O relatório completo da última pesquisa Datafolha traz muito mais do que apenas a aprovação do governo Bolsonaro. Ela nos permite visualizar as diferenças políticas, sobre diversas questões fundamentais, entre as classes sociais, regiões geográficas, faixas estárias e níveis de escolaridade.
Vamos fazer uma análise detalhada dos números.
Logo no início da pesquisa, ainda na parte que traça o perfil dos entrevistados, o Datafolha levanta a preferência partidária dos brasileiros.
O “partido” que lidera, de longe, a preferência dos brasileiros é o “nenhum”: 65% dos brasileiros responderam não possuir nenhuma preferência partidária.
Em segundo lugar vem o PT, com 14% de preferência, um de seus pontos mais baixos dos últimos anos. Pouco antes do segundo turno das eleições de 2018, por exemplo, o PT conseguira elevar seu índice de preferência partidária para 22%, segundo o Datafolha; nessa mesma pesquisa, 55% dos brasileiros responderam que não tinham nenhuma preferência partidária.
No início do governo Dilma, ao final de março de 2011, o PT chegou a pontuar 26% de preferência partidária, segundo o Datafolha.
Outras legendas de esquerda tem alguma pontuação apenas entre eleitores mais instruídos e de maior renda, e as únicas que não ficam no zero a zero são PSOL e PDT. O PSOL chega a marcar 7 pontos entre eleitores com renda superior a 10 salários. O PDT pontua 3 pontos entre eleitores de renda mais alta.
Na tabela com a ocupação profissional dos entrevistados, encontramos alguns dados curiosos: entre pessoas que declararam “viver de rendas”, 14% declararam preferência pelo PSL, partido de Bolsonaro; é o único partido que os entrevistados dessa modalidade marcaram.
Entre profissionais liberais, o líder é o PDT de Ciro Gomes, com 22% de preferência, seguido pelo PSDB, com 18%, PSOL, com 10% e PT, com 9%.
O PT é forte no segmento dos assalariados sem registro, onde marcou 23% de preferência partidária, e também entre os desempregados, onde tem 20%.
Outro destaque para o PT é a preferência entre o eleitorado que se declara preto e índio: entre os primeiros, o partido tem 20% da preferência, e 27% entre os segundos.
Entretanto, para se ter um entendimento mais abrangente do que os brasileiros pensam sobre os partidos é preciso também olhar para a rejeição, e infelizmente os institutos de pesquisa apenas esporadicamente apuram esse dado. O Ibope, por exemplo, fez uma pesquisa, ao final de outubro, em que perguntou aos entrevistados qual partido não votaria “de jeito nenhum”. O resultado está nas tabelas abaixo.
Como se vê, embora o PT seja o partido preferido, hoje, segundo o Dataafolha, por 14% dos brasileiros, ele também é o mais rejeitado, e por um percentual muito maior. Na época da pesquisa Ibope, 21 a 23 de outubro de 2018, o PT tinha 22% de preferência, e 38% de rejeição.
Quando se examinam os dados estratificados, identificamos quais setores sociais mais rejeitam o PT: entre eleitores com renda familiar entre 2 e 5 salários, a rejeição ao partido era de 47%, e entre aqueles com renda familiar acima de 5 salários, de 53%. No Sudeste, a rejeição ao PT já era de 44%; no Sul, de 43%; nas capitais, 42%.
O maior problema do PT – e isso é grave, porque é o segmento mais atuante em redes sociais – está entre eleitores mais instruídos: entre os com ensino médio, 41% responderam que não votariam “de jeito nenhum” no partido, percentual que sobe para 49% entre eleitores com ensino superior.
A rejeição a outros partidos é insignificante.
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Vamos adiante.
Sinceramente, acho fútil a comparação da aprovação a Bolsonaro com outros presidentes em “primeiro mandato”. O certo, a meu ver, é comparar esse Datafolha com a mesma data do último presidente eleito, no caso, Dilma Rousseff, porque Bolsonaro foi eleito justamente como um contraponto aos valores e símbolos representados pela petista, em especial a Dilma segundo mandato.
Mas comparemos também com os cem primeiros dias do primeiro mandato de Dilma, quando a presidente petista era muito bem avaliada.
As tabelas acima mostram que Bolsonaro tem quase três vezes mais aprovação que Dilma Rousseff após cem dias de seu segundo mandato. Bolsonaro tem hoje 32% de ótimo/bom, enquanto Dilma tinha apenas 13% de ótimo/bom no início de abril de 2015. No mesmo período de 2011, no entanto, quando a petista completava os cem primeiros dias de seu primeiro mandato, o seu índice de ótimo/bom era de 47%.
Entretanto, em alguns segmentos importantes, Bolsonaro tem pontuações ainda melhores do que a Dilma do primeiro mandato.
Entre eleitores com renda familiar entre 5 e 10 salários, Bolsonaro tem hoje 43% de ótimo/bom; no mesmo período do primeiro mandato de Dilma, ela tinha 40% nesse mesmo segmento. A diferença na linha ruim/péssimo, no entanto, dá vantagem à Dilma: a petista tinha índices quase insignificantes de rejeição, ao passo que Bolsonaro, hoje, tem rejeição relevante em todos os segmentos, o que reflete um ambiente muito mais polarizado.
