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Vice: porque a periferia de Berlim está migrando para a extrema-direita

O artigo abaixo, publicado na Vice, traz alguns subsídios importantes na luta contra a ascensão da extrema-direita no Brasil. O artigo já é um pouco antigo, mas me parece que ficou um tanto atual, diante da realidade brasileira, apesar das nossas diferenças. *** Alemães descontentes explicam a ascensão da extrema-direita no país Falamos com eleitores […]

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O artigo abaixo, publicado na Vice, traz alguns subsídios importantes na luta contra a ascensão da extrema-direita no Brasil. O artigo já é um pouco antigo, mas me parece que ficou um tanto atual, diante da realidade brasileira, apesar das nossas diferenças.

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Alemães descontentes explicam a ascensão da extrema-direita no país

Falamos com eleitores de um bairro anteriormente de esquerda em Berlim que se aproximaram do populismo anti-imigração na eleição nacional do último final de semana.

por Lara Gohr; Traduzido por Marina Schnoor

27 Setembro 2017, 4:11pm

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Alemanha.

No bairro Marzahn-Hellersdorf de Berlim, 250 mil pessoas moram empilhadas em prédios de apartamentos de concreto. Esse é um dos “distritos problemáticos” da cidade cosmopolita, pelo menos se você perguntar para certos membros da imprensa política. Em nenhum lugar de Berlim mais estudantes abandonam o ensino médio. E 39% das crianças abaixo de 15 anos crescem em lares que dependem do Hartz IV – um tipo de benefício social mal visto pela parte mais rica da sociedade alemã.

O Die Linke (“A Esquerda”, ou Partido de Esquerda) era o mais popular no distrito, o 85º da Alemanha. Mas nas eleições nacionais do final de semana passado – na qual Angela Merkel e sua coalizão de centro-direita ganharam um quarto mandato – os votos para a esquerda caíram quase 13 pontos a partir de 2013, para 26,1%. Enquanto isso, um em cada cinco eleitores de Marzahn-Hellersdorf votou no partido populista de direita Alternative für Deutschland (AfD). Em nenhum outro lugar de Berlim esse partido, o veículo eleitoral mais próximo do movimento alt right da Alemanha, ganhou tanto apoio. Então fizemos uma pergunta simples a pessoas que votaram no AfD: Por quê?

Obviamente o país mudou muito nos últimos anos. A Alemanha aceitou mais de um milhão de refugiados, e a frequência de ataques terroristas mortais tem sacudido a Europa. Enquanto isso, o AfD se transformou de um simples partido cético com o Euro para um que habilidosamente alimenta o medo de estrangeiros e infiltrações do exterior, uma dinâmica já familiar em grande parte do Ocidente.

Entre a população de classe trabalhadora do distrito, muita gente faz trabalhos manuais. O padrasto de Angelina, por exemplo, que tinha acabado de sair para votar quando falamos com ela. Angelina, que estava sentada com outros garotos na escadaria de entrada de seu prédio, nos disse que tinha 13 anos. A aluna da oitava série fuma cigarros Marlboro, e seu delineador separa seus cílios da sombra laranja com precisão. O que ela e o padrasto planejam fazer com o resto do dia? “Ficar sentados sem fazer nada. Como sempre”, ela disse.

Muitos com quem falamos disseram que são felizes aqui. “Não tenho interesse em morar em Kreuzberg”, disse um homem em frente a zona eleitoral, se referindo a um bairro chique da cidade. “É tranquilo e calmo aqui. Não quero ter nada a ver com esses loucos de Berlim.”

O AfD ganhou uma grande porção dos votos no distrito, apesar de Marzahn ter uma população pequena de migrantes – só 15%. Ou talvez seja exatamente por isso mesmo: Aqui, o AfD parece ter lucrado bastante com nativismo. Durante a última eleição federal em 2013, a esquerda levou 38,9% dos primeiros votos (no sistema eleitoral da Alemanha, você vota duas vezes: para um candidato e para um partido), tornando o partido de longe a maior força da área. Ano passado, o AfD ultrapassou o Partido de Esquerda pela primeira vez na eleição parlamentar estadual de Berlim. No último final de semana, eles continuaram ganhando votos.


