Sonegação tem mesma lesividade social que corrupção, afirma subprocuradora-geral em audiência no STF
Para Cláudia Sampaio, deve ser enquadrado como crime tributário o não recolhimento aos cofres públicos do ICMS pago pelo contribuinte na compra
“O crime de sonegação fiscal, em termos de lesividade social, é idêntico e não se distingue em nada da corrupção. Ele retira do Estado recursos essenciais para o cumprimento de finalidades constitucionalmente determinadas”. Esse foi o posicionamento da subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio, em audiência realizada no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (11). Ela reforçou a tese jurídica da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, segundo a qual deve ser enquadrado como crime tributário o não recolhimento aos cofres públicos – na data correta – do valor referente a ICMS pago pelo contribuinte no momento da compra.
Convocado pelo relator do caso na Corte, ministro Luís Roberto Barroso, o encontro contou com a participação dos advogados de duas pessoas de Santa Catarina, que tentam reverter decisão judicial condenatória pela prática, além de diversos amicus curiae. Ao destacar o alto grau de ofensividade da conduta, Cláudia Sampaio rechaçou o argumento de que esse tipo de sonegação deveria ser tratado como mera inadimplência. Ao contrário, disse vislumbrar a existência de dolo, pois, segundo argumentou, quem age dessa forma, em vez de recolher o imposto, busca se enriquecer. “Há um dolo gravíssimo de apropriação de valores. O ICMS é lançado nos registros fiscais da empresa. Então, ela inclui o valor no custo do seu serviço e não paga o valor do tributo, mas o passa ao consumidor”, comentou.
Após a contribuição dos participantes, Luís Barroso reconheceu a alta complexidade do sistema tributário brasileiro, e as distorções causadas pela ênfase de cobrança de imposto sobre consumo, como é o caso do ICMS. “É um tributo indireto. Eu e o meu caseiro pagamos exatamente o mesmo tributo e, evidentemente, é um tributo porque não consegue distribuir renda”, exemplificou. Ao final, o ministro ponderou que o não recolhimento do ICMS e a criação de vantagens competitivas para quem age contra a lei são práticas danosas ao país.
Memorial – Em memorial enviado também hoje ao ministro Luís Roberto Barroso, Raquel Dodge ressaltou que a omissão em recolher ICMS próprio, que foi devidamente declarado ao fisco, tem repercussão na seara penal. Este fato, na tese defendida pelos autores da reclamação configura atipicidade de conduta. No entanto, conforme sustenta a procuradora-geral, a legislação prevê que a caracterização do crime mencionado se dá “com a mera conduta do agente de receber o valor do contribuinte de fato e não o repassar ao fisco”.
O documento destaca que não se exige o uso de algum meio fraudulento. “Basta o recebimento do valor do contribuinte de fato e o seu não recolhimento aos cofres públicos no prazo legal”, enfatiza em um dos trechos. Ainda sobre este ponto, o memorial frisa a diferença nas penas previstas para a prática do crime nas hipóteses em que se verifica ou não a utilização de meio fraudulento. Nos casos em que não há registro de fraude, a sanção prevista é de detenção de seis meses a dois anos. Já naqueles em que a irregularidade integra o tipo penal, o legislador previu reclusão de dois a cinco anos.
Em outro trecho do memorial, a procuradora-geral afirma tratar-se de conduta que em vários aspectos assemelha-se ao crime de apropriação indébita. “Não há punição pela mera inadimplência porque não se tem, na hipótese, simples inadimplência, mas conduta dolosa do agente que cobra do contribuinte de fato o valor do tributo, inserindo-o no preço do produto ou serviço, e se apropria do respectivo valor, sabendo que não lhe pertence, mas ao Estado”, afirma.
Texto publicado no site da PGR.