Por Theófilo Rodrigues
Faleceu ontem, sem qualquer menção nos meios de comunicação, o último comandante da Ação Libertadora Nacional (ALN), Carlos Eugênio da Paz, o Clemente. Com uma biografia histórica, esse herói de dois nomes – assim são os verdadeiros heróis – ainda é pouco conhecido do grande público. Mas isso irá mudar com o lançamento no fim ano do documentário sobre sua vida, Codinome Clemente, da diretora Isa Albuquerque.
Clemente nasceu em Maceió, em 1950, mas foi no Rio de Janeiro que se formou como militante político. Ainda adolescente, estudante secundarista no tradicional Colégio Pedro II, Clemente percebeu que deveria lutar contra a ditadura militar. A partir dali conheceu Carlos Marighella, entrou para a ALN e se tornou comandante da principal organização de guerrilha urbana no Brasil. Tudo isso antes de completar 22 anos de idade.
Ontem, logo após receber consternado a notícia de sua morte, fui presenteado em primeira mão com o documentário que a diretora Isa Albuquerque fez sobre a vida de Clemente. E fiquei sem palavras: o filme é simplesmente uma declaração de amor de um homem para uma causa; um ensinamento de como devemos agir em tempos de autoritarismo. Tempos que, infelizmente, o Brasil se aproxima mais uma vez.
O filme tem o mérito de contar a história da ditadura brasileira pelos olhos de quem a viveu. Ali, vemos como o jovem estudante secundarista do Pedro II conheceu Marighella num banco no Aterro do Flamengo. Sem arrependimentos, o guerrilheiro recorda todas as suas ações, inclusive as execuções que participou. Um desses momentos mais emblemáticos – e que está retratado em outro documentário, o excelente Cidadão Boilesen – é a execução do empresário Henning Albert Boilsen, presidente do grupo Ultragaz. Boilesen não apenas era o empresário responsável por arrecadar as finanças para sustentar a tortura no período da ditadura, como ele próprio assistia essas sessões. Assim que foi descoberto, a ALN decidiu por sua execução. E Clemente, com apenas 20 anos de idade, foi o responsável pelo tiro fatal.
Outro mérito do filme é a presença de comentários de antigos militantes que hoje não estão mais no campo político da esquerda como o tucano Aloysio Nunes Ferreira e o peemedebista Carlos Alberto Muniz.
Clemente viveu muito bem com todas as suas decisões. Como diz no filme, não há razões para autocrítica. Fez o que tinha que ser feito em tempos de guerra. Contudo, apesar desse sentimento de dever cumprido, fica claro em determinado momento que uma ação em particular o comoveu: a execução do companheiro Marcio Toledo, suspeito de ter passado para o lado da ditadura. Para quem conhece a história da esquerda brasileira, a cena lembra a difícil decisão de Luiz Carlos Prestes de executar a jovem militante Elza no fim da década de 30.
Sem dúvida alguma não houve arrependimentos. Mas o filme também deixa a clara sensação de que Clemente lamentava um evento daqueles tempos. O tiro que desferiu contra o famoso torturador, delegado Sergio Fleury, mas que acertou de raspão no nariz. “Era para ser no olho”, lamenta Clemente.
Codinome Clemente será lançado em novembro, junto com outro filme que retrata o mesmo período histórico, Marighella, de Wagner Moura. Ainda não assisti ao filme de Moura, mas provavelmente gostarei. Se sobre o segundo filme ainda tenho dúvidas, sobre o primeiro tenho certezas: trata-se do melhor documentário de 2019, uma aula de história para as novas gerações. Clemente, presente!
Theófilo Rodrigues é cientista político.