O eterno retorno: com adesão a Nova Rota da Seda, Itália abre caminho para Europa voltar a olhar em direção ao Oriente.
Por Fabio Reis Vianna, do @contextogeopolítico
Na última semana do mês de março, o salão de festas do Palácio do Quirinale recebeu o presidente chinês Xi Jinping para um grande banquete entre autoridades italianas e chinesas, onde celebrou-se a assinatura do memorando de adesão da República italiana ao projeto estratégico eurasiático, mais conhecido como Nova Rota da Seda. Enquanto Xi Jinping era cortejado como um imperador e saboreava o delicioso Babà- popular doce napolitano banhado em rum-, muitos naquele salão certamente saboreavam o significado histórico daquele encontro, ou reencontro; que nos remete a mais de quinhentos anos de história.
No fim do século XIV as cidades — Estados do norte italiano se viam em meio ao acirramento da competição pelas rotas comerciais do Oriente; e enquanto guerreavam entre si, sem perceber, protagonizavam a desintegração do sistema comercial eurasiano, e o fim de um ciclo sistêmico de acumulação que as beneficiou amplamente.
Como areia escorrendo pelas mãos, o declínio da rota comercial centro-asiática em direção à China, que caminhou junta ao declínio dos mongóis- que asseguravam a segurança da rota-, e a ascensão do Império Otomano, foi um baque para a lucratividade comercial de Gênova. Por outro lado, e da mesma maneira, o controle veneziano da rota marítima sul-asiática veio a tornar-se obsoleto em razão do expansionismo ibérico e da descoberta de novas rotas comerciais para o Oriente a partir do Atlântico.
Era o outono da fabulosa expansão comercial das cidades-Estados da Itália setentrional; o que propiciou um acumulo de riqueza sem precedentes na história humana, e teve como um dos seus frutos mais lembrados toda a beleza artística que nos legou o Renascimento italiano.
Mas como diria Braudel, esse estímulo intelectual propiciado pela riqueza material e que nos legou gênios como Leonardo da Vinci e Michelangelo era um “sinal de outono”. A fase final do primeiro grande ciclo sistêmico de acumulação de riqueza que desembocaria inevitavelmente, assim como todos os ciclos sistêmicos posteriores, em sua derradeira fase de financeirização.
Portanto, o sistema já abundante materialmente, não via mais estímulo em manter sua expansão comercial- com todos os riscos inerentes a esse tipo de empreitada-, acomodando-se em colher os frutos e investindo na criação e desenvolvimento das altas finanças- verdadeiro protótipo da moderna forma capitalista- ; que teve em Florença e Gênova seus precursores.
Talvez em razão desta memória ancestral; depois de tantas guerras, a Itália contemporânea enxergue em sua adesão ao projeto eurasiático uma oportunidade de se antecipar, como protagonista, a inevitável mudança de eixo global que em termos geopolíticos, mais do que representar o inicio do fim de mais um ciclo sistêmico de acumulação, representa o fim de um longo ciclo de poder global na política internacional.
Sendo assim, nos estertores da ordem mundial liberal do século XX liderada pelos Estados Unidos, as elites italianas da contemporaneidade, mesmo divididas, fazem uma jogada arriscada porém necessária a um país com uma economia a longo período estagnada.
Diante das incertezas deste cada vez mais claro momento de transição do eixo do poder mundial, a República italiana, imersa em uma Europa sem liderança e sem rumo, ao assinar o memorando de adesão à Nova Rota da Seda, se coloca como pioneira dentre todas as economias desenvolvidas e com poder de barganha real ante o gigante asiático.
Para se ter uma idéia, só neste memorando preliminar, foram assinados acordos num total de 2.5 bilhões de euros, incluindo 10 com empresas estratégicas italianas, bem como, ministérios e órgãos da administração pública.
Importante ressaltar, que diferentemente da maneira como a Grécia se colocou diante dos chineses — praticamente entregando o porto de Pireu –, os italianos buscam claramente se postar soberanamente no projeto, tutelando seu interesse nacional, e não abrindo mão do uso de seu poder de veto, ou golden power, quando se tratar de qualquer ameaça a soberania nacional.
A esse respeito, as palavras do Premier italiano Giuseppe Conti durante o II Fórum da Nova Rota da Seda, realizado no último final de semana de abril em Pequim, são bem claras:
“Quando concluímos qualquer iniciativa que possa ter implicações politicas, adotamos a cautela de reforçar o golden power, e não porque existam riscos concretos, mas para evitar o risco potencial e para proteger nosso sistema estratégico”.
Nesta Nova Rota da Seda, a Itália tem absoluta consciência de sua importância geográfica, principalmente no que diz respeito à Rota da Seda Marítima, onde sua posição única e estratégica significam um enorme potencial para o comércio entre Europa e Ásia, comércio este que já representa praticamente 85% do total de trocas entre os dois continentes.
Assim como a velha República de Veneza foi um estratégico eixo entre o Ocidente e a antiga rota da seda, hoje o porto de Veneza apresenta um grande potencial e vem recebendo investimentos chineses para que se torne um super porto ligando diretamente Shangai à Suíça, sul da Alemanha, Àustria, Hungria e Balcãs em apenas cinco dias, prazo que seria impossível de ser alcançado pelos maiores portos do norte da Europa: Rotterdam e Hamburgo.
