É uma situação irônica.
A Lava Jato, em crise de imagem por conta de vazamento de diálogos comprometedores entre Sergio Moro, Dallagnol e outros procuradores, é hoje “salva” pelo depoimento de um… criminoso confesso.
Durante esses 5 anos de Lava Jato, já vimos muita coisa. Já vimos, por exemplo, o fenômeno da “pré-delação”, em que depoimentos de réus sob o poder de Sergio Moro vazavam antes mesmo de existirem. O objetivo era sempre o mesmo: iniciar a fritura de alguém importante, e controlar a agenda política do país. Não havia nenhuma delação à vista para vazar? Sem problema, vazemos uma delação que ainda iria acontecer…
Pois bem, agora, em seus estertores finais, a Lava Jato inova com a “pós-delação” (créditos devidos ao Reinaldo Azevedo, cuja análise da carta do Leo Pinheiro é o que você vai ler hoje de melhor sobre o tema), em que o delator reafirma suas próprias denúncias, como se a prova do que falou seja simplesmente repetir tudo que ele mesmo disse.
Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, cuja delação foi um dos principais sustentáculos da condenação de Lula no caso do triplex de Guarujá, enviou carta, da prisão onde se encontra, em Curitiba, à Folha de São Paulo, sustentando seus depoimentos contra o ex-presidente.
A notícia é capa da Folha desta quinta-feira:
E também segue na capa do site do Globo há algumas horas, na manhã desta quinta-feira.
A carta de Leo Pinheiro, provavelmente articulada (aberta ou tacitamente) entre os advogados do executivo e procuradores da Lava Jato, é um contra-ataque dos amigos de Sergio Moro às revelações trazidas à tôna pela Vaza Jato.
Leo Pinheiro tem interesse em obter benefícios de sua delação contra o ex-presidente Lula, conforme já foi noticiado no início deste ano pela Istoé. Se falasse outra coisa, se corroborasse, de alguma forma, as denúncias da Vaza Jato contra Sergio Moro e Dallagnol, Pinheiro estaria lascado. Ele está preso e aguardando um gesto de generosidade dos próprios juízes e procuradores envolvidos direta ou indiretamente nas irregularidades denunciadas pela Vaza Jato. No momento, é o elo mais frágil de toda essa história, e também a fonte menos confiável, em função de seu interesse (ou até mesmo de seu desespero) pessoal.
Sua carta, além disso, traz uma série de meia verdades, que são as piores mentiras.
Por exemplo: ele diz que estava em liberdade quando fez a delação contra Lula. Ora, não é bem assim, ele estava em liberdade provisória, e com as malas prontas para voltar à cadeia, e após ter ficado um bom tempo preso, ou seja, na pior condição emocional possível.
É o Reinaldo que nos lembra, no artigo já citado:
Só para lembrar: ele conheceu a cadeia pela primeira vez na 7ª fase da Lava Jato, em novembro de 2014. Foi condenado pela Justiça Federal, em primeira instância, a 16 anos e quatro meses de prisão, acusado de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Foi posto em liberdade provisória em 2015 e voltou a ser preso no dia 5 de setembro de 2016 por determinação de Sergio Moro. E preso está até agora. Assim, mesmo a primeira delação, aquela que foi anulada, foi feita por um liberto provisório.
Pelo menos serviu para isso a série O Mecanismo, do José Padilha… O roteiro é anti-Lula, porque escrito com base no livro do filho da Miriam Leitão, um livro inteiramente chapa branca, colhido exclusivamente das fontes da polícia. Pois bem, na série, a polícia identifica Leo Pinheiro como o “elo fraco” dos empreiteiros, ou seja, aquele que é emocionalmente mais vulnerável, e, portanto, o mais apto a entrar no jogo da procuradoria, que consistia em forçar os empresários a corroborar uma narrativa já previamente escrita, muito parecida inclusive com a usada no mensalão, feita de “núcleos”: núcleo político, núcleo financeiro, núcleo operacional.
