60 segmentos industriais que mais importam insumos e componentes
6 DE MARÇO DE 2019 ~ Por PAULO MORCEIRO
Este post apresenta informações oficiais inéditas de um estudo maior e mais completo que mensurou e avaliou pela primeira vez o grau de adensamento produtivo de todos as 258 classes industriais do Brasil. Hoje o Jornal Valor Econômico (ver página A3) publicou duas matérias sobre este post e o mapeamento inédito pode ser acessado em Morceiro (2018).
Classe industrial é a desagregação mais detalhada das estatísticas de atividade econômica do Brasil. Ao todo, a indústria de transformação é composta de 258 classes industriais. O Gráfico acima exibe as 60 classes industriais da indústria de transformação brasileira com os maiores coeficientes importados de insumos e componentes comercializáveis (CIICC). Este coeficiente capta as matérