O debate sobre quem votou na questão do COAF me parece inteiramente sensacionalista e pueril.
Não faz absolutamente nenhuma diferença, do ponto-de-vista político, qual a pasta controlará o COAF.
Moro e Guedes são igualmente canalhas. E quem mantém o controle de tudo ainda é Jair Bolsonaro e os militares, que mandam na “inteligência” do governo.
Isso sem falar, de maneira genérica, nos altos estamentos burocráticos, que foram essenciais para o golpe, e que estão encastelados tanto no Ministério da Justiça quanto na Economia, no TCU, nos MPs e nos tribunais superiores.
Aliás, o judiciário tem acesso ao COAF quando quiser, visto que cabe a ele quebrar o sigilo de qualquer operação bancária ou fiscal.
Se a COAF ficasse com Moro, haveria a vantagem de que poderíamos acusá-lo em caso de vazamento, o que o enfraqueceria.
Do ponto-de-vista da ordem econômica, porém, suponho que seja melhor ficar com Guedes, que me parece um pouco mais responsável. Mas também não tenho nenhuma certeza disso…
Entretanto, criar guerrinha dentro da esquerda por causa de uma questão no fundo meramente burocrática, me parece equivocado e mesquinho.
PCdoB e PT votaram todos em favor da Coaf com Guedes. O PSOL deu duas abstenções.
No PDT, de um total de 28 deputados, 8 deputados, contra a orientação do partido, votaram a favor de que a Coaf ficasse sob responsabilidade do Ministério da Justiça.
O PSB deu mais da metade dos votos à COAF com a Justiça, 17 de um total de 30, contra a orientação do líder Molon.
O PCdoB e PT, com todo o respeito, votaram pensando em “Lula livre”, cujo vilão maior é justamente Moro.
Os outros partidos fizeram reflexões diferentes.
Isso não significa que a minoria dos parlamentares da esquerda que votaram em favor da COAF no ministério da Justiça sejam favoráveis, em nada, às pautas de Bolsonaro ou aos arbítrios da Lava Jato. Afinal, de um jeito ou de outro, repito, a COAF continua sob responsabilidade do mesmo patrão, o governo federal.
Tulio Gadelha, do PDT de Pernambuco, por exemplo, votou em favor de que a COAF permanecesse junto ao Ministério da Justiça, e Gadelha sempre se manifestou publicamente contra prisão de Lula (basta procurar no google Túlio Gadelha, Lula livre).
Por essas e outras é que sou contra esses discursos de “união da esquerda”, o que apenas gera esse tipo de tensionamento sub-estudantil. Ou seja, produz exatamente o oposto do que se propõe: falar em “união da esquerda” ajuda a desagregar a esquerda. Talvez porque seja algo como falar em “casamento” no primeiro encontro. Dá a impressão de forçar a barra, de carência, de pressão emocional.
A esquerda não tem que “se unir” coisa nenhuma. Unida, ela se radicaliza, assusta o centro e se isola. O certo é o contrário, é se diversificar, mostrando ao país que é plural e democrática, e que sua convergência é puramente programática, porque aí abrimos espaço para atrair o centro.
Para dialogar e se juntar à nós, basta concordar com o projeto, não é preciso se autointitular de “esquerda” ou vestir camisa vermelha.
O importante, o essencial, é termos um projeto! E aí sim valeria investir recursos, na forma de seminários, debates, livros, vídeos.
A esquerda tem, sim, que amadurecer, oferecendo um debate mais sofisticado, responsável, objetivo, e trabalhar duro para conquistar o centro político, a opinião pública e as classes minimamente instruídas (para que estas se engajem no projeto, e ajudem a levar a mensagem às grandes massas marginalizadas).
Nas grandes pautas, a esquerda já está unida; não é preciso selfie de Haddad, Ciro, Dino, Freixo juntinhos se abraçando para provar isso.
Uma unidade real, orgânica, consequente, não se forja em encontros de gabinete, ou jogadas de marketing, mas unicamente nas ruas e na luta política, e ela se constrói aos poucos, com paciência, honestidade, franqueza, com a liberdade de nos criticarmos uns aos outros.