A entrevista de Wellington Dias à Carta Capital

Na Carta Capital

Governador do Piauí diz que é possível fazer uma reforma completa da Previdência sem prejudicar os mais pobres

Qualquer mudança na Previdência não terá impacto imediato, uma vez que as novas regras só valerão para os futuros aposentados e pensionistas. Por essa razão, o governador do Piauí, Wellington Dias, tem defendido a criação de um fundo emergencial para cobrir o rombo existente nos regimes previdenciários dos estados, hoje estimado em mais de 85 bilhões de reais por ano. Os recursos poderiam vir da cessão onerosa de petróleo e da securitização da dívida ativa da União e dos estados, propõe o líder petista, preocupado com o presente.

A reforma da Previdência é um alívio para os cofres públicos, mas nem de longe representa a salvação nacional, acrescenta. “Quem vai pensar na economia, na retomada do desenvolvimento? Quando se aprofundam os cortes e se deprime o PIB, o esforço de economia vai para o ralo. É preciso mudar o sistema tributário, cuidar da infraestrutura e fazer parcerias com o setor privado que não se resumem à privatização”, afirma. “No Piauí, temos 32 projetos desenvolvidos em conjunto com empresas. Em breve teremos 5 mil quilômetros instalados de rede de fibra óptica. Isso gera emprego e renda em várias regiões do estado. Esse é o desafio. Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas, o Brasil viveu entre 2003 e 2013 o melhor período em 30 anos. Quero esse país de volta.”

Wellington Dias: Antes de tudo, é necessário dizer: o Brasil não se resume à reforma da Previdência. Ela tem sido anunciada como a bala de prata, o Santo Graal que vai salvar o País. Eu e os demais governadores do Nordeste entendemos haver a necessidade de se criar uma receita nova para manter o sistema de aposentadorias. O passado da Previdência não pode engolir o presente e o futuro.

CC: Quando o senhor se refere ao passado, fala do estoque de aposentados, certo?

WD: Certo. Há um número de aposentados e pensionistas dos regimes antigos de Previdência. Como se sustenta o pagamento atualmente? Com as contribuições dos empregados e das empresas e os resultados das aplicações financeiras do montante arrecadado. É preciso tratar desse ponto. Vejo oportunidades. Uma delas é a cessão onerosa de petróleo e gás, que soma 15 bilhões de barris neste momento. Por que não usar a receita da venda do produto para resolver o déficit da Previdência? E mais: há um projeto em tramitação no Congresso para securitizar a dívida ativa da União, estados e municípios. O bruto da dívida registrada na União soma 3,7 trilhões de reais. Tem muita coisa podre, irrecuperável. Mas considero possível reaver de 800 bilhões a 1 trilhão de reais. Nos estados seriam 400 bilhões. É dinheiro sonegado dos impostos. É possível, portanto, fazer uma reforma inteligente e completa da Previdência sem prejudicar os mais pobres. E se quiserem realmente acabar com os privilégios, como anunciado, o importante seria criar uma regra única para trabalhadores do setor privado e do setor público, tanto no regime geral quanto no complementar.

CC: Qual é a situação dos estados?

WD: O déficit da Previdência do Piauí somou 1,05 bilhão de reais no ano passado. Quando se olham os demais, o buraco chega a 85 bilhões de reais. Esse dinheiro poderia ser investido em obras cruciais, saneamento, infraestrutura, educação. Dos 26 estados, 12 estão em situação financeira crítica, inclusive os mais ricos. Por isso uma reforma da Previdência nos estados é realmente importante.

CC: Como sair dessa situação?

WD: As propostas em discussão no Congresso para os estados são conhecidas. Aumentar a alíquota para 14%? No Piauí, aplicamos o porcentual. Estimular um sistema complementar? Criamos o PrevNordeste, que reúne as nove unidades da Federação. Mas a reforma da Previdência é só um alívio. Quem vai pensar na economia, na retomada do desenvolvimento? Quando se aprofundam os cortes e se deprime o PIB, o esforço de economia vai para o ralo. É preciso mudar o sistema tributário, cuidar da infraestrutura e fazer parcerias com o setor privado que não se resumem à privatização. No Piauí, temos 32 projetos desenvolvidos em conjunto com empresas. Em breve teremos 5 mil quilômetros instalados de rede de fibra óptica. Isso gera emprego e renda em várias regiões do estado. Esse é o desafio. Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas, o Brasil viveu entre 2003 e 2013 o melhor período em 30 anos. Quero esse país de volta.

CC: Os estados dependem muito dos repasses federais. Como está a relação com o governo Bolsonaro e como foi com Temer?