Mike, 47 anos, ex-pedreiro

Mike está na frente de um quiosque de döner kebab em Marzahn, fumando com um dos empregados da lanchonete. Os dois estão conversando animadamente e rindo. Mike votou no AfD, ele explica, por causa de questões sociais e especialmente por causa de estrangeiros. “Os estrangeiros são sempre os culpados”, diz o empregado do quiosque. Mike olha para ele e solta uma risada ligeiramente nervosa. “Mas pelo menos você está trabalhando”, ele diz.

VICE: Você votou no AfD. Você tem consciência que o partido é, na maior parte, de extrema-direita?
Mike: Trabalhei na construção civil por anos e não recebi nada em troca. Estou votando no AfD porque estou puto. Espero que eles se tornem o terceiro partido mais poderoso. Se isso te faz querer me chamar de nazista, pode chamar. Não ligo.

Você sente que foi tratado injustamente?
Sim. Por exemplo: tenho um problema de coluna. Depois de várias operações, não posso mais trabalhar. Uma vez fui ao escritório do bem-estar social achando que eles poderiam me ajudar a preencher a montanha de papelada para conseguir algum benefício. Os documentos são muito complicados. Mas eles me mandaram embora – porque sou alemão. Eles só ajudam refugiados.

Mike continua sentado lá quatro horas depois, com mais três amigos em frente ao quiosque. Os homens têm por volta de 50 anos, e estão fumando e bebendo cerveja. Mike pede uma dose. Seu amigo Mario teme que as declarações de Mike sejam entendidas de modo errado. Mario e Mike trabalhavam juntos. Mario tem 53 anos e é mestre de obras.

Mario: O Mike é um cara muito legal. Não entenda mal o que ele disse. Não somos nazistas. É só um voto de protesto.

VICE: Para quem você votou?
Mario: Eu costumava votar para a Esquerda, mas agora não. Nem para os Verdes, o FDP [o Partido Democrático Livre], CDU [partidos de sindicato, formados pela União Democrática Cristã da Alemanha e União Social Cristã da Bavária], e o SPD [o Partido Social Democrático] também. Tem que acontecer um choque real. Sonho que o SPD leve só 18%. Quem vota neles provavelmente é senil ou mora num asilo.

De onde essa atitude anti-imigração veio?
Não tenho nada contra refugiados. Uma vez escondi passaportes para uma família vietnamita na minha casa, para que o processo de asilo deles demorasse mais. Eles ainda moram na Alemanha. A atitude vem quando comissários de integração nos dizem, por exemplo, que não existe cultura alemã fora da língua alemã. Me senti pessoalmente ofendido. A cultura alemã é direita e diligente.
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O que podemos fazer para garantir que nossa sociedade não se divida ainda mais?
Não tenho uma resposta. Como você sai dessa situação? Talvez a gente deva arriscar mesmo uma mudança e ver como as coisas realmente são na nossa sociedade. Muitos aposentados são obrigados a morar na floresta e pegar garrafas e latinhas para ter algum dinheiro. Temos muitos problemas em que simplesmente ninguém está pensando.


Thilo, 36 anos

Thilo sai de mãos dadas com a namorada da zona eleitoral da Escola Primária Peter Pan em Marzahn. Em 2014, 30 crianças começaram a primeira série aqui. Em anos anteriores, o número era por volta de 80. Quatro anos atrás a escola deveria ter passado por uma reforma e ser expandida, mas nada aconteceu. Muitas pessoas por volta dos 50 anos saem da zona eleitoral de muleta ou em cadeiras de roda.

VICE: Por que você votou no AfD?
Thilo: Votei no AfD e no NPD [um partido de extrema-direita ultranacionalista nascido do Partido do Império Germânico, que apareceu logo depois da Segunda Guerra Mundial] porque não quero dar meu voto para os grandes partidos. As coisas sempre foram tranquilas aqui em Marzahn. Claro, nossa infraestrutura e tudo mais está desmoronando, mas nosso lema sempre foi: os marzahners conseguem criar doce de merda. Mas recentemente as coisas ficaram ainda piores.

O que você quer dizer especificamente?
Onde estão os milhões de Euros vindo para esses abrigos de refugiados, que eles montam bem debaixo do nosso nariz? E eles começaram a construir esses abrigos sem esperar pelos resultados dos questionários que os locais responderam. Os jovens aqui estão ficando mais descarados e as pessoas estão cada vez mais abusivas verbalmente. Eles têm essa mentalidade “não dou a mínima”.

