O Manchetômetro, iniciativa do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), e idealizado pelo cientista político João Feres, vem fazendo uma cobertura interessante do tratamento que a mídia dá às revelações feita pelo Intercept, no escândalo conhecido como “Vaza Jato”.
Abaixo, algumas matérias publicadas pelo Manchetômetro nos dias 11, 13 e 14 (hoje), com gráficos.
É interessante observar ainda alguns dados do próprio Manchetômetro, que não foram, porém, comentados pelas análises abaixo.
1) Em junho deste ano, Sergio Moro, pela primeira vez, está recebendo tratamento negativo da mídia. Mais negativo do que Lula, inclusive.
2) Jair Bolsonaro recebeu, no período eleitoral, tratamento mais positivo do que negativo, o que continuou em novembro e dezembro. A partir da posse, porém, Bolsonaro está batendo recorde de menções negativas.
Abaixo, as matérias publicadas no Manchetômetro. Publico em ordem anti-cronológica, ou seja, da mais recente, publicada hoje, até a mais antiga, do dia 11.
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A cobertura da Vaza Jato no Jornal Nacional
14/06/2019
Por Juliana Gagliardi e João Feres Junior.
Pela primeira vez, Sergio Moro tem mais menções negativas que positivas, e inclusive, mais negativas que Lula.
No último dia 9 de junho, a agência de notícia The Intercept Brasil deu início à publicação de uma série de reportagens investigativas baseadas na divulgação de conversas entre membros da força-tarefa da Operação Lava Jato no aplicativo de mensagens Telegram.
No dia 10 de junho, o Jornal Nacional cobriu o evento dedicando a ele 14m30s do seu tempo. Na chamada, os âncoras do telejornal diziam que a divulgação de mensagens atribuídas a Sergio Moro, a procuradores da Lava Jato e ao coordenador da operação, Deltan Dallagnol, havia provocado reações no meio jurídico e que essas manifestações se dividiam entre o conteúdo das supostas conversas e a forma ilegal pela qual teriam sido obtidas.
A matéria principal foi centrada na divulgação das mensagens e concedeu amplo espaço a Dallagnol – reproduzindo diversos trechos do vídeo em que o procurador rebate a matéria e defende a operação –, a entidades jurídicas que defendem os procuradores envolvidos e, particularmente, a Moro – citando os pronunciamentos do presidente e o vice-presidente da República em sua defesa. E, embora com foco no que considera a interceptação “criminosa” de mensagens – e não na gravidade de seu conteúdo –, o telejornal também cita, por outro lado, críticas da OAB e do Conselho Nacional do Ministério Público ao conteúdo das conversas divulgadas e a possibilidade de desvio de conduta. Trechos da defesa de Lula também são mencionados, ocupando 35 segundos de tempo da matéria.
O telejornal trata o Intercept como um site, sem nenhuma contextualização, reproduz trechos das “supostas” conversas entre Moro e Dallagnol e aponta críticas feitas pela agência, repetindo com frequência que eram falas e conclusões “segundo o Intercept”.
No dia 11 de junho, o telejornal dedicou 9 minutos e meio ao assunto. Desta vez, desde a chamada, o enfoque foi na suspeita da ocorrência de uma ação orquestrada na invasão de celulares de Moro e dos procuradores. A chamada também informa que o ministro comparecerá na próxima semana ao Senado para “falar” sobre a divulgação das mensagens atribuídas a ele. Na matéria principal, o jornal apresenta as opiniões de ministros do STF. São reproduzidas falas de Gilmar Mendes dizendo que o fato de serem obtidas de maneira ilegal não necessariamente leve à anulação de provas, de Marco Aurélio Mello dizendo que todos são a favor do combate à corrupção, mas não “a ferro e fogo” e de Luís Barroso que, por sua vez, diz que é preciso ter cautela e esperar o fim da apuração, mas que ressaltou a importância da Operação Lava Jato e a “ação criminosa” na obtenção de provas. Mais uma vez o jornal abriu espaço para a defesa de Lula, transmitindo trecho da fala de seu advogado, Cristiano Zanin. Em seguida, a edição fala da agenda de Moro após a divulgação e mostra vozes do Ministério da Justiça e do General Villas-Bôas, rechaçando o uso de conversas “privadas” obtidas por “meio ilegal” e em defesa de Moro, respectivamente. Também menciona novamente a OAB e sua recomendação de que os envolvidos se afastassem dos cargos para que as investigações ocorressem sem suspeitas. A parte final da matéria abordou a suspeita da Polícia Federal de que a invasão tivesse sido uma ação orquestrada e deu voz à Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge que considera a ação um ataque grave.
