A resposta de Castañon a Cappelli

Reuters/ Martins Acosta

Com o intuito de abrir o blog às necessárias polêmicas de dentro do campo progressista, reproduzo abaixo artigo de Gustavo Castañon, em resposta a um artigo de Ricardo Cappelli, publicado no Cafezinho (e em outros espaços), sobre a comparação entre Lula, Cristina e Ciro.

Sobre Cristinas e Lulas

Por Gustavo Castañon

Acho Ricardo Cappelli, sem concessão, o melhor e mais realista cronista da vida nacional hoje. Se nossa mídia não fosse o que é, ele escreveria regularmente nos maiores jornais do país.

Mas quem escolhe defender o partido de Tiradentes nunca terá destaque na mídia nacional.

Ele não é, no entanto, meramente um cronista desinteressado. Ele é também um grande quadro do PCdoB, aliado e agente político do melhor governador brasileiro da atualidade, Flávio Dino.

Mais do que isso, é um homem sério e leal. Participou dos 13 anos e meio do governo do PT, não se sente à vontade para criticar Lula de forma mais dura do que faz. É também tudo compreensível.

Já eu não tenho qualquer dívida ou compromisso com o PT, mas sim com a verdade e com meu partido, o PDT. Portanto, não poderia deixar de responder ao “esclarecimento” que ele publicou depois de triturado pela polícia política petista.

Cappelli romantiza o comportamento e as motivações de Lula nas eleições. Mas a verdade é que qualquer operador político no Brasil sabe que Lula tinha um inimigo único a ser batido, Ciro, e que atuou somente para manter seu controle sobre a esquerda.

A pior coisa do mundo para Lula, que só pensa em seu jogo de poder pessoal, seria a eleição de um progressista que não estivesse sob seu comando e jugo.

A segunda pior é que outro partido progressista viabilize um projeto próprio no Brasil.

Nós, do PDT, tentamos fazer as duas coisas.

Na tentativa de fazer sua média com Lula, Cappelli cede a sede de adulação doentia da militância petista e chega a fazer a ultrajante declaração de que Lula foi o primeiro brasileiro a chegar ao poder.

Repito: o primeiro brasileiro!

O que foram Getúlio, JK, Jango, Itamar? Segundo Cappelli, “dissidentes da elite”, como se não pudessem ser brasileiros por causa disso. O que diria disso a mãe miserável do “Nonô”, o menino que aprendeu a ler descalço na biblioteca pública de Diamantina, pequena cidade mineira do miserável Vale do Jequitinhonha?

Para piorar, Cappelli afirma que é uma “imbecilidade” comparar o trabalhismo com o lulismo, que seriam duas correntes fundamentais do nacionalismo progressista.

Não quero usar uma palavra tão dura contra aqueles que em nosso campo pensam diferente de mim.

Mas devo reconhecer com Cappelli que a comparação é estapafúrdia, por motivos bem distintos do dele.

Porque o primeiro, o trabalhismo, é uma corrente política progressista, que lutou por aprofundamento de reformas sempre em todas as esferas de poder que assumiu, que nos legou o Estado Nacional Brasileiro, um consenso nacional responsável pelos 50 anos de maior crescimento na história do mundo, a maior distribuição de renda da história brasileira, nossos direitos sociais e trabalhistas, um país industrializado e os rudimentos de nosso estado de bem-estar social.

Já o segundo, o lulismo, é um mero arranjo conservador personalista, um aglomerado sem projeto ou pensamento político que nos legou 13 anos e meio dos maiores juros reais do mundo, a explosão de nossa dívida interna criada por juros sobre juros, a manutenção de todos os índices de desigualdade social rigorosamente intactos, a continuação da desindustrialização do país causado por seu populismo cambial e falta de projeto, um consenso nacional baseado na universalização do clientelismo e fisiologismo (para sermos elegantes), nenhum avanço estrutural ou reforma (a não ser uma da previdência, sim, o PT fez e foi a origem do PSOL) e por fim um programa de renda mínima neoliberal para distribuir as migalhas do banquete rentista para os miseráveis, eliminando a maior fonte de instabilidade do sistema oligárquico brasileiro.

O lulismo, que seu próprio nome indica ser um culto à personalidade despolitizador, foi um operador sem igual do oligarquismo brasileiro. Ele só foi destruído por menosprezar, e sejamos justos, por desobedecer aos interesses e poderes imperialistas em solo nacional.

Logo, a mera insinuação de que um movimento centrista, vazio, fisiológico e personalista, tem termo de comparação com a tradição fundadora de uma nação livre e soberana, é realmente, um completo contrassenso.

A relação não é entre a eletricidade e a internet, mas entre a eletricidade e a lamparina.

Já a outra comparação dele eu considero justa e inevitável. Cappelli, em texto anterior, comparou a grandeza de Cristina Kirchner e a pequenez antipatriótica e desprezo pelo destino do povo brasileiro que demonstrou Lula, e ao fazê-lo, foi trucidado pela despolitizada militância lulista.

Tentando aplacar sua ira, tentou criar uma falsa simetria entre Lula e Ciro, como se a responsabilidade pelo gesto de grandeza devesse ter vindo não do “maior líder popular do país”, como ele o qualifica, preso e inabilitado, e sim de Ciro, que lutava contra todas as maiores forças antinacionais e ao mesmo tempo contra a pequenez irresponsável do PT.

