A lei de delação premiada virou uma zona. Sem uma regulamentação adequada, ela permitiu que delatores fabricassem as próprias provas, para darem substância às suas afirmações, e com isso, reduzir multas e obter redução de pena, mas em detrimento dos fatos e da honra alheia.
Vejam este caso, relatado pelo Conjur.
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No Conjur
E-mail apresentado como prova em processo foi criado depois da denúncia
2 de abril de 2019, 18h05
Por Fernanda Valente
Entre as provas apresentadas pelo Ministério Público Federal para incriminar um delatado, está um endereço de e-mail criado dias depois de a denúncia ter sido apresentada. O endereço faz parte de um conjunto de documentos apresentados por delatores numa investigação sobre operações ilegais com dólar e serviria para comprovar a identidade de um dos acusados. Mas, segundo petição a que a ConJur teve acesso, a prova foi fabricada depois de a acusação ter sido feita.
Os documentos foram enviados pelo MPF à 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que tem como titular o juiz Marcelo Bretas. São páginas de um banco de dados que, segundo o MPF, foi criado para controlar os pagamentos feitos e recebidos pelo grupo de doleiros investigados. O e-mail seria uma forma de comprovar o cadastro do delatado: no sistema, aparece um apelido, a data em que os denunciados teriam passado a integrar a rede de
lavagem de dinheiro e a última transferência de recursos.
Mas a existência do endereço só prova que a prova foi fabricada para dar substância à delação. O depoimento foi dado ao MPF em fevereiro de 2018. A operação, apelidada de “câmbio, desligo”, foi deflagrada três meses depois, no 3 de maio. E o e-mail, criado no dia 8 de maio, segundo a Microsoft informou à defesa do réu, feita pelo advogado Paulo Victor Lima Carlos. Procurado pela ConJur, ele não quis comentar o caso.
Na petição, ele argumenta que a denúncia está “eivada do vício de inépcia”, porque não descreve o crime pelo qual seu cliente é acusado. Ele foi, segundo o advogado, “denunciado por ter trabalhado em uma casa de câmbio e ter sido denunciado em outra ocasião”.
As investigações foram anunciadas como uma operação para desarticular um esquema de operações ilegais com dólar no mercado paralelo. Elas se baseiam nas delações premiadas dos doleiros Vinícius Claret, conhecido como Juca Bala, e Cláudio de Souza, ou Tony.
De acordo com os procuradores, os doleiros desenvolveram e entregaram um sistema informatizado próprio, chamado Bankdrop, para controlar as transações. O outro sistema, chamado ST, registrava todas as operações de cada doleiro como uma espécie de conta corrente e foi usado para controlar a movimentação dos recursos tanto no Brasil quanto no exterior.
Provas da delação
Em setembro de 2018, reportagem da ConJur mostrou laudo que dizia não ser possível atestar a validade das “provas” colhidas na investigação. À época, as defesas não tiveram acesso ao software, apenas a imagens das telas dos sistemas. Somente em janeiro deste ano o MPF apresentou nos autos um HD, desta vez contendo o sistema e as bases de dados.
Na petição, o advogado argumenta que os sistemas “parecem compilados de planilhas e bancos de dados produzidos unilateralmente pelos delatores (e que só por eles pode ser lido e entendido)”, e exigem análise técnica. O documento foi apresentado à 7ª Vara na sexta-feira (22/3).
Chama atenção na petição que, ao negar acesso ao sistema, o juiz Marcelo Bretas afirmou que o BankDrop “é um sistema, que, salvo engano, admite inserção e subtração de dados”. O advogado afirma que o fato de o sistema poder ser editado “coloca à prova sua confiabilidade para lastrear a persecução penal”.
“Não se sabe, realmente, detalhes de seu suposto funcionamento à época dos fatos ou das modificações que teriam sofrido desde a celebração dos acordos de colaboração premiada que ensejaram a denúncia. E muito menos se tem conhecimento de que estejam acompanhados de quaisquer mecanismos de autenticação”, afirma.
Fernanda Valente é repórter da revista Consultor Jurídico