Mario, 50 anos, ex-policial

Dois caras jovens de moletom passam pela gente. Um deles nos vê e grita “Votei no NPD!” e faz a saudação a Hitler. Os dois parecem achar isso divertido. Mario está voltando da zona eleitoral com a esposa. Ele diz que votou no AfD por instinto.

VICE: O que você quer dizer com “instinto”?
Mario: Estou insatisfeito com a maioria dos partidos e quero dar um golpe neles. Nossas políticas de refugiados também são uma razão. O crime aqui está em ascensão. Por exemplo, um amigo de um amigo disse que um amigo está no hospital porque foi atacado por refugiados.

Você passou muito tempo pensando em quem ia votar?
Eu não tinha escolha este ano. Já estava definido que eu votaria no AfD. Vivemos numa democracia e temos que lidar com isso. Eu costumava votar no SPD.


Matthias, 29 anos, especialista em logística

Matthias e alguns amigos estão na frente da zona eleitoral. Os caras mais jovens estão conversando, vários deles votaram no AfD. Matthias é o único disposto a explicar por quê. Os outros concordam com ele e o interrompem de vez em quando para acrescentar algo que ele deve dizer. Apesar disso, eles se recusam a ser entrevistados.

VICE: Por que você votou no AfD?
Matthias: Hoje de manhã eu ainda estava em cima do mundo: AfD ou a Esquerda. Estou tão cansado dos partidos estabelecidos. Oito anos atrás votei no FDP e também dei uma chance ao SPD. Mas nada mudou. Não compro mais a conversa deles. O AfD é o único partido que pensa no povo.

Você se sente marginalizado?
É fato que mais é feito pelos refugiados que por nós. Muitos amigos ainda estão desempregados. Os refugiados recebem dinheiro de graça. Eles até têm tratamento preferencial quando se trata de apartamentos – tudo é pago para eles. Isso dá segurança aos locadores. E tudo está ficando mais caro.

Ewald Boot, 64 anos, o mesário da zona eleitoral, anda até um grupo de pessoas que está começando a se formar. Ele escuta a conversa por um tempo, depois interrompe calmamente:

Ewald Boot: Tenho uma opinião diferente da sua. Você deveria ver as questões de maneira diferente. Se eu fosse me mudar do meu apartamento hoje, onde atualmente pago €350 [cerca de R$1.300], o locador subiria o aluguel para €400, seja um refugiado se mudando para lá ou não. Não é culpa dos refugiados que os apartamentos estejam ficando mais caros.

Ewald

VICE: Que outro contra-argumento você tem?
Ewald: Raramente vejo um simpatizante do AfD fazer um argumento lógico. É difícil discutir com quem só quer difundir o medo.
Ewald Boot, 64 anos, mesário da zona eleitoral em Marzahn e coordenador voluntário de um abrigo de refugiados em Berlim. Ele votou para a Esquerda e para o SPD.

Como as coisas vão continuar depois da eleição?
Estou preocupado. O NPD está representado em vários parlamentos estaduais, mas há muitas brigas internas. Não acho que vamos nos livrar do AfD tão facilmente. Eles têm vários políticos profissionais. Tenho medo que a relação entre esquerda e direita se torne mais parecida com a dos EUA. Já vi amizades acabarem por causa disso.

Você não parece estar bravo com as pessoas aqui. Como esquerdista, você não deveria desprezar os simpatizantes do AfD?
Você não deve desprezar ninguém. Muitos deles estão votando por protesto. Entendo isso. Várias coisas mudaram para pior ultimamente. Na minha zona eleitoral, o AfD recebeu apenas três votos a menos que a Esquerda durante a última eleição. Mas independente de quão triste seja essa realidade, tenho orgulho de como as eleições funcionam no nosso país e não são influenciadas por alguém de fora. E que todo mundo possa expressar sua opinião abertamente.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

Confira ainda o artigo: Por que gays adoram o partido de extrema-direita alemão.

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Comentários

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Aliança Nacional Libertadora

23/05/2019 - 21h49

Seria interessante perguntar para a “periferia” o que acha do governo apoiar as destruição e exploração dos países desses mesmos refugiados e imigrantes….algum vai falar que o governo alemão precisa ajudar os países deles a se reerguer? Ou seria concorrência?

Paulo

23/05/2019 - 19h24

As coisas mudaram para pior porque a social-democracia entrou em crise existencial…


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