Tenho dito que são tamanhas e tão variadas as trapalhadas feitas por Jair Bolsonaro e seu governo que passei a desconfiar que pode haver método nessa loucura.
Não que eu duvide da incapacidade cognitiva do presidente, ele faz questão de nos lembrar diariamente que vive em júbilo com a própria mediocridade.
Mas a sequência de crises autogestadas na relação com o parlamento, na última elegendo como inimigo o presidente da Câmara, num momento em que o governo não tem base no legislativo e joga todas as suas fichas na aprovação Reforma da Previdência, elevou os disparates que temos nos habituado à categoria de esquizofrenia política.
Admitindo que seja apenas inépcia, não deixa de ser assustador que o país esteja sujeito a oscilações na Bolsa, elevação do dólar e atritos diplomáticos a cada manifestação desastrada do presidente – ou de seu filho, que insiste em controlar seu Twitter. Mas e se for ainda mais grave? E se Bolsonaro estiver, deliberadamente, semeando vento para colher tempestade?
A irresponsabilidade do presidente e de seu clã com os mais elementares preceitos republicanos tem potencial para causar curtos-circuitos institucionais graves, como ficou evidente nos acontecimentos da semana passada, cujas labaredas estão ainda por aí.
Deparando-se com as dificuldades próprias do regime democrático e com a vertiginosa perda de popularidade, o presidente simplesmente abriu mão de suas obrigações para assumir o papel de agitador de milicianos de internet, o núcleo duro do seu eleitorado, deixando o governo ao deus dará.
Chegou-se ao cúmulo de o ministro da Justiça dar ultimato à Câmara sobre a apreciação de seu pacote “licença para matar”, chegou-se ao escárnio de Bolsonaro afirmar que a responsabilidade quanto às reformas que ele mesmo enviou é exclusiva do parlamento. Ou seja: querem jogar para a plateia e passar à sociedade a mentirosa mensagem de que o fracasso da administração se deve à ingovernabilidade produzida pela “velha política” e não à grotesca capacidade de errar do chefe do Executivo.
Tal qual Pilatos, Bolsonaro lava as mãos sobre os destinos de seu próprio governo e, entre um cineminha e outro – em pleno horário de expediente -, segue atacando o Congresso, o que demonstra seu desprezo pela democracia.
Somando as declarações de Bolsonaro e de seus filhos, agredindo o legislativo e o pressuposto democrático básico de construção de maiorias, aos ataques incessantes das milícias virtuais contra o Supremo e seus ministros, temos pronto o caldo para uma crise institucional de desfechos imprevisíveis.
É possível que alguém esteja lucrando com a permanente instabilidade e o descrédito completo das instituições? É possível, mas não são os democratas nem os que querem o bem do Brasil.
Afinal, se nada funciona, se os poderes deixam de ser harmônicos para se atacar, se o faroeste institucional impera, setores mais radicalizados podem acalentar o devaneio de soluções, digamos, “de ordem”.
Pode ser, então, que Bolsonaro esteja alimentando crises para apostar numa aventura autoritária como saída? Bem, no Brasil de hoje em dia, não se pode prever nem mesmo o passado.
Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB-SP