O nosso correspondente Túlio Ribeiro* fez uma entrevista com ex-ministro Ciro Gomes para a Telesur, que deverá ser publicada hoje à noite, em espanhol. Mas ele também nos autorizou a publicar a versão original, em português, no Cafezinho, com exclusividade.
Segue abaixo a entrevista, que foi feita por escrito.
Túlio Tibeiro: Prezado Ciro Gomes, superado dois meses de transição com apoio do ex-presidente Temer à Bolsonaro, e mais três meses efetivos , o senhor acha que poderia iniciar um análise deste início do governo Bolsonaro? O senhor como um político com muito protagonismo no país, que lutas ou pautas desejaria encaminhar nestes próximos anos?
Tenho procurado adotar uma prática comum em todo o mundo na qual a oposição garante ao menos 100 dias de trégua para o governante recém empossado. Assim ele tem tempo para montar sua equipe, acertar, errar, corrigir rumos e, principalmente conhecer a máquina pública. É também uma forma de respeitar os mais de 57 milhões de votos que ele recebeu dos brasileiros.
No entanto, em alguns temas me senti obrigado a opinar antes desse prazo, uma vez que ferem diretamente a soberania de nosso país. Isso envolve o exercício conjunto de nosso exército com forças estrangeiras na fronteira com uma nação vizinha, que é a Venezuela; a submissão de um general de nossas Forças Armadas ao Exército de outro país; a venda de uma importante empresa nacional de aviação – a Embraer – para uma empresa estrangeira; e a provável entrega da base de Alcântara para a administração dos Estados Unidos. Infelizmente, o governo Bolsonaro tem se apresentado de forma despreparada e pouco correta em diversas questões.
A nossa luta seguirá pela busca de igualdade, superação da miséria e para garantir melhores condições para todos os brasileiros. Na pauta atual, o mais urgente é a luta para não deixar que a reforma da previdência proposta afete os mais pobres.
Túlio Ribeiro: Existe um novo modelo de pressão externa contra governos, o que os estudiosos chamam de ‘guerra híbrida’. Qual análise que acha necessária explanar sobre a geopolítica atual?
Essa chamada “guerra híbrida” quer que a população abandone a questão que importa, que é economia política (emprego, salário, renda, aposentadoria, qualificação da educação e da saúde, produtividade, etc) para discutir temas de questão moral. Se temos maiorias esmagadoras nos temas de economia política, o mesmo não pode ser dito nos temas morais. E é aí que um conjunto de forças trabalha para criar desinformação, desmobilização e rachas que levam a exemplos como o Brexit, no Reino Unido, e as eleições de Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil.
Tulio Ribeiro: O senhor é considerado como um político que amplia seu raio de apoio, no segundo turno a esquerda representada por outro nome sofreu uma derrota de quase 10 % do eleitorado. Mesmo com uma eleição atípica no Brasil em 2018, o desafio para o campo democrático e progressista, seria construir uma aliança ampla que permita um vitória em 2020? Caso concorde, como realizar ?
Penso que precisamos de união em torno de temas, ideias e propostas. No entanto, no Brasil, a assim autorreferida “esquerda”, ficou a reboque de um partido que replicou todo tipo de práticas criminosas que tanto criticaram no passado. Foi justamente a desmoralização deste partido que gerou o personagem Bolsonaro, e foi a insistência do mesmo partido em manter uma candidatura de fachada, que o fez presidente da República. Temos muito ainda que debater e avaliar, mas certamente o caminho para 2022 passa por uma mudança radical na forma como o campo progressista se organiza.
Tulio: O senhor foi governador e ministro, é conhecido por ter feito uma revolução educacional no seu estado, é um dos protagonistas do projeto e efetivação da transposição do rio São francisco levando futuro para uma região que em muitos lugares não tinha água para beber nem produzir. Se estivesse governando, qual seria sua realização até 2020?
Toda minha atenção estaria voltada para a geração de empregos, criação de um mercado consumidor interno forte, e reestabelecimento de uma política de comércio exterior que garantisse a reativação de nossas indústrias. Isso tudo sem deixar de atacar com inteligência o crime organizado que domina o país e impõe mais de 60 mil homicídios em apenas um ano.
Tulio: Qual sua opinião sobre a proposta de reforma da previdência e uma educação longe da escola administrada pelos pelos pais? Preocupa o futuro da educação pública no Brasil?
A Reforma da Previdência apresentada pelo governo conta com pontos flagrantemente criminosos, como a redução do BPC para os mais pobres; a falta de compreensão regional e de atividade profissional, exigindo o mesmo tempo de trabalho para um engravatado do ar condicionado e um trabalhador rural do semiárido; aumento do tempo de serviço para profissionais de atividades insalubres ou expostas a determinados agentes químicos e biológicos nocivos à saúde, entre outros. O PDT já fechou questão contra essa reforma encaminhada pelo governo e apresentou uma proposta mais justa e objetiva que pode ser debatida por toda a população. Quanto à educação, o Brasil está muito defasado em relação ao mundo desenvolvido. No entanto, bons exemplos, como o do Ceará, nos dão esperança para que isso seja revertido.
* Túlio Ribeiro é graduado em Ciências econômicas pela UFBA,pós graduado em História Contemporânea pela IUPERJ, Mestre em História Social pela USS-RJ e doutorando em ¨Ciências para Desarrollo Estrategico¨ pela UBV de Caracas – Venezuela. Tulio também é colunista e correspondente do Cafezinho.