Victor Lages, pela Fênix Filmes
Era uma vez um futebol e um cinema e o final da saga de Campanella (pelo menos aqui no Cafezinho). Depois de vermos o cineasta largando o curso de engenharia para estudar audiovisual em Nova York após assistir clássicos de Frank Capra e Bob Fosse, lançar suas primeiras obras, voltar para a Argentina, juntar-se ao ator Ricardo Darín, ser indicado ao Oscar por O FILHO DA NOIVA e vencer na categoria de Melhor Filme Estrangeiro em 2010 por O SEGREDO DOS SEUS OLHOS, hoje, na última parte da série, acompanharemos sua empreitada no futebol e no cinema metalinguístico.
No dia seguinte em que venceu a estatueta dourada da Academia de artes e Ciências Cinematográficas, Juan José Campanella começou a trabalhar no seu próximo lançamento, enveredando por um caminho que não tinha explorado até então: UM TIME SHOW DE BOLA (METEGOL, no original), uma animação em 3D sobre Amadeo, jovem dono de um café que possui uma mesa de pebolim que logo será destruído e vê os jogadores de metal da mesa ganharem vida para salvarem seu empreendimento.
No entanto, o enfoque proposto pelo diretor é mais profundo do que o aparentado pela superfície. “Não acho que o filme seja sobre futebol. Dizer que UM TIME SHOW DE BOLA é um filme sobre futebol é a mesma coisa de dizer que CASABLANCA é sobre a guerra! Aliás, eu nem gosto de futebol e não torço para nenhum time. O futebol e o pebolim aqui são temas paralelos a questões maiores, porque, para mim, o que importa é tratar dos valores humanos. Questões como amizade, trabalho em equipe e a superação dos valores pessoais são o foco do filme”, afirmou em uma entrevista feita no Brasil no lançamento do desenho.
Não foi um sucesso absoluto, mas também passou longe de ser um fracasso. Mesmo com a produção custando 20 milhões de dólares, conseguiu bom retorno do público, alcançando em torno de 2 milhões de ingressos vendidos apenas na Argentina. Mas o bonito de ver nesse filme foi a parceria entre a nação portenha e a brasileira, já que um dos animadores é daqui (o Michel Alencar) e foi ideia sua de usar a camisa verde e amarela para o uniforme dos jogadores de totó. “Quando eu e os argentinos da equipe vimos pensamos “não!!!”. Mas ele disse que o padrão da camisa não lembrava a camisa da seleção brasileira. E não lembra mesmo, são só as cores”, afirmou na época.
E trabalhar com 3D não foi uma tarefa fácil também. Durando cinco anos para produzir tudo, em um desenho animado só é possível ver uma cena inteira e finalizado após dois anos de trabalho intensivo nessa cena específica. E o resultado é incrível, desde a sensacional abertura que remete à 2001: UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Stanley Kubrick, à sequência final de um jogo de futebol que traz a mesma fluidez e grandiosidade que àquela já clássico plano-sequência de O SEGREDO DOS SEUS OLHOS. O fato é que, depois de descansar um pouco, Campanella foi aos Estados Unidos gravar umas séries e se dedicar a um roteiro que vinha escrevendo e revisando e reescrevendo desde os anos 90.
Amanhã, dia 16 de maio, estreia A GRANDE DAMA DO CINEMA, nono longa-metragem que traz Graciela Borges (uma espécie de Fernanda Montenegro/Meryl Streep portenha) como uma diva da era de ouro cinematográfica que vive em uma mansão com seu marido (um ator fracassado), um diretor das antigas e um roteirista aposentado e pode ver seu mundo desmoronar com a chegada de dois jovens corretores de imóveis.
O filme é um remake de LOS MUCHACHOS DE ANTES NO USABAN ARSÉNICO, de José Martínez Suárez, lançado em 1976 e posteriormente virando cult para o público argentino. Mas o processo de preparar uma regravação foi tão trabalhosa quanto sua produção anterior: “O primeiro tratamento do roteiro é de 1997 e fui amadurecendo e mudando até chegar a esta forma em que os personagens recordam os anos 60, 70, algo que encaixou perfeitamente com agora”, afirmou sobre essa atualização e sobre o estudo nas comédias subversivas que remetem à filmografia de Frank Capra, seu ídolo.
Mas, para trazer a história de volta à vida, era preciso um elenco tão espetacular quanto o diretor, quanto a própria narrativa. Sua ideia era que os quatro atores principais (Graciela Borges, Oscar Martínez, Marcus Mundstock e Luis Brandoni) tenham sido, mesmo, glórias do cinema antigo e que trouxessem ao público reconhecimento imediato com aqueles personagens que retratavam.
Além do desejo de refazer um filme que admira, Campanella também acredita que existe em A GRANDE DAMA DO CINEMA certos elementos comuns com outros longas seus. “A velhice é um tema que está em todas as minhas películas: O FILHO DA NOIVA, CLUBE DA LUTA, O SEGREDO DOS SEUS OLHOS… Me interessa a redefinição da velhice como um estado da alma e do corpo. É possível ser velho aos 28 anos e jovem aos 80. O corpo vai por outro viés. Me refiro que o que se passa na cabeça é o que define a pessoa”, defende. E isso é fato, como vemos no filme, de que não podemos duvidar da capacidade dos mais velhos, pois eles sempre nos surpreenderão com sua experiência.
E é isto! Campanella nos traz sempre, em seus filmes, as fraquezas, dúvidas, alegrias e outros sentimentos de homens comuns confrontados com o drama, o suspense, o humor e o romantismo. Acontecendo sempre de forma cíclica, o cotidiano e situações corriqueiras se esbarrando com o passado são características típicas de suas obras, como ele próprio disse em entrevista: “Meus filmes têm isso, personagens que querem seguir adiante e precisam voltar ao passado para resolver algumas situações”. E pode ter certeza de que isso tudo está em A GRANDE DAMA DO CINEMA, o retorno triunfal de um dos maiores cineastas contemporâneos latinos, quiçá do mundo.