No dia 12, altera-se a estratégia da cobertura nos 11 minutos e 33 segundos dedicados ao caso. Se até aqui baseava-se numa constelação de citações de terceiros e apontamentos, desta vez o próprio âncora caracteriza na chamada o vazamento das conversas como uma “ação criminosa”. Após informarem que a Câmara aprovou convite a Moro para explicar as conversas “atribuídas” a ele, o telejornal passa a focar no ataque hacker e no fato de que teria sido muito mais amplo do que se supunha. Após apresentar o procurador José Robalinho Cavalcanti, que teria conversado com o hacker pensando ser outro procurador, e Dodge, conclamando a unificação das investigações sobre os ataques a membros do MP, a repórter do telejornal diz: “Invadir, hackear celulares e ter acesso a dados privados é crime”.
Posteriormente, a reportagem reproduz pronunciamento da força-tarefa da Lava Jato que destaca a possibilidade de hackers fabricarem diálogos usando perfis de autoridades e diz não ser possível aferir se houve edições, alterações, e que diálogos inteiros podem ter sido forjados. A nota, divulgada pelo telejornal, diz ainda haver dúvidas “inafastáveis” quanto à autenticidade das conversas, e que “invariavelmente darão vazão à divulgação de fake news”. O jornal apresenta outras vozes que dizem que a invasão é grave e descrevem minuciosamente como pode, em hipótese, ter ocorrido o hackeamento, destacando, ao fim, que Moro e Dallagnol não veem irregularidades nas conversas, mas reafirmam que não podem reconhecer sua autenticidade.
Se no primeiro dia da cobertura houve espaço para apontar críticas ao conteúdo das conversas e outras vozes, como a defesa de Lula, do segundo para o terceiro dia deu lugar à narrativa de uma conspiração criminosa contra o Ministério Público e a Operação Lava Jato. Passou a ganhar espaço a desqualificação do material, seja pelo método de obtenção de seu conteúdo seja pela alegação de risco de inautenticidade. O jornal dá ampla voz aos membros da operação focando no acesso e divulgação das mensagens, enquanto se exime de explorar as questões éticas, legais e políticas relativas ao comportamento de Moro, dos procuradores da Lava Jato e de ministros do Supremo, citados nas conversas.
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Vaza Jato – dia 3
13/06/2019
Por Eduardo Barbabela e João Feres Jr.
No terceiro dia após a divulgação das conversas entre Moro e Dallagnol pelo The Intercept, 12 de junho, a Folha continua sendo o meio com o maior número de matérias sobre o caso, com 16 novos textos no dia de hoje, dentre os quais temos uma fala do ex-presidente Lula e textos de opinião que defendem a renúncia do ministro da Justiça.
O Estadão aumentou hoje o número de textos contrários a Moro. Se nos dois últimos dias o balanço entre o número de textos críticos a Moro e ao Intercept estava totalmente equilibrado, hoje há uma tendência contrária ao ministro de Bolsonaro. O jornal destaca os prejuízos jurídicos que a Lava Jato pode ter pela ação de Sérgio Moro que afronta o Estado de Direito.
O Globo mantém cobertura com maior número de textos neutros. A capa apresenta Moro no controle da situação, dizendo que ele “decide ir ao Senado para explicar conversas vazadas”. A matéria de Élio Gaspari pedindo a saída do ex-juiz e sua chamada na capa, são os únicos textos negativos, enquanto o grosso da cobertura ou defende o juiz, como Merval Pereira, ou simplesmente descreve reações de políticos e ministros do Supremo.