WD: Tivemos uma ruptura. Não se tratou apenas de afastar ilegalmente a presidenta eleita pelo voto, sem prova de qualquer crime. Os estados que fizeram o dever de casa, como o meu, foram impedidos de tomar empréstimo. O Piauí pode pegar um financiamento sem depender do aval da União, pois não temos dívidas que nos enquadre na Lei de Responsabilidade Fiscal. Se a gente trabalhar em um mapa para investimentos estritamente privados, há potencial em várias áreas. Isso faria a roda girar, caso houvesse um esforço conjunto de estados e União. Teríamos, inclusive, meios de negociar condições mais vantajosas para captações de recursos no exterior. Lá fora, pago 1,75% ao ano para tomar um financiamento. Aqui, 16%.

CC: Mas e o governo Bolsonaro? Como tem se comportado com os estados do Nordeste, administrados por partidos de oposição?

WD: O problema não é só o Nordeste. O governo encaminhou o chamado Plano Mansueto, poderia perfeitamente ter feito por meio de uma Medida Provisória. Lá atrás, o presidente Lula fez um programa emergencial financeiro, uma MP, e no outro dia a gente tinha acesso ao dinheiro. Agora fizeram em forma de Projeto de Lei. Ele estabelece uma meta de um a três anos para adotar medidas para melhorar a capacidade de investimento dos estados. O problema é que a tramitação será lenta. Precisa ser votado em comissão, antes de ir a plenário, e passar pelas duas casas legislativas. Buscamos alguma forma de diálogo com o Parlamento, com Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre, do Senado. A ideia é tentar acelerar não só esse projeto, mas outros que mencionei, a começar pela partilha da cessão onerosa de petróleo e gás, sem falar no fundo social.

CC: Quanto sobraria para os estados dos recursos do petróleo?

WD: Aproximadamente, 18 bilhões de reais por ano do fundo social.Alter-nativas existem, mas é preciso coragem para caminhar e dar prosseguimento a uma pauta de interesse do povo.

CC: O Consórcio Nordeste é uma tentativa de contornar essa dificuldade. Como vão as coisas?

WD: É uma alternativa moderna e inovadora. Juntam-se os esforços para melhorar a gestão e ampliar o poder de negociação. O Nordeste, reunido, tem uma economia maior do que a de 150 países. É uma região consumidora e com potencial em diferentes áreas, da produção de alimentos ao turismo. O Nordeste não é problema, é solução.

CC: Onde está o potencial de investimento?

WD: Energias renováveis e infraestrutura, entre outros. O Piauí Conectado, essa rede de fibras ópticas, todos os estados querem. E se tivermos um projeto integrado para conectar por fibra óptica ou satélite o Nordeste inteiro? É óbvio que muito mais empresas do Brasil e do mundo vão se interessar. Vamos sediar em agosto o encontro da Associação Brasileira de Infraestrutura na região. É a primeira vez que o evento sai do Sudeste. É uma oportunidade de os investidores conhecerem um Nordeste vigoroso, cheio de possibilidades. Quero mostrar o que estamos fazendo também em segurança e saúde. E queremos nos integrar mais ao resto do Brasil. Na maioria dos estados nordestinos viceja uma relação extraordinária entre os Poderes. O setor privado desenvolveu uma maturidade imensa. Por isso, o Nordeste é pouco afetado pela crise institucional que, infelizmente, assola o Brasil.

CC: As Assembleias Legislativas nordestinas aprovaram o consórcio?

WD: Temos um fórum dos prefeitos, outro dos Legislativos estaduais, além da coordenação da bancada federal. Agora trabalhamos em algo semelhante no Centro-Oeste e no Norte. É importante para abrir novas possibilidades de troca de experiências. A meta é alcançar um patamar de integração que reduza custos e garanta a ampliação de investimentos.

CC: Há projetos em andamento?

WD: Sim. A rede na área da segurança é uma realidade. Há conversas avançadas para um sistema em saúde e de licitações. Temos a missão de garantir a continuidade de um conjunto de ações em andamento, como a Transnordestina, ferrovia essencial para o Brasil. Vamos atuar de maneira suprapartidária na defesa dos interesses do Nordeste.

CC: O principal avanço deu-se na segurança pública, certo?

WD: Sim. Chegamos a implantar em Fortaleza um centro integrado de inteligência, que, aliás, contribuiu muito para debelar aquele súbito aumento de violência no Ceará. Temos uma força de inteligência integrada, estados e União. Começamos a colher bons resultados. Pretendemos o mesmo na saúde. Por que fazer ações separadas para combater a dengue? Melhor se atuarmos em parceria. Estudamos a criação de um fundo de investimentos capaz de desenvolver projetos com as agência de fomento. Para governar é preciso trabalhar muito, estar preparado para apanhar muito e seguir animado.

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