Na estratificação por ocupação profissional, observa-se que Bolsonaro tem aprovação alta nos seguintes segmentos: autônomo regular (37%), profissional liberal (47%), empresário (57%) e aposentado (36%). Seu pior desempenho está entre os desempregados, onde ele tem rejeição de 40%.
Na tabela detalhada por raça e religião, Bolsonaro tem aprovação maior entre brancos (39%), indígenas (35%) e evangélicos (42%). Entre brasileiros católicos, Bolsonaro já é mais rejeitado (31% de ruim/péssimo) do que aprovado (27% ótimo/bom).
Entre pretos, Bolsonaro tem rejeição de 37% e aprovação de 29%.
A tabela acima mostra que a rejeição a Bolsonaro é muito maior no nordeste (39%) do que a média nacional (30%). A região Sul é a que mais apoia o presidente, prestigiando-lhe com 39% de ótimo/bom e 22% de ruim/péssimo.
Interessante notar que, na divisão por partidos, fica patente que parte do eleitorado com preferência pelo PT não tem muita organicidade ideológica, visto que 13% destes eleitores dão ótimo/bom para Bolsonaro, 27% dão regular e 58% dão ruim/péssimo. O PSOL, por sua vez, é bem mais orgânico: 84% dos eleitores que declararam preferência pelo partido deram ruim/péssimo para Bolsonaro.
Entre os brasileiros que não tem nenhuma preferência partidária 32% deram ótimo/bom para Bolsonaro, 36% regular e 27% ruim/péssimo. Entre eleitores com preferência pelo PSL, não houve nenhum ruim/péssimo.
A tabela de cima revela que a rejeição a Bolsonaro está praticamente toda concentrada no eleitorado de Haddad. Como a estratégia de Bolsonaro tem sido justamente a de manter a provocação, então explica-se porque o resultado dessa pesquisa não foi nenhuma surpresa para ele.
Entre eleitores de Bolsonaro, 54% lhe deram ótimo/bom, 33% regular, e apenas 9% ruim/péssimo. Entre eleitores de Haddad, há somente 7% de ótimo/bom, 28% de regular e 63% de ruim/péssimo. Entre eleitores que votaram branco ou nulo, o Datafolha identificou 12% de ótimo/bom, 39% de regular e 39% de ruim/péssimo.
A tabela abaixo é muito interessante, por mostrar que as duas ocupações que mais apoiam Bolsonaro são: empresários e os que “vivem de renda”. Entre empresários, temos 37% dos entrevistados dando nota 8 a 10; entre os que vivem de renda, 44% deram nota 8 a 10 para Bolsonaro.
As duas tabelas acima trazem os únicos números que, a meu ver, realmente podem preocupar Bolsonaro. Mesmo entre o núcleo de seu eleitorado, na classe média, com ensino superior, e que votaram nele, temos muita gente que considera que ele fez pelo país menos do que se esperava.
Entre entrevistados pelo Datafolha que declararam voto em Bolsonaro, 42% responderam que ele fez menos do que esperava.
Entretanto, um total de 52%, ainda entre eleitores de Bolsonaro, e somando os que responderam que Bolsonaro fez mais do que se esperava com os que acham que ele fez o que se esperava, parecem inteiramente satisfeitos com o presidente, e isso não é pouca coisa.
As tabelas acima revelam como a esquerda se equivoca dentro de sua bolha, quando acha que Bolsonaro já estaria “queimado” junto à maioria. Segundo o Datafolha, 27% dos brasileiros acham que Bolsonaro se comporta como um presidente deveria se comportar, e outros 27% são tolerantes ao ponto de afirmar que ele se comporta bem na “maioria” das vezes, mas em “algumas” não.
Entre seus próprios eleitores, 41% acham que Bolsonaro se comporta exemplarmente, ao passo que 34% acham que ele é exemplar na maioria das vezes, mas em algumas não. Entre eleitores de Haddad, 46% responderam que Bolsonaro não se comporta como um presidente deveria em nenhuma situação. Curiosamente, contudo, 25% dos eleitores de Haddad tem visão tolerante sobre o comportamento de Bolsonaro: 8% acham que ele se comporta bem, e 17% que ele se comporta bem na maioria das vezes.
As tabelas acima mostram o risco a ser corrido pela oposição, para não ser apresentada como uma força que, por ambição de poder, deseja o mal à sociedade. A maioria dos brasileiros, 59%, acha que daqui para frente o presidente Bolsonaro fará um governo ótimo/bom. Entre eleitores de Bolsonaro, 84% estão otimistas. Mesmo entre eleitores de Haddad, temos 27% que consideram que Bolsonaro fará um governo ótimo/bom. Entre os que votaram branco ou nulo, 35% consideram que o presidente fará um bom governo.
Os gráficos acima mostram que a presença dos militares no governo tem imagem positiva junto a maioria da população, mas sobretudo entre os eleitores do presidente. Entre eleitores de Haddad, 66% tem imagem negativa da presença dos militares. Apenas 2% dos entrevistados se disseram “indiferentes”, de maneira que está claro que esse é um ponto crucial da imagem do governo, e bastante divisivo. Entre eleitores com ensino superior, temos 54% que acham a presença de militares um fator positivo, mas 43% que acham negativo. Curiosamente, a presença de militares é positiva sobretudo nas classes mais baixas e menos instruídas.