A pesquisa Datafolha divulgada ontem mostra um país ainda fortemente polarizado, com “bolsominions”, de um lado, ainda otimistas e dando apoio a Bolsonaro, e “petistas”, de outro, agarrando-se a todo tipo de autoilusão e delírio, e portando-se, muitas vezes, como se fossem eles que tivessem vencido as eleições.
Essa é a grande diferença para governos anteriores. Outros presidentes não se elegeram montados em polarização tão radical, e quando iniciaram seu mandato, de qualquer forma, procuraram minimizá-la e se comunicar com o total da população.
Bolsonaro age de forma muito diferente. Elegeu-se com a força do antipetismo, e mesmo após tomar posse continua apostando na polarização.
Na Folha de hoje, analistas dizem temer que Bolsonaro, diante da queda de popularidade, aposte em mais radicalização. Ora, essa avaliação é fútil, porque Bolsonaro já deixou claro que sua estratégia é justamente essa: apostar na radicalização e no ódio.
A estratégia de Bolsonaro complementa a do PT e das forças sob sua influência.
Com o principal partido de oposição centralizando a luta política na campanha Lula Livre, a Bolsonaro basta continuar apostando na mesma imagem que lhe deu a vitória: ser o antípoda de Lula e do PT. Ele nem precisa fazer nada, basta, como ele fez há pouco, afirmar que veio para “desconstruir”.
O Datafolha não fez (ou ainda não divulgou) nova pesquisa sobre o apoio à prisão do ex-presidente, mas nada indica que esta tenha mudado desde a última sondagem sobre o tema, às vésperas do primeiro turno de 2018:
Como se vê nas tabelas acima, o apoio à prisão de Lula chega a 70% entre eleitores com ensino superior, a 75% entre eleitores de classe média, 56% entre eleitores entre 25 a 34 anos, e 65% no Sul.
Não deveríamos avaliar esses números como se todos fossem “fascistas”, ou adeptos de condenação sem provas. Me parece mais razoável entender que são pessoas que deixam sua visão crítica sobre os governos petistas contaminar a opinião que fazem do processo judicial movido contra o ex-presidente.
Essa conjuntura desfavorável é a principal razão pela qual alguns setores progressistas defendem que a oposição a Bolsonaro não deveria centralizar-se em torno da campanha pela liberdade de Lula. A questão poderia ainda ser vista de outra maneira: a campanha pela liberdade de Lula não deveria ser mostrada como a única saída para derrotar Bolsonaro. Isso acaba atrapalhando a defesa do ex-presidente, pois leva a opinião pública a acusar qualquer magistrado, que cogite ajudar o presidente a se livrar das acusações injustas que lhe imputaram, de cúmplice de uma estratégia política para levar o PT de volta à presidência.
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A rejeição a Bolsonaro é concentrada em eleitores que votaram em Haddad no segundo turno. Entre seus próprios eleitores, o capitão vai muito bem, obrigado.
O gráfico abaixo, divulgado no Fantástico, mostra que, entre eleitores de Bolsonaro, o seu percentual de ótimo/bom é de 54%, e apenas 9% acham seu governo ruim/péssimo.
Estes são os números que importam para Bolsonaro.
Abaixo, os números gerais de aprovação, comparados ao de outros governos.
Na edição desta segunda-feira, a Folha adianta mais números que corroboram a forte polarização da sociedade: entre eleitores de Bolsonaro, 68% acham que a economia vai melhorar e 72% esperam progresso em sua vida; ao passo que, entre eleitores de Haddad, apenas 30% acreditam em melhora da economia e 44% estão otimistas em relação a seu próprio caso.
A polarização fica ainda mais clara na avaliação sobre o desemprego: para 43% dos eleitores de Bolsonaro, o desemprego vai diminuir, e 34% acham que vai crescer; entre eleitores de Haddad, 64% esperam aumento do desemprego, e 13% acreditam em sua queda.
Na estratificação por renda da pesquisa, nota-se manutenção do mesmo cenário que deu vitória a Bolsonaro: sua base de apoio continua sendo a classe média, o Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste, e o eleitorado mais instruído, com muito peso nas redes sociais.
E mesmo que os eleitores com este perfil não se identifiquem totalmente com Bolsonaro – e outros números do Datafolha mostram que não se identificam, por exemplo, com algumas das bandeiras mais ideológicas do governo (como o apoio à ditadura) -, eles comungam de um valor comum: a rejeição ao PT e o apoio a prisão de Lula, e isto basta para manterem um apoio “crítico” ao governo Bolsonaro.
Esta é a razão do desprezo de Bolsonaro pelo Datafolha: ele já conhecia os números, e sabe muito bem o que está fazendo e para onde está indo. Com as redes sociais, é possível sempre ter uma ideia do que pensa o país sem necessidade de pesquisas tradicionais (estas ajudam a confirmar e dar cientificidade ao que se observa empiricamente nas redes).
Com o presidente seguro de que mantém um apoio razoável entre eleitores de classe média e do nordeste para baixo, seu maior desafio será quebrar a resistência dos estados e classes sociais mais lulistas. Para isso, ele tem um importante trunfo na mão: o décimo terceiro do bolsa família.
Segundo o noticiário, Bolsonaro já está preparando viagens ao nordeste para anunciar a novidade, que será paga ao final do ano.
A estratégia parece vir diretamente de Steve Bannon, um entusiasta do “populismo de direita”. E assim o Bolsa Família será convertido num instrumento gigantesco de controle de opinião, o que é um movimento até meio óbvio.
O décimo terceiro para o Bolsa Família é uma ideia simples e genial de Bolsonaro, e comprova, mais um vez, o erro colossal dos governos petistas, ao apostarem todas as suas fichas no consumismo e na assistência social, sem prestar atenção à necessidade de fortalecer a indústria brasileira, modernizar o sistema nacional de comunicação, democratizar o sistema de justiça, e elevar o grau de consciência política da sociedade.
O presidente reagiu ao Datafolha com desprezo, dizendo que não daria bola para uma pesquisa que lhe mostrava perdendo de todos no segundo turno. Essa é, porém, uma injustiça de Bolsonaro. Não foi bem assim. O Datafolha sempre mostrou que Bolsonaro ganhava de Haddad no segundo turno. Quem efetivamente perdia de todo mundo, segundo o Datafolha, era Fernando Haddad.
Nos últimos cenários do Datafolha para o segundo turno, feitos entre 19 de setembro e 6 de outubro, Haddad perdia para Bolsonaro, Marina (com a ex-senadora empata, na verdade, mas apenas na última pesquisa), Alckmin e Ciro.
Nesta página (clique aqui), compilei os gráficos com a evolução de todos os cenários para os segundo turno do Datafolha, feitos antes do primeiro turno.
Uma situação preocupante, para o futuro do campo progressista, é que as mesmas vozes que passaram todo o primeiro turno fazendo delirantes profecias de vitória (Haddad terminará primeiro turno na liderança, PT ganhará, etc) que não se materializaram, repetem agora a mesma postura. Ao invés de análises ponderadas, críticas, que ajudem a construir estratégias inteligentes, estão vaticinando que Bolsonaro cairá a qualquer momento, que o PT já está no segundo turno de 2022 e que o PT voltará ao poder em 2022. Esse tipo de postura – que é coerente com a centralização da agenda no “Lula Livre” – ajuda a Bolsonaro a coesionar o seu eleitorado em torno dos mesmos valores e sentimentos que galvanizaram a sua candidatura e a sua vitória.