O medo raramente é bom conselheiro. E o medo de se perder a hegemonia no campo da esquerda está fazendo muitos companheiros adotarem táticas deploráveis.
Com a esquerda tão minoritária no país, e, sobretudo, com a falta de novas lideranças, é muito triste que setores supostamente progressistas gastem energias para tentar destruir uma das poucas vozes combativas que vem emergindo, como a da deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP).
O site Brasil 247 publicou matéria hoje, requentando vídeo postado pela deputada no dia 26 de fevereiro de 2019.
Infelizmente, não se pode qualificar de outra maneira: é jogo sujo. Trata-se de uma tentativa de se usar o clima de beligerância radical em torno do que acontece na Venezuela, sobretudo após a tentativa de golpe deflagrada no dia 30 de abril, liderada pelo presidente autoproclamado, Juan Guaidó, para se forçar o fuzilamento político sumário de Tábata.
Essa é a materialização do lema “ninguém solta a mão de ninguém”?
E com base em quê? Na manipulação incrivelmente desonesta de uma frase, tirada de seu contexto, dita pela deputada há mais de dois meses!
A descontextualização é tripla. Trata-se de uma opinião externada há tempos, em outra conjuntura, e a matéria não informa o leitor sobre a data, o que demonstra intenção espúria de fazê-lo pensar que foi dita agora.
A matéria também omite que Tábata inicia sua explanação sobre a Venezuela dizendo que é contra qualquer tipo de invasão ao país.
Por fim, o site afirma, no subtítulo, que Tábata Amaral tem “a mesma opinião de Bolsonaro e Trump”, o que é uma mentira abominável, conforme explico a seguir.
Enfim, o que disse Tábata ao final de fevereiro, no vídeo divulgado pelo 247?
O vídeo tem 35 minutos, poucos vão assisti-lo na íntegra, então as pessoas ficarão restritas às manchetes e subtítulos de sites que, ao que parecem, estão decididos a manchar a reputação da deputada.
Eu separei o trecho em que a deputada fala da Venezuela. São apenas 3 minutos, respondendo a pergunta de uma internauta.
A deputada começa sua resposta com a afirmação mais importante de todas: tanto ela como o movimento Acredito são contra, por princípio, contra qualquer tipo de intervenção em outro país.
Em seguida a deputada explica o que pensa sobre o tema. Ela considera o governo de Nicolas Maduro “ilegítimo”, e que Guaidó, como presidente do congresso nacional, deveria ser o “presidente interino” do país por 30 dias, para chamar novas eleições. Era o que ela (e muita gente) pensava, repito, dois meses atrás, não agora, até porque esses 30 dias já passaram há muito tempo e Guaidó fez muita besteira depois disso.
De qualquer forma, acho que a “legitimidade” de um governo não deveria ser questionada com tanta superficialidade. O movimento Acredito, que é uma organização progressista e comprometida com os interesses populares, segundo me parece, cometeu um erro.
Mas isso não justifica a desonestidade jornalística contra a deputada. Sua posição pode ser ingênua, mas não é simplória.
O problema do “bolhismo” é aqui muito grave. Setores da esquerda brasileira parecem querer ver apenas o que lhes interessa.
A opinião da Tábata sobre a Venezuela era partilhada por uma boa parte do campo progressista nacional e pela maioria da esquerda a nível internacional.
Guaidó foi reconhecido como presidente interino pelos governos socialistas de Portugal e Espanha, por exemplo.
O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, defendeu novas eleições, sob supervisão da ONU.
Nos EUA, o senador Bernie Sanders, já externou posições bastante duras contra o governo Maduro, afirmando que ele “violou a Constituição”.
A deputada Alexandria Ocasio Cortez, conhecida pela sigla AOC, recentemente se posicionou sobre a questão da legitimidade do governo Maduro afirmando que “seguirá a posição de seu partido”, o Democrata. Como o partido, nessa questão, não é favorável ao regime bolivariano, AOC deixou claro que também não é.
A posição de AOC não foi surpresa, desde que a deputada vinha fugindo de questões referentes à Venezuela como o diabo foge da cruz.
No PSOL, o ex-deputado Jean Wyllys ataca o regime de Nicolas Maduro desde 2017. O seu substituto na Câmara, David Miranda, tem opiniões parecidas.
No PDT, partido de Tábata Amaral, o vice-presidente da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini, Everton Gomes, um quadro histórico do partido, explicou, em longa entrevista ao Cafezinho, que também considera o governo Maduro ilegítimo. Gomes observa que “tanto a esquerda quanto a direita” em geral são muito mal informados sobre o que acontece na Venezuela.
Assista à entrevista no minuto 1:32:09:
Repetindo, não tenho a mesma opinião, nesses pontos, da Tábata ou do Everton, mas também não me reinvindico dono exclusivo da verdade, e entendo que todos nós, na esquerda, na centro-esquerda e em muitos setores da direita democrática, estamos unidos contra qualquer intervenção estrangeira na Venezuela.
Isso sim deveria ser destacado!
Bolsonaro e Trump defendem, abertamente, uma intervenção estrangeira na Venezuela, o que Tábata repudia.
O subtítulo do 247, portanto, dizendo que Tábata “defende a mesma opinião de Bolsonaro e Trump de que o presidente Nicolás Maduro não é legítimo”, representa um exemplo lamentável de manipulação da informação, que tem como objetivo principal transformar a deputada em alvo de uma militância pouco afeita à reflexão crítica.
Esse tipo de jornalismo, ou de postura política, não ajuda nem o campo progressista muito menos a Venezuela.
Seria importante que a esquerda repudiasse o jogo sujo e as fakes news, especialmente contra seus próprios representantes.
Hoje, as armas mais letais do imperialismo são a mentira e a manipulação: para nos defender, precisamos construir redes sólidas de contra-informação, baseadas na credibilidade, no tratamento ético das notícias e no respeito à pluralidade de opiniões de nosso próprio campo.
Abaixo, a matéria do 247.
Tábata Amaral diz que Guaidó é presidente da Venezuela
A deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP) considera que Juan Duaidó é o presidente da Venezuela. Ela defende a mesma opinião de Bolsonaro e Trump de que o presidente Nicolás Maduro não é legítimo. “Guaidó é sim o presidente interino”, diz Tábata em vídeo que divulgou pelas redes sociais
6 de Maio de 2019 às 07:27
247 – A deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP) considera que Juan Duaidó é o presidente da Venezuela. Ela defende a mesma opinião de Bolsonaro e Trump de que o presidente Nicolás Maduro não é legítimo. “Guaidó é sim o presidente interino”, diz Tábata, em vídeo que divulgou pelas redes sociais.
Ela já tinha causado polêmica quando defendeu a “ajuda humanitária” dos Estados Unidos ao país sul-americano, quando postou um texto nas redes sociais em fevereiro último.
“A crise na Venezuela é política e humanitária. Os governantes não podem, para fazer valer a ideologia que os elegeu, prejudicar o povo. Nossos vizinhos carecem de tudo, de alimentos a medicamentos, além de terem perdido a normalidade da vida. Que a ajuda humanitária chegue a quem precisa sem conflitos. Minha solidariedade aos venezuelanos e aos brasileiros que moram na fronteira e também estão sofrendo”, disse a deputada.
No Instagram, a deputada compartilhou post do movimento Acredito, do qual faz parte, que reconhece Juan Guaidó como presidente da Venezuela.