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Nelson Marconi: por que crescemos tão pouco?

No site do Ibre/FGV Por que crescemos tão pouco? | Revista Conjuntura Econômica 24/06/2019 Por Nelson Marconi – coordenador executivo do Fórum de Economia da FGV e professor da EAESP. O debate em torno da necessidade urgente de retomarmos o crescimento vem, felizmente, ganhando corpo e espaço novamente. Estamos aparentemente caminhando para uma nova recessão, […]

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No site do Ibre/FGV

Por que crescemos tão pouco? | Revista Conjuntura Econômica
24/06/2019

Por Nelson Marconi – coordenador executivo do Fórum de Economia da FGV e professor da EAESP.

O debate em torno da necessidade urgente de retomarmos o crescimento vem, felizmente, ganhando corpo e espaço novamente. Estamos aparentemente caminhando para uma nova recessão, depois de um período morno de crescimento reduzido, nulo em termos per capita nos últimos dois anos; na verdade, deixamos de crescer a partir de 2014. Mas o problema é muito mais grave: desde o início dos anos 1980 que nosso PIB per capita praticamente não se eleva, à exceção do período de bonança internacional que vivenciamos nos anos 2000. Por que deixamos de crescer há tanto tempo? Quais as dificuldades para retomarmos o crescimento? Além dos motivos conjunturais, que contribuem para o desaquecimento presente, há outros estruturais ainda mais relevantes para explicar o estado de nossa economia. Iremos tratar de ambos, mas vamos começar pelos que imperam em nosso país há tanto tempo.

Quando comparamos o chamado processo de catching-up – alcance da renda dos países mais desenvolvidos – de Brasil e Coreia, tendo como critério a diferença entre a renda per capita entre o país em análise e os EUA. É deprimente – que me perdoem os leitores – comparar a evolução do Brasil com a da Coreia. Em 1960, a renda per capita deles equivalia a 5% da americana, e a nossa a 19%. Eles nos ultrapassaram em 1990, atingiram aquele que foi o nosso pico em 1994 e possuíam uma renda média igual a 49% da observada para os americanos em 2017. Neste mesmo ano, a nossa correspondeu a 20% dessa última. Voltamos, portanto, ao mesmo patamar que estávamos há 57 anos!! É uma tragédia para a sociedade brasileira.

A comparação com a Coreia é ilustrativa, mas se insere em um padrão que é observado também para outros países. Certamente os coreanos investiram muito em educação, o que é fundamental, obviamente, mas insuficiente – é necessário haver demanda pela mão de obra qualificada, do contrário os engenheiros terminam trabalhando com aplicativos de transporte ou vendendo quentinhas – caso do Brasil recente. É necessário mudar a estrutura produtiva na direção de setores que contratem um volume maior de trabalhadores que vão se qualificando à medida que o país investe mais em educação.

Fiz uma análise, a partir dos dados que o FMI compila sobre a renda per capita, e os calcula pelo critério de paridade do poder de compra, e identifiquei 34 países que passaram por um processo de catching-up desde 1980 – ou desde que disponibilizaram informações –, seja porque reduziram a distância em relação à renda per capita com os EUA constantemente, ou ao menos reduziram de modo mais sensível em algum período das últimas quatro décadas, mantendo tal diferença constante em outros. Não considerei aqueles que alternaram momentos de recessão e crescimento, pois esse comportamento pode denotar que os períodos de elevação da renda seriam, na verdade, decorrentes de um movimento cíclico. Pois bem, desses 34 países, 25 deles aumentaram a participação de manufaturados no período analisado e mantiveram-na em um patamar elevado, ou já era alto e assim permaneceu; essa parece ser uma característica muito marcante dos processos de catching-up. Também 19 deles demonstraram uma participação crescente da manufatura no valor adicionado, sendo que uma parcela dos países exibiu esse comportamento apenas em um intervalo dessas décadas, mas manteve posteriormente uma participação razoável da manufatura no valor adicionado – nunca inferior a 15%, o que não caracteriza uma restrição ao processo de desenvolvimento se este percentual estiver associado ao crescimento dos serviços de alto conteúdo tecnológico.

