Os fatos históricos ficam conhecidos, com o decorrer dos anos, décadas e séculos, por suas especificidades mais marcantes e reveladoras.
No caso da ignóbil prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, embora estejamos ainda em meio ao turbilhão de acontecimentos e meandros que envolvem a complexa operação de pintar como legal uma prisão política, é possível destacar alguns elementos que, por emblemáticos, fatalmente serão lembrados por muito tempo.
O mais óbvio é a trajetória de Sergio Moro, o “ativista político disfarçado de juiz” – recente definição dada pelo ex-primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates – que cometeu pesadas e abundantes ilegalidades até a condenação e ordem de prisão contra Lula para em seguida ser premiado com o cargo de Ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro. Bolsonaro foi o grande beneficiário, no mundo político, do medievalismo penal de Moro e da Lava Jato.
Outros elementos deverão entrar para os anais da história, como a delação arranjada de Léo Pinheiro – a patética “prova” do envolvimento de Lula no recebimento de propinas – e a participação fulcral da grande mídia na interminável perseguição ao ex-presidente.
Na semana em que o STJ reduziu a sua pena mas corroborou as aberrações jurídicas que “sustentam” o processo – uma decisão que será solenemente esquecida pela história – quero falar sobre uma impressionante virtude que sobressai deste inferno político-jurídico-midiático: a força interna de Lula.
A monja zen budista Coen Roshi, conhecida como Monja Coen, visitou Lula na prisão há pouco menos de um ano. Monja Coen está longe de ser petista ou mesmo uma militante de esquerda. A maior parte da sua vida é dedicada à espiritualidade. Suas palestras – ótimas, por sinal – sobre budismo e outros temas espirituais são bastante conhecidas.
Após a visita, a monja disse que Lula é “um líder carismático, querido, amado, porque é bom. Estive com ele agora. Os seus olhos são puros. Ele disse: ‘Eu tenho trabalhado em mim mesmo a ‘não raiva'”. A “não raiva” é, para o budismo e diversas outras religiões e filosofias, um estágio avançado de evolução espiritual. De fato, não é uma tarefa simples dominar a própria mente a ponto de não desenvolver raiva nem mesmo dos algozes.
Monja Coen falou ainda que Lula “tem um coração que a gente diria que é o coração do Buda. É de uma ternura, de um amor, de uma inteligência e de uma sensibilidade. Se interessa pelas pessoas, se interessa pela vida”.
Não é trivial a afirmação de que Lula tem “o coração do Buda”. A palavra Buda é utilizada para designar quem alcançou a plenitude da condição humana e, assim, se libertou do sofrimento, dando fim ao ciclo de renascimentos e mortes.
Não é necessário crer na reencarnação para perceber a profunda sabedoria contida nos ensinamentos do Buda mais famoso, Sidarta Gautama (563 a.C a 483 a.C.). Por meio de explicações deveras racionais sobre a existência, Sidarta explica o caminho a ser percorrido para libertarmo-nos do sofrimento. Ter o coração de um Buda é, indubitavelmente, uma boa meta de vida. Segundo a Monja Coen, Lula já chegou lá.
A máquina de moer gente movida a ódio, arbítrio e violência, a qual podemos chamar de lavajatismo, chegou ao poder central. No seu furioso caminho, contudo, criou um mártir.
A prisão de Lula é um episódio histórico dramaticamente triste. A força interna que o ex-presidente demonstra, após mais de um ano no cárcere, é, todavia, mais uma demonstração de que injustiça alguma pode vergar a sede humana por liberdade.
É também um coroamento para sua inverossímil trajetória: infância pobre, sindicalista de massas, presidente do Brasil, preso político. E o coração do Buda.