Ciro não reproduz o messianismo de Lula como Cappelli tenta forçar no argumento, para que um terceiro imaculado nome seja necessário. Ele luta contra esse messianismo tentando, há três anos, fazer o Brasil discutir projetos, não pessoas. E é por não se render a messianismos, e muito menos a um falso messias que já teve todas as chances do mundo para fazer algo de estrutural neste país, que Ciro jamais irá à cela de Lula em Curitiba.

Ciro não beijará a mão de Lula.

Ele já se dispôs ao sacrifício de visitar Lula e aparar arestas em 2018, em tempo hábil, logo depois da prisão, mas Lula se recusou a recebê-lo, a Lupi e a André Figueiredo. Antes, precisava destruir todas as alianças de Ciro para que ele fosse a sua cela como um vassalo humilhado se submeter novamente aos planos hegemonistas do PT.

Se esses planos incluíssem algum projeto de emancipação nacional, poderíamos aceitar ser humilhados novamente. Tantas vezes fomos. Mas porque nos submeteríamos ao projeto de poder pessoal de um homem que já provou tantas vezes que não tem qualquer compromisso com a transformação nacional?

O fim do artigo já conhecemos. São os planos legítimos de Dino para ser candidato a presidente. Esses planos eleitorais legítimos sempre vêm disfarçados pelos apelos de Cappelli a uma “unidade” que não serve ao país, mas só a Lula, Dino e o PT.

Não serve nem ao PCdoB, que parece fora dessa equação.

Sempre que pede “unidade”, “frente ampla”, Cappelli não explica nem o que seria isso e nem em que isso ajudaria o país nesse momento. Não explica porque não tem explicação.

Qualquer “frente ampla” com o PT é estreita, o PT é o partido mais odiado do país e da classe política, o país acaba de preferir se jogar no abismo de Bolsonaro a estender a mão ao PT para não cair nele.

A presença do câncer hegemonista do PT em qualquer frente democrática de oposição só dá combustível ao governo moribundo de Bolsonaro que só consegue mobilizar pessoas hoje por seu ódio, nojo e medo do PT. Além disso, a presença do PT é exatamente aquilo que inviabiliza o crescimento ao centro de que tanto fala Cappelli, é exatamente o que “não amplia”, afasta o centrão e outras forças democráticas que ainda temem mais ao PT do que a Bolsonaro.

Então, o que é essa unidade? A unidade que o PT quer é o fim das críticas aos 13 anos e meio de erros do partido, porque afinal de contas “não está na hora de criticar o PT”.

Nunca é hora de criticar o PT. Sempre é hora de vassalagem ao PT.

Eles não podem permitir a construção de um projeto independente.

A dissecação de seus terríveis erros.

Tanto que não aceitam discutir um novo projeto. Essa frente seria em torno de Lula, não de uma autocrítica do campo ou um programa claro. Haddad, o candidato a presidente que o PCdoB foi obrigado a apoiar, estava na última semana de campanha escondendo Manuela D’Ávila e defendendo, à revelia do PCdoB, a independência do Banco Central.

É a isso que devemos nos associar sem nenhuma garantia programática? E o PCdoB?

No fim, Cappelli ainda pede que Ciro, que acabou de disputar uma eleição presidencial se tornando legítimo líder de um campo político distinto do lulismo e do comunismo (o trabalhismo sim, o nacional desenvolvimentismo sufocado pelo social liberalismo do PT), abdique de suas pretensões de se recandidatar!

Sem qualquer discussão programática, Ciro deveria resolver suas “desavenças” com Lula e abrir caminho para um terceiro nome, lulista, que nos faria mais carinho do que fez o PT.

Mas apesar de haver desavenças, todos sabem que não se trata disso.

Esse tipo de abordagem é desrespeitosa e diminui o processo político.

Temos projetos muito diferentes. Nós temos um projeto de país a defender, o PT, um projeto de poder.

Se o PT não quer fazer autocrítica e discutir um novo projeto, não temos qualquer motivo para dar passos atrás.

Ou alguém pode dizer qual foi e qual é o projeto do PT para o país?

Para a esquerda sabemos: a destruição de todos os partidos do campo para que se agreguem como uma frente sob o comando do “pragmatismo” paulista.

Não faz nem meio ano que o PT tentou extinguir o PCdoB impedindo sua fusão ao PPL. O caminho que Dino está escolhendo pode levar o PCdoB à extinção e fagocitação pelo PT, o que foi o objetivo do PT na chantagem de 2018.

Nós seguiremos nos opondo ao desastre Bolsonaro, como nos opomos ao desastre Temer, ao golpe contra Dilma, à política econômica do segundo mandato de Dilma e faremos a crítica ao governo do PT e a autocrítica por nossa pequena participação nele.

Nos encontramos nas ruas. Do mesmo lado.

Não precisamos de unidade maior do que essa agora.

Precisávamos é nas eleições.

Mas eleição já passou, amigo Cappelli, e reconheço sua extrema dignidade nela e sua defesa dessa unidade, eu também a defendi até os 48 do segundo tempo.

Mas Lula tinha outros planos.

O resultado desses planos está aí hoje.

Publicado originalmente no Portal Disparada

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