Até mesmo a sempre negligenciada Sicília, no sul da Itália, tem a expectativa de se beneficiar com a Nova Rota da Seda. Tendo sido visitado pessoalmente por Xi Jinping nesta ultima passagem do mandatário chinês pelo país, o porto de Palermo espera receber investimentos da ordem de 5 bilhões de euros, o que colocaria uma das mais pobres regiões da Itália na arquitetura central do projeto estratégico da Nova Rota da Seda e certamente induziria a Sicília a um futuro mais próspero em termos econômicos.
As expectativas são altas e a Itália precisa desesperadamente voltar a crescer.
Olhando pelo aspecto meramente do pragmatismo comercial, o fato concreto é que a Europa, e a Itália em particular, são invadidos por produtos chineses sem qualquer contrapartida concreta, e o memorando assinado pela Itália, portanto, busca equacionar essa desvantagem, olhando o grande potencial de atração que os produtos de luxo “Made in Italy” tem na China e demais países asiáticos. O objetivo final é entupir os portos chineses e asiáticos de produtos “Made in Italy”.
Do ponto de vista geopolítico, cabe ressaltar que a estratégia italiana vem acompanhada de sérios riscos.
Não por coincidência, no mesmo dia em que o premier italiano participava do II Fórum da Nova Rota da Seda, em Pequim, a embaixada americana em Roma postava no twitter um vídeo com duras críticas ao BRI — Belt and Road Initiative, nome original em inglês do projeto de integração eurasiano.
Levando em consideração o modus operandi dos Estados Unidos, fica subentendido que se trata de uma ameaça velada; e que poderá se confirmar de várias maneiras dentro do arsenal de guerra híbrida que vem sendo posto em prática nos últimos anos: de ataques especulativos à ataques terroristas. Tudo é possível para desestabilizar um país que se atreve a ir de encontro aos interesses estratégicos do império americano.
O fato é que no pós II guerra mundial, os Estados Unidos criaram um sistema de normas e instituições, a chamada Ordem Liberal, que buscava manter o sistema mundial sob sua liderança e onde cada país sabia exatamente sua posição hierárquica dentro do sistema.
Desde o fim da União Soviética, o poder americano vinha ganhando uma dimensão unipolar e de cunho imperial.
O início do século XXI vê surgir ( ou ressurgir), porém, dois atores globais atrevendo-se a desafiar o Estado Hegemon : Rússia e China; que se aliam num grande projeto de integração política e econômica eurasiano.
Diante deste cenário desafiador, o papel italiano como possível impulsionador de uma tomada de posição conjunta europeia é crucial.
Recentemente, a sempre reticente e indecisa chanceler alemã Angela Merkel, afirmou sobre a Nova Rota da Seda:
“Nós, como europeus, queremos desempenhar um papel ativo e isso deve levar a certa reciprocidade e ainda estamos discutindo sobre isso um pouco”.
O tempo caminha para uma escolha estratégica conjunta europeia.
As vantagens econômicas de se alinhar, sempre soberanamente, em direção aonde os ventos e oportunidades sopram são muito maiores que manter-se em posição de inércia e subserviente a um atlanticismo que já não trás vantagem alguma.
Em termos comparativos, a Nova Rota da Seda representa praticamente 12 vezes o Plano Marshall, abarcando 68 países; com previsão de investimentos que alcançarão cifras equivalentes a quase 1 trilhão de dólares.
Não seria exagero pensar que um mercado como o da União Europeia, que corresponde a quase 60% dos investimentos chineses, não seja crucial para o sucesso de um projeto de integração tão grandioso quanto o da Nova Rota da Seda.
Não seria exagero pensar que neste momento de vácuo de liderança global e alta competitividade por espaço, recursos naturais, mercados, e influência, a Europa não possa participar como protagonista de uma nova configuração do sistema mundial e de suas novas instituições.
O outono de um ciclo da política internacional pode ser sentido pelo vento frio que bate às portas do velho continente, mas talvez ainda dê tempo de fazer as escolhas certas.
Antes que seja tarde.
Paulo
08/05/2019 - 21h19
Marco Polo deve estar se remoendo no túmulo…
lucio
09/05/2019 - 06h44
investimento direto de empresas americanas na china aumentou 65% no ultimo ano… vcs nao sabem de nada, ingenuos…
LUPE
08/05/2019 - 19h33
Caros leitores
Quanto a nós o nosso brilhante “presidente” ,
extrema direita
eleito pela Grande Mídia ,
(quando esta botou
poderoso veneno de ódio ao petismo
na cabeça das pessoas)
deu um ponta pé n…………….. dos chineses
jogou pro alto (bilhões ?) de dólares.
Só prá dizer >>>
>> My beloved bosses , >> take it
(e me dá os meus milhões (de dólares )
Como se diz no teatro >>>> PANO, RÁPIDO ! ! !
Ivan
08/05/2019 - 13h07
E todos fazendo negócios com a China.
Quer dizer, quase todos né..