Análise: por que a classe média ainda sustenta o governo?

Segundo o Ibope, com base em pesquisa de campo feita entre os dias 20 e 23 de junho, 48% dos brasileiros não aprovam a maneira do presidente Bolsonaro governar, um aumento de 8 pontos sobre pesquisa feita em abril.

Mas 46% responderam que sim, que apoiam a maneira do presidente governar, queda de 5 pontos sobre abril.

Convertendo esses percentuais em população apta para votar, e considerando que, segundo os dados mais atualizados do TSE, temos 145 milhões de eleitores, podemos dizer que 67 milhões de brasileiros aprovam a maneira de Bolsonaro governar, mas 74,4 milhões não aprovam.

No total, Bolsonaro perdeu 7,2 milhões de apoiadores, e ganhou 11,6 milhões de críticos.

A vantagem para Bolsonaro é que a pirâmide social lhe favorece. Os brasileiros com renda familiar mais alta dão maior apoio ao governo do que os mais pobres.

Segundo o Ibope, entre os brasileiros com renda média familiar acima de 5 salários, ele tem apoio de 63% à sua maneira de governar, contra 34% que não apoiam. Esses 63% representam 9,5 milhões de brasileiros, com renda familiar acima de 5 salários, que apoiam Bolsonaro, contra outros 5,1 milhões, com a mesma renda, que não apoiam.

Entre brasileiros com renda entre 2 e 5 salários, o apoio a Bolsonaro é de 55%, contra 41% que não o apoiam. Esses brasileiros correspondem a uma população votante de 18,6 milhões que apoia Bolsonaro, contra 13,8 milhões que não apoiam.

Somando as duas categorias de renda mais altas, a que recebe mais de 5 salários e a que ganha entre 2 e 5 salários, temos um total de 49 milhões de eleitores, ou 33% do eleitorado total brasileiro.

Se considerarmos apenas os eleitores com renda acima de 5 salários, temos 15 milhões de pessoas, ou 10,3% do total dos eleitores.

Descendo a pirâmide, temos mais duas categorias de renda examinadas pela pesquisa. Entre os brasileiros com renda entre 1 e 2 salários, temos um eleitorado total de 44 milhões de eleitores; entre os que recebem até 1 salário, temos mais 42 milhões.

Junto a esse eleitorado mais pobre é que Bolsonaro está perdendo apoio.

No grupo que recebe de 1 a 2 salários, a situação de Bolsonaro ainda não é tão dramática: ele tem 44% de aprovação e 50% de desaprovação. Isso significa que temos 19 milhões de brasileiros que ganham renda familiar de 1 a 2 salários que aprovam a maneira do presidente governar e 22,8 milhões que não aprovam. Houve uma mudança profunda nesse grupo. Em abril, o presidente era apoiado, nessa faixa de renda, por 52%, e tinha apenas 39% de rejeição. Quase 5 milhões de brasileiros com renda média dentre 1 e 2 salários, que apoiavam o presidente em abril, mudaram de ideia e declararam que não mais aprovam a maneira dele governar o país.

No grupo situado na base da pirâmide, com renda familiar até 1 salário, a aprovação de Bolsonaro, que era de 45% em abril, caiu para 34% em junho, o que significa que 5,6 milhões de brasileiros muito pobres deixaram de apoiar o presidente.

Análise

Esse apoio ainda forte, e mesmo crescente, entre os grupos de renda mais alta precisa ser contextualizado.

Não seria sociologicamente correto, por exemplo, tratar 33% do eleitorado brasileiro, ou 49 milhões de eleitores, como uma “elite”. Para se ter uma ideia, Emmanuel Macro, o atual presidente da França, uma das maiores democracias do mundo, foi eleito com 20 milhões de votos.

Não é elite nenhuma.

Também é preciso afastar os exageros da interpretação de um Jessé de Souza, para quem a classe média brasileira é um caso perdido. Não acho que o conservadorismo da classe média nasce do ódio do “pobre no aeroporto”. Essa explicação é simplista demais. Sem entender adequadamente a cultura da classe média (coisa que Jessé ainda não conseguiu fazer, inclusive em seu último livro, a Classe Média no Espelho), não conseguiremos reconquistá-la, condição essencial para conter o avanço da direita política.

Apenas nessa “classe média” (famílias com renda acima de 2 salários), Bolsonaro tem 28 milhões de apoiadores, contra 19 milhões que não o apoiam.

Há ainda um perigo no ar, que é o aumento da polarização. Setores de maior renda, com mais acesso à informação e, portanto, com muito mais “armas” na luta política, vem ampliando seu apoio ao governo, contra a parte mais pobre, mais vulnerável, sem acesso pleno à internet, configurando uma batalha assimétrica.

O processo eleitoral de 2018 já demonstrou que essa dinâmica não é boa para as forças políticas dependentes do voto do mais pobre, porque este segmento não tem muita atuação nas redes sociais.

A continuar este cenário, a esquerda pode sofrer outra humilhante derrota em 2022.

Causas

A razão pela qual Bolsonaro ainda mantém apoio nessas camadas de renda média provavelmente permanece a mesma que garantiu a sua eleição: rejeição à esquerda e a seus valores, especialmente ao petismo e ao identitarismo e o desejo de mudança. A crise econômica ainda não é atribuída ao governo atual e sim à herança “maldita” de erros passados.

Solução

Não vejo outra saída a não ser acreditar e apostar na inteligência do povo, em especial de suas franjas mais instruídas, que formam a vanguarda intelectual da população. É preciso fazer campanhas de esclarecimento para desconstruir a rejeição à esquerda, mostrando que o mundo desenvolvido sempre adotou políticas públicas fortemente progressistas.

O tema da corrupção, fundamental para conquistar o apoio desses setores, precisa ser debatido com seriedade.

Não concordo com aqueles que acham que a esquerda deveria combater a direita populista com o seu próprio populismo de direita. Isso não dará certo aqui no Brasil, porque a nossa direita não é propriamente populista. Muito pelo contrário. A mensagem econômica de Bolsonaro é, em muitos sentidos, antipopulista, e se aproveita do cansaço do povo com promessas vazias.

Em relação à “união das esquerdas”, é preciso tomar cuidado, porque se a união se der em torno dos mesmos símbolos que são rejeitados pelas classes médias (que dão o “tom” da campanha e das ruas), isso vai levar o campo todo para o buraco.

A união poderia até ser interessante, mas somente após um movimento de renovação e autocrítica, com mudanças profundas na comunicação, no discurso e na postura (concomitantemente ao fortalecimento e resgate dos grandes ideais políticos), oferecendo ao eleitorado uma coisa realmente nova, embalada num projeto sólido, coerente, que inspire confiança no povo.


Redação:
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