Enquanto a Folha reafirma posição editorial crítica a Moro, discutindo os efeitos legais e políticos das conversas com ex-juiz com a força tarefa da Lava Jato, O Globo e Estadão mantém cobertura cautelosa, o jornal carioca levemente favorável a Moro e o paulista levemente contrário. Dado que os três meios foram amplamente favoráveis à Operação Lava-Jato, mesmo em seus momentos mais críticos no que diz respeito à proteção do Estado de Direito, vale notar a atual dissonância.
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A Vaza Jato nos jornais
Por Eduardo Barbabela e João Feres Jr.
11/06/2019
No dia 9 de junho de 2019, o site The Intercept publicou uma série de matérias denunciando a colaboração entre o então juiz federal Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, procurador federal e coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, a partir do vazamento de mensagens trocadas pelos dois em redes sociais.
A repercussão desse escândalo vai depender bastante da cobertura jornalística que ele está recebendo. Assim, a equipe do Manchetômetro decidiu acompanha-la de perto.
Nesse boletim analisamos todos os textos publicados pelos jornais Folha, Estado e O Globo, nos dias 10 e 11 de junho de 2019. Atribuímos dois enquadramentos básicos, Crítico ao Intercept, quando o texto ataca a divulgação dos dados pelo The Intercept, acusa suposta violação de privacidade dos envolvidos, ou mesmo simplesmente apoia o ministro Moro; Crítico a Moro, quando o texto acusa a ilegalidade da atuação de Moro e de sua relação com a Lava Jato, Neutro/Ambivalente os textos não têm posição manifesta.
A Folha de São Paulo é o jornal que realiza a maior cobertura do caso, com 33 textos sobre o fato. Desde o primeiro dia o jornal foi aquele que mais destacou o escândalo, preocupando-se em apresentar o caso amplamente, inclusive por meio de elementos gráficos, e exemplificando as supostas conversas sempre que possível. O jornal também se mostra o mais crítico à atuação do atual ministro da Justiça, apontando inclusive para possível manipulação política na Lava Jato. Apesar disso, o jornal reforça o argumento de que a Lava Jato não será desmoralizada pelo vazamento ilegal das conversas. A Folha também critica bastante o hacking das conversas que declara ser ilegal, mesmo que defenda que o jornalismo realizado pela The Intercept não deva ser questionado pela possível ilegalidade dos dados. O jornal também abre espaço para Moro, membros da Lava Jato e seus apoiadores defenderem que as conversas não possuem nenhuma informação relevante.
O Estadão é o jornal que menos abriu espaço para o vazamento das conversas, com apenas 11 textos nos dois dias. O jornal é o único que não possui nenhuma manchete sobre o tema, com uma cobertura que possui a mesma quantidade de críticas a Moro e ao The Intercept, além dos textos neutros. O jornal cita a gravidade das suspeitas levantadas pelas conversas e chega, em editorial, a propor a renúncia do ministro dada a gravidade das acusações. Apesar desse posicionamento, o jornal, abre bastante espaço para a defesa de Moro.
O Globo é o jornal mais crítico ao The Intercept. Com 21 textos sobre o assunto, o jornal possui apenas dois textos que enfatizam a crítica a Moro, ao passo que abre amplo espaço para acusações de hacking. O Globo insiste em um argumento pragmático segundo o qual, a despeito da possível veracidade das acusações contra Moro e Dallagnol, da ilegalidade da obtenção da obtenção das provas e da força legal dos fatos supostamente comprovados pela Lava Jato, impede a reversão das condenações feitas no esteio da Operação, particularmente a do ex-presidente Lula.
Folha, Estado e O Globo têm dedicado enorme espaço à cobertura da Lava Jato, desde o surgimento dessa operação. Sua posição editorial e manifesta nos artigos de opinião e nas reportagens foi até agora de amplo apoio às ações de Moro e do MP do Paraná, inclusive em momentos em que essas mesmas ações chafurdaram no terreno da ilegalidade, como quando a condução coercitiva de Lula, da divulgação das conversas telefônicas entre Lula e Dilma e mesmo quando das sentenças de Moro e do TRF4 condenando e ratificando a condenação do ex-presidente. Agora que a ilegalidade dessas ações vem à público de maneira escandalosa, cada meio assume posição diversa. Vejamos nos próximos dias como essas posições vão evoluir.