E foi assim que aconteceu. Leo Pinheiro tem sido o mais dócil delator da Lava Jato, embora a esta altura já não reste quase nenhum resistente, a não ser alguns petistas, que resistem porque são, efetivamente, militantes políticos, como Vaccari, Dirceu e o próprio Lula. De resto, quase todos cederam às chantagens pesadíssimas da Lava Jato, e que, agora está provado, nunca foram blefe. Para que Paulo Roberto Costa, por exemplo, se decidisse a delatar, a Lava Jato teve que pegar toda a sua família: pai, mãe, irmã, filha, genro, todo mundo ficou sob ameaça de ser preso. E, foram, de fato, todos denunciados, e ai de quem voltar atrás e der entrevistas afirmando que falaram sob coação!
As ameaças de destruir a Odebrecht se cumpriram plenamente, e Marcelo, o que mais resistiu, não conseguiu salvar a maior empresa de engenharia nacional.
Outro ponto – muito importante – a considerar é que a OAS, a empresa de Leo Pinheiro, pagou mais de R$ 6 milhões, segundo denúncia de um de seus ex-executivos, para que as delações dos funcionários da empresa fossem todas ajustadas. Está no Conjur.
Com a Odebrecht houve uma negociação semelhante, e ainda mais cheia de estranhezas. 77 executivos da empresa fizeram delação simultânea, homogênea, em que tudo foi combinado previamente entre os advogados da empresa e procuradores, num hotel em Brasília, que foi chamado numa reportagem do Estadão, de QG da Delação. E todos os delatores que concordaram receberam salários por 15 anos.
Um dia, alguém ainda há de escrever a história suja da Lava Jato…
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Leia a íntegra da carta de Léo Pinheiro:
Estou preso há 3 anos e 7 meses, por ter praticado crimes que fui responsável. Chegou o momento de falar um pouco sobre o noticiário a meu respeito.
A matéria veiculada nesta Folha de S. Paulo, sob o título “Lava a Jato via com descrédito empreiteiro que acusou Lula, no último domingo, dia 30 de junho de 2019, necessita de alguns esclarecimentos, todos eles amparados em provas e fatos.
A minha opção pela colaboração premiada se deu em meados de 2016, quando estava em liberdade, e não pela preso pela operação Lava Jato. Assim, não optei pela delação por pressão das autoridades, mas sim como uma forma de passar a limpo erros que cometi ao longo da minha vida. Também afirmo categoricamente que nunca mudei ou criei versão e nunca fui ameaçado ou pressionado pela Polícia Federal ou Ministério Público Federal.
A primeira vez que fui ouvido por uma autoridade sobre o caso denominado como tríplex foi no dia 20 de abril de 2017, perante o juiz federal Sergio Moro, durante meu interrogatório prestado na ação penal referente ao tema.
Na oportunidade, esclareci que o apartamento nunca tinha sido colocado à venda porque o ex-presidente Lula era seu real proprietário e as reformas executadas foram realizadas seguindo suas orientações e de seus familiares. O ex-presidente e sua família foram ao tríplex e solicitaram reformas como a construção de um quarto, mudanças na área da piscina etc. Tudo devidamente testemunhado por funcionários da empresa que acompanharam a visita e prestaram testemunhos sobre isso.
Afirmei ainda que os valores gastos pela OAS foram devidamente contabilizados e descontados da propina devida pela empresa ao Partido dos Trabalhadores em obras da Petrobras, tudo com anuência do seu maior líder partidário. A conta corrente com o PT chegou a aproximadamente R$ 80 milhões, por isso havia um obrigatório encontro de contas com o Sr. João Vaccari.
O meu interrogatório foi confirmado por provas robustas que o Poder Judiciário, em três instâncias, entendeu como material probatório consistente para condenação de todos os envolvidos.
