Victor Lages, pela Fênix Filmes
Todo ano há lançamento de milhares de filmes no mundo inteiro, como é normal. Mas, desde que o cinema foi criado, entre decadências e renascimentos do audiovisual, há períodos marcados por obras representativas que viraram clássicas (instantâneas ou posteriormente). Há épocas ainda que são consideradas annus mirabilis, expressão latina traduzida como “ano divino”, usada para referenciar um ano em que houve grande desenvolvimento em alguma área específica.
Já passamos por 1939 com E O VENTO LEVOU, O MÁGICO DE OZ e NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS; 1960 nos trouxe PSICOSE, A DOCE VIDA e ACOSSADO; 1976 tinha TAXI DRIVER, REDE DE INTRIGAS, TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE e ROCKY; 1994 apresentou FORREST GUMP, UM SONHO DE LIBERDADE, PULP FICTION, O REI LEÃO e A FRATERNIDADE É VERMELHA; e 1999 presenteava os espectadores com MAGNOLIA, MATRIX, BELEZA AMERICANA, À ESPERA DE UM MILAGRE, O SEXTO SENTIDO, QUERO SER JOHN MALKOVICH e TUDO SOBRE MINHA MÃE.
E aí veio o século XXI, o qual já estamos há quase duas décadas e, a cada temporada de premiações, nos deparamos com um ou outro filme que pode ser colocado no patamar de melhores do cinema. Exceto pelo ano de 2007, que serviu como um abrir de olhos de que entramos, realmente, em uma nova era do audiovisual. Não em questão de tecnologia, mas em nos apresentar quem vai ser lembrado como obras-primas quando cinéfilos do século XXX estudarem o cinema de agora. E, para facilitar a apresentação desse annus mirabilis, é melhor dividir os próximos 24 filmes em categorias.
Filmes dramáticos para se sentir bem
Sempre temos aquela seleção de filmes que, mesmo com alguns percalços e sofrimentos na história, conseguem nos deixar amando mais a vida e com um sorrisinho no rosto. PERSEPOLIS é um exemplo disso. Marjane Sartrapi já tinha contado sua vida por meio de história em quadrinhos, mas adaptou para o cinema o seu crescimento na Revolução Islâmica no Irã e sua luta pela liberdade. No mínimo, é uma experiência visual única e inspiradora. Tal qual seu semelhante em animação, RATATOUILLE, que conta a saga de um ratinho que quer ser um chef de cozinha francês. Indo na mesma linha de protagonistas se superando e utilizando o humor para esconder mágoas, está JUNO, uma adolescente que engravida e decide dar seu filho para a adoção; é impossível não chorar na cena do pós-parto, mas o final é marinado da certeza de que a personagem amadureceu no seu processo e isso nos deixa felizes enquanto espectadores dentro do drama cômico. Por fim, A FAMÍLIA SAVAGE é outra peça da mistura boa entre fatalidades e graças, ao mostrar dois irmãos que precisam se provar responsáveis ao terem que cuidar de seu pai doente.
Filmes sobre música que são tão grandes quanto seus cantores
2007 também foi um grande ano para os filmes musicais ou sobre música. Teve A VIDA É DURA e SWEENEY TODD, mas estes não entram nessa lista porque há outros quatro que merecem bem mais. Como já falei de APENAS UMA VEZ no texto da semana passada, vou só reforçar o aviso: assista! Da mesma safra, saía CONTROL, a história em preto e branco de Ian Curtis, cantor da banda de pós-punk Joy Division, que cometeu suicídio aos 23 anos. Outra cinebiografia foi o sensível PIAF: UM HINO AO AMOR, filme que mostrou Marion Cotillard ao mundo e que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz e com toda a razão. Marion encarnou com brilhantismo a cantora francesa Édith Piaf, que foi criada em um bordel, teve sua voz descoberta aos 19 anos e levou uma vida recheada de tragédias e sucesso. Por fim, temos NÃO ESTOU LÁ, espécime rara de biografia que coloca seis atores interpretando seis personagens em seis narrativas filmadas em seis estilos diferentes para mostrar as múltiplas facetas do músico folk Bob Dylan; cada persona dessas se esconde à sua maneira ao mesmo tempo em que revelam o misterioso mosaico que é o próprio cantor, tão místico quanto suas canções e este filme.
Filmes de crimes que guardam segredos
Nos percalços de investigação criminal, temos quatro ótimos cineastas se provando novos mestres do suspense (e um bônus estreando na direção). David Fincher resgatou seu talento mostrado em SEVEN para compor ZODÍACO e sua trama real do cartunista que se transforma em um detetive amador obcecado por um serial killer que aterroriza os Estados Unidos por meio de jornais. Andrew Dominik surpreendeu a todos ao contar com detalhes tudo o que já está no título do seu filme: O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD. Mas a obra vai além graças às ótimas atuações de Brad Pitt e Casey Affleck, com destaque ainda à melhor fotografia que Roger Deakins já fez em sua longa carreira. O GÂNGSTER também faz justiça ao legado do diretor Ridley Scott ao mostrar a vida tridimensional do traficante de drogas encarnado por Denzel Washington e o policial que está encarregado de capturá-lo. Na mesma via, ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO finaliza a carreira do célebre Sidney Lumet (que nos presenteou com 12 HOMENS E UMA SENTENÇA e UM DIA DE CÃO) contando a saga de pessoas comuns, praticamente estúpidas, que decidem assaltar a joalheria dos pais para conseguir o dinheiro do seguro, mas nada sai como o planejado, como em toda boa comédia de erros. Para fechar a lista, aqui vai um bônus: MEDO DA VERDADE, estreia de respeito de Ben Affleck na direção.
Filmes nacionais que vão de um extremo ao outro
O Brasil também teve ótimos representantes em 2007. TROPA DE ELITE, apesar de divergir opiniões, fez história ao ganhar o Urso de Ouro em Berlim e conquistar mais de 10 milhões de reais em bilheteria, colocando José Padilha nos olhos de Hollywood. No extremo oposto, com Wagner Moura saindo do drama para a comédia, Jorge Furtado lançava o excelentemente crítico SANEAMENTO BÁSICO: O FILME, ao narrar a história de moradores de uma vila na serra gaúcha que faz um filme para poder construir uma fossa para o tratamento de esgoto. Diferente do que tem no título, esse longa não tem nada de básico, bem como O CHEIRO DO RALO, de Heitor Dhalia, obra que traz Selton Mello como um dono de loja que ganha a vida comprando tranqueiras de quem precisa de dinheiro. Para completar o quadrado, o saudoso Eduardo Coutinho emocionava a todos com as histórias reais de mulheres, confrontando os espectadores com o que é verdade, o que é ficção e o que é interpretação.
Filmes de drama para machucar corações e mentes
Chegando ao drama com alguns toques de romance trágico e calcados no choro livre, estão os últimos de vários filmes que marcaram esse ano divino. Da Romênia, 4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS ganhava a Palma de Ouro com a história de uma mulher que assiste sua amiga praticar um aborto ilegal nos anos 80; e da França, O ESCAFANDRO E A BORBOLETA contava as frustrações, confusões e medos de um homem que sofre um infarto e fica preso dentro do seu próprio corpo, tendo só seu olho esquerdo como canal de comunicação. NA NATUREZA SELVAGEM colocou o Sean Penn na direção para retratar a verdadeira história de um jovem que abdica de tudo para viver livremente na natureza, em uma jornada de autoconhecimento e descobertas inspiradoras na busca do que se acredita que trará felicidade. A GAROTA IDEAL igualmente nos tira da nossa zona de conforto para discutirmos se o que vale a pena é acreditar na nossa própria verdade ou encarar a realidade quando vemos um homem que mantém um relacionamento amoroso nada convencional com uma boneca, mas que consegue sensibilizar a cidade inteira em que vive. Poderia ter entrado na categoria de filmes dramáticos para se sentir bem e talvez, se um dia eu refizer essa lista, eu acrescente-o lá, mas, por hoje, acredito que A GAROTA IDEAL está mais a machucar coração.
Para encerrar com dignidade, estão aqui, possivelmente, os melhores representantes desse ano, os que viraram clássicos instantâneos e que, mesmo mais de uma década depois, estão a ser lembrados em várias listas de maiores obras do século XXI. DESEJO E REPARAÇÃO, de Joe Wright, fez o que muita gente achava impossível: adaptou o livro de Ian McEwan sobre um amor proibido interrompido por má interpretações de fatos, uma guerra e uma criança que acusa um homem de um crime que ele não cometeu. CONDUTA DE RISCO põe George Clooney como um advogado encarregado por limpar os nomes e os erros de seus clientes, mas a custos muito altos, principalmente ao se dar conta da pessoa nefasta que se tornou. E aí chegamos ao ápice dessa lista que nos mostra como a vida realmente é: sem finais felizes, mas excedendo expectativas. ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ consagrou os irmãos Coen como os excelentes diretores que eles são quando colocam em conflito um homem comum que encontra uma mala com 2 milhões de dólares no deserto, um assassino de aluguel que, como um personagem fala, “é mais fatal que a peste negra” e um xerife que tenta compreender todo o quebra-cabeça. Por fim, Paul Thomas Anderson cria sua melhor obra com SANGUE NEGRO, bem como Daniel Day-Lewis dá sua melhor interpretação como um homem que dedica sua vida à extração de petróleo, deixando seu filho, sua cidade, a igreja e sua própria sanidade mental para trás se for preciso. A cena com o monólogo do “EU BEBO O SEU MILK-SHAKE” já está marcada eternamente na memória de quem a assistiu.
E com isso, encerra-se o ano de 2007, com uma das melhores safras do audiovisual. O que resta pedir ao mundo do cinema é só que venham mais anos como esse. Para finalizar, a única dica que deixo aqui, depois dessa longa apresentação sobre o annus mirabilis, é: se tiver algum filme que você ainda não viu da lista, só escolhe qualquer um e assista! Pode confiar!
Não interessa
31/12/2022 - 14h42
Vai se fuder, cara chato do caralho
Alberto
14/04/2019 - 08h41
Admiro muito o cafezinho, mas acho essa coluna de cinema discrepante. Muito ruim, muito geek, puro lugar comum, cheia de bobagens de uma cinefilia meio teen/pop. Vergonhoso.
Quando nossa esquerda vai lidar com cultura é sempre um desastre. Infelizmente.