cuidado para tratar de forma individual. É muito perigoso, por exemplo, criticarmos o STF como um todo. É uma instituição de extrema importância para a democracia brasileira que incomoda muita gente. Se temos alguns ministros que não correspondem aos seus papéis, vamos tratar de forma individual. Mas o discurso de criminalizar todo o sistema Judiciário é perigoso e serve a quem busca o fim da democracia.
Cafezinho: Você é a favor da reforma da previdência de Bolsonaro ou do Ciro Gomes?
Tábata Amaral: Sou a favor de uma reforma da previdência, porque entendo que a nossa previdência acaba promovendo a desigualdade no Brasil, tirando dinheiro de quem mais precisa. Nesse contexto, a proposta de Ciro Gomes, amplamente discutida na campanha, vai ao encontro ao que eu penso, pois não se preocupa apenas em economizar dinheiro, mas também com a inclusão social.
Cafezinho: Irá votar na reforma da previdência apresentada por Bolsonaro, mesmo com todas as injustiças presentes no texto, prejudicando os mais pobres?
Tábata Amaral: Essa proposta já não existe como ela foi criada. Meu olhar é para uma previdência justa e social, apresentei emendas com esse sentido e é isso que está norteando minha ação nas discussões no Congresso.