Vejamos, mais uma vez, o caso de Brasil e Coreia. No primeiro, a participação dos manufaturados no total de exportações era de 6% em 1964 (primeiro dado disponível) e se elevou para 45% em 1980, justamente no período que conseguimos avançar em nosso processo de catching-up. Atingiu o pico de 61% em 1993 e posteriormente caiu, até regredir a 36% em 2018. Já a participação de nossa manufatura no valor adicionado atingiu seu pico em 1973 (20% do VA a preços de 2018), em 1980 correspondia a 19% e em 2018 equivalia a 11% – praticamente metade de seu pico. Na Coreia, o cenário foi bem distinto – as exportações de manufaturados correspondiam a 18% do total em 1962; em 1980, esse percentual já atingia 90%, o mesmo percentual observado em 2017; a manufatura correspondia a 5% do valor adicionado em 1960, 17% em 1980 e a 32% em 2017.

E o que levou, então, à reprimarização de nossa pauta de exportações, ao aumento do déficit comercial de manufaturados e à consequente perda de dinamismo de nossa indústria (explicada também por outros fatores, certamente)? A ausência de uma estratégia definida para as exportações, que incluísse uma política industrial voltada à inovação, a cobrança de metas orientadas às exportações, o suporte aos exportadores no exterior, a logística, o sistema tributário e tarifário favoráveis, acordos comerciais e linhas de financiamento acessíveis e baratas, foi essencial para explicar a perda de dinamismo da atividade exportadora de manufaturados. Mas, do ponto de vista, macroeconômico, dois problemas são cruciais, e até se sobrepõem aos demais porque afetam a todos, bem como a diversos custos e a própria receita: a moeda valorizada e a taxa de juros elevada.

Tomemos o comportamento da taxa real de câmbio (bilateral, o que possibilitou seu cálculo para um período mais longo) e a taxa real de juros para capital de giro, necessário aos empresários para financiar suas atividades correntes. Nota-se que há dois longos períodos de apreciação da moeda – entre 1986 e 1999 e entre 2004 e 2012, após curtos períodos de depreciação, nos quais ocorreram inclusive elevações muito acentuadas, ao passo que há apenas um longo período de estabilidade da taxa real de câmbio em um patamar não apreciado, entre 1969 e 1979, justamente quando conseguimos avançar intensamente em relação às exportações de manufaturados. Como os exportadores desses últimos dependem mais da taxa de câmbio que os orientados às vendas de primários, esse movimento de longas valorizações atenuadas por súbitas, curtas e fortes depreciações desestimulam qualquer empresa produtora de bens industriais a buscar mercados externos. O contrário ocorre em relação às importações, o que esgarça nosso tecido industrial.

Em relação à taxa real de juros, por sua vez, nota-se que após o final do ciclo inflacionário no país elas se tornaram menos voláteis, porém sempre em um patamar elevado, e em nenhum momento em níveis patamar inferiores a 10%, mesmo quando a situação fiscal foi favorável. Não há empresário que consiga concorrer com seus competidores externos nessa situação.

Há uma larga gama de políticas que devem ser adotadas para reduzir a taxa de juros e levar a taxa de câmbio a oscilar em torno de seu patamar competitivo, exaustivamente discutidas aqui em colunas anteriores, como o equacionamento da questão fiscal, a mudança no financiamento de curto prazo da dívida pública, a sua desindexação à Selic, a maior concorrência bancária, a maior segurança jurídica, entre outras ações. Também é necessária a compreensão de que a atração de poupança externa através da prática de juros altos não resultará em maior investimento produtivo. Especificamente em relação à taxa de câmbio, os gestores de política econômica não podem adotá-la como mecanismo de controle da inflação e devem entender que a sua relativa estabilidade é uma variável essencial para quem comercializa no exterior.

Agora, em relação aos fatores conjunturais, a ausência de uma política anticíclica é o fator essencial para o prolongamento da atual crise. Desde o governo Dilma, vivenciamos uma sequência de políticas pró-cíclicas equivocadas, seja pró-crescimento ou recessão. Essa política anticíclica poderia incluir um programa de concessões mais arrojado, uma expansão dos empréstimos via BNDES ou o desenho de programas de exportação. Com o atual nível de desemprego, ociosidade e endividamento, não há outra forma de evitar uma nova recessão; deverá haver uma clara política pública de estímulo ao nível de atividade. As reformas e o olhar apenas para o lado da oferta serão insuficientes para melhorar o quadro atual. Como toda a equipe econômica não acredita nessa alternativa, em uníssono, tão cedo não sairemos da crise. Infelizmente. A não ser que o cenário político os force a, muito a contragosto, serem realistas e adotarem algumas decisões nesse sentido.

Leia a íntegra deste artigo na Conjuntura Econômica de junho.

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