– Parece que vender abacate para a Argentina e biju de Nióbio para o Japão, ideias do presidente “jenio”, são passiveis mesmo de consideração sobre o que fazer para recuperar a economia brasileira. Principalmente depois do anunciado acordo entre Mercosul e UE. O acordo, que teve sua primeira semente plantada em 1992, quando Mercosul e União Europeia assinaram um termo de cooperação que seria promulgado em 1995, e suas negociações iniciadas em junho de 1999, foi fechado no último 28 junho de 2019. O acordo vai abranger uma população de 780 milhões de pessoas, com PIB total de 20 trilhões (um quarto da economia mundial).
– Mas tudo indica que, para as análises prementes de hoje, esses 20 anos de negociação dizem menos sobre o acordo do que os últimos meses de pressa e afobamento para firmá-lo. A pressa veio especialmente dos europeus e de um ator sulamericano em especial, Maurício Macri. Pressionado por um ano eleitoral que “coincide” justamente com uma das piores crises econômicas da Argentina desde a crise do início do milênio, Macri precisava desse trunfo de ter sido o presidente Argentino a fechar o histórico acordo. O chanceler argentino, Jorge Faurie, enviou áudio emocionado (chorando mesmo) a Macri para comunicar o fechamento do acordo. Por óbvio, o áudio foi parar no twitter presidencial. Os peronistas já emitiram nota contra o acordo, assim como as centrais sindicais do cone sul.
– Já os europeus tiveram outros motivos para a pressa, alguns mais e outros menos nobres que o de Macri. Em franca disputa com Macron para a condução da atual dança das cadeiras no comando da União Europeia, Merkel foi uma das que incentivou a aceleração das negociações. O fechamento do acordo teria que ser um trunfo da atual gestão. A comissária de comércio da EU, Cecili Malmstrom, assumiu a tarefa de tirar o acordo do palavratório e arrancar tinta das canetas dos representantes dos blocos como tarefa número 1 antes de deixar o cargo. Ela usou o contexto de guerra comercial entre EUA e China como pretexto ainda mais convincente para pisar o acelerador.
– Corre também pelos salões da diplomacia mundial que Merkel adotou a tática de abraçar o louco para não deixar seus braços soltos, em referência ao presidente Bolsonaro. Como revide recebeu do presidente brasileiro as declarações de que o Brasil tem muito a ensinar à Alemanha e que a dupla Merkel/Macron é que são de fato os loucos, a sofrerem de psicose ambientalista. Loucuras a parte, Macron colocou a faca no pescoço do presidente brasileiro ao condicionar a assinatura do acordo à permanência do Brasil no Acordo de Paris. Essa vai ser a espada de Dâmocles sobre a cabeça de Bolsonaro durante a tramitação da ratificação do acordo em vários países europeus.
– Vejamos agora algumas reações em terra brasilis sobre o acordo, para além dos ufanistas que não precisamos citar, pois a grande imprensa já cumpre este papel. Para o economista Marcio Pochmann da Fundação Perseu Abramo, o acordo “formaliza o neocolonialismo na região latino-americana com a liquidação do que resta do sistema de manufatura e consolidação da estrutura primário-exportadora”, seria um adeus à soberania nacional. Já o ex-chanceler Celso Amorim disse que o acordo foi fechado no “pior momento possível” para o Mercosul, em termos de balança de forças com a UE, e em momento de “grande fragilidade negociadora”. Segundo Amorim, “por isso a UE teve pressa. Porque sabe que estamos em uma situação muito frágil (…) temo que tenham sido feitas concessões excessivas”.
– Também Bresser Pereira se preocupa com as “concessões excessivas”. Segundo ele, “esse acordo é um desastre para o Brasil; é mais um passo no sentido de desindustrializar (…) e de tornar o Brasil um mero exportador de commodities cujo PIB continuará crescendo a uma taxa anual por habitante de apenas 1 por cento ao ano”. Também para o professor de economia Nilson Araújo, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, “não há razão para comemoração a não ser por parte da União Europeia, porque, para ela, o acordo é um grande feito, afinal eles conseguiram impor ao Mercosul as condições que sempre quiseram”.
– De agora em diante, começa um longo período de avaliação do acordo e sua tramitação nos diversos parlamentos dos países firmantes. Começam as discussões sobre os termos das porcentagens das tarifas, tamanho das cotas por produtos, dispositivos para proteção de fabricantes por regiões geográficas (para os europeus não dá pra ter queijo camembert produzido em Juazeiro do Norte, por exemplo), os contenciosos entre os produtores de vinho, os dilemas das inspeções sanitárias sobre a carne brasileira e por aí vai. E nós estaremos por aqui analisando e acompanhando.