O material que comprova a minha fala está no processo do tríplex e foi todo apreendido pela Operação Lava-Jato na minha residência, na sede da empresa OAS, na residência do ex-presidente Lula, na sede do Instituto Lula e na sede do Bancoop, o que quer dizer que não há como eu, Léo Pinheiro, ter apresentado versões distintas, já que o material probatório é bem anterior à decretação da minha prisão em novembro de 2014. Além disso, plantas das reformas do tríplex, projetos do apartamento e do sítio, bem como contratos, foram apreendidos na própria residência do ex-presidente, cabendo à minha pessoa tão somente contar a verdade do que tinha se passado. O próprio ex-presidente Lula, em seu interrogatório no mesmo caso, confirmou que voltamos no seu carro após nossa visita ao tríplex do Guarujá.
As provas que estão presentes no processo são bem claras e contundentes, tais como:
1. Documentos que indicam o ex-presidente e sua família como proprietário do imóvel antes mesmo de a OAS assumir o empreendimento, apreendidos na residência do ex-presidente Lula e na sede da Bancoop;
2. Emails internos da OAS que demonstram a necessidade de “atenção especial” com a cobertura 164, bem como os projetos da obra;
3. Registros dos meus encontros com Paulo Okamotto, João Vaccari Neto e o ex-presidente Lula, em minha agenda do celular, no Guarujá, no Instituto Lula e na residência do ex-presidente em São Bernardo do Campo;
4. Mensagens sobre encontro de contas com João Vaccari;
5. Depoimentos de pessoas que não estão vinculadas à OAS e que trabalharam nas obras da reforma, bem como de funcionários do prédio Solaris e também dos demais funcionários da empresa envolvidos na obra da cobertura.
Neste mesmo período, surgiu um novo pedido do ex-presidente Lula, uma forma no seu sítio.
Fui ao sítio com o ex-presidente ver e ouvir os pedidos de reforma e reparos, visita que foi fotografada e testemunhada pelo diretor da empresa designado para supervisionar as obras no sítio e no tríplex. Me recordo que fui em um sábado até o apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo, mostrei os projetos do sítio e do tríplex para que fossem aprovados. Esta visita consta dos registros da minha agenda e em mensagens, além de ter sido confirmada no processo judicial pelo testemunho do diretor que me acompanhou.
Com o aval do ex-presidente Lula e seus familiares, as obras começaram. O sigilo era uma especial preocupação nos trabalhos.
As obras do sítio e no tríplex tinham custos relevantes e eram devidamente contabilizadas. Documentos internos da OAS provaram no processo que as despesas das duas obras eram lançadas em centros de custos próprios, com uma referência ao ex-presidente (Zeca Pagodinho) e as divisões “praia” e “sítio”.
Preciso dizer que as reformas não foram um presente. Os empreendimentos da Bancoop assumidos pela OAS apresentavam grandes passivos ocultos, com impostos, encargos que não deveriam ser assumidos pela OAS. Em paralelo, João Vaccari cobrava propina de cada contrato entre OAS e Petrobras. Combinei com Vaccari que todos os gastos do tríplex e sítio seriam descontados da propina. Repito, esse encontro de contas está provado por uma mensagem minha trocada na época dos fatos, devidamente juntada no processo e ainda pelo depoimento do diretor da empresa.
Tenho consciência de que minha confissão foi considerada no processo que condenou o ex-presidente Lula, assim como as minhas provas que apresentei espontaneamente. Não sou mentiroso nem vítima de coação alguma. A credibilidade do meu relato deve ser avaliada no contexto de testemunhos e documentos.
Meu compromisso com a verdade é irrestrito e total, o que fiz e faço mediante a elucidação dos fatos ilícitos que eu pratiquei ou que eu tenha tomado conhecimento é sempre respaldado com provas suficientes e firmes dos acontecimentos.
Trata-se de um caminho sem volta, iniciado em 2016 e apresentado nesta caso do tríplex, bem como em diversos outros interrogatórios que prestei, como no caso do sítio de Atibaia, Silvio Pereira, Cenpes, CPMI da Petrobras e prédio Itaigara/Torre Pituba.
Os fatos por mim retratados ao Poder Judiciário foram feitos de maneira espontânea e voluntária, sem qualquer benefício prévio pactuado, onde, inclusive, abri mão do meu direito constitucional ao silêncio.
Leo Pinheiro
Curitiba, 02 de julho de 2019