A entrevista coletiva que Flávio Dino (PCdoB) deu a blogueiros no Barão de Itararé, na última quarta-feira, é uma preciosidade. Vale a pena assistir. O governador do Maranhão mistura precisão, sofisticação e carisma em suas análises. É definitivamente um dos grandes quadros da esquerda nacional.
Em sua análise de conjuntura, ressaltou a centralidade, na política de Bolsonaro, do discurso do inimigo típico do fascismo. O resultado da beligerância permanente do presidente é, para Dino, o acirramento de três contradições: democracia x autoritarismo, nação x imperialismo e ricos x pobres.
Na questão democrática, Dino defende frentes o mais ampla possíveis para evitar qualquer arreganho autoritário. Ressaltou a importância do Lula Livre e de um Judiciário sem preferências partidárias.
Dino afirmou que uma frente para garantir o Estado de Direito deve ser receptiva a qualquer setor que se descole de Bolsonaro, inclusive liberais e direita tradicional. Defendeu a flexibilidade tática nas articulações congressuais, isto é, aproveitar as contradições da direita e fazer as alianças possíveis.
Questionado sobre a possibilidade de uma frente com Ciro Gomes, a qual supostamente seria inviável por este não ter feito campanha para Fernando Haddad no segundo turno das eleições, Dino foi enfático: “É evidente que Ciro é uma liderança do nosso campo”.
Dino tem toda a razão. Mesmo que se considere um erro a postura de Ciro no segundo turno, transformar esta atitude específica em um veredito final e um expurgo do pedetista do campo que se considera esquerda é, nos melhores casos, irracional. Nos piores, oportunismo puro.
A estratégia petista para as eleições contribuiu infinitamente mais para a vitória de Bolsonaro do que qualquer ato de Ciro. A tal ponto que nem a presença do papa – ou de quem ele representa, em divina pessoa – com adesivo no peito e distribuindo panfleto pelo Brasil no segundo turno seria capaz de vencer o antipetismo.
Sobre a contradição nação x imperialismo, Dino falou da importância de construirmos novamente uma identidade nacional oposta à do viralatismo, que voltou com força máxima – vide o deslumbramento entreguista do presidente diante de Trump. “A identidade nacional é uma ficção, é construída, mas é uma importante disputa simbólica”.
Acerca da contradição pobres x ricos, Dino sugeriu uma mudança de foco. Em vez de falarmos em Reforma da Previdência, que tal focarmos na Reforma Tributária?
Para resolver a crise fiscal, a direita só tem olhos para a renda dos nossos aposentados. Uma aposentadoria digna, a propósito, é dever do Estado prover.
Parece ser, de fato, uma estratégia interessante para o campo popular propor uma Reforma Tributária como contraponto à da Previdência. Colocar nas ruas a discussão sobre o fato de o sistema tributário brasileiro ser profundamente injusto.
O Presidente da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), Floriano Martins de Sá Neto, explica a tragédia que é o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) em nosso país:
No Brasil, um princípio constitucional fala que tem que haver a progressividade dos impostos, mas o IRPF é regressivo: a partir de 40 salários mínimos, ou R$ 40 mil, o cidadão começa a pagar menos do que aquele que recebe R$ 5 mil. A alíquota máxima é de 27,5%, mas a carga efetiva das pessoas que têm alta renda é (acima de R$ 320 mil), em média, 6%.
Repare na discrepância do imposto sobre herança no Brasil e em alguns países desenvolvidos:
Ressalte-se que o imposto sobre herança é um tributo totalmente meritocrático, para usar um termo caro aos peculiares liberais brasileiros. Estes, além de serem liberais só e somente só na economia, pensam que herdar a fortuna do papai é algo deveras meritório.
A Anfip tem uma proposta de Reforma Tributária Solidária que ataca a crise fiscal combatendo a abjeta desigualdade brasileira. Aqui, a página do Facebook da proposta.
Que tal aproveitarmos a deixa da discussão sobre a Previdência para falarmos da Reforma Tributária? A esquerda parlamentar bem que podia pautar o tema junto aos nobres deputados tão preocupados com o déficit.
Para que não demore a chegar o lindo dia em que a ideia de taxar os ricos cairá na boca do povo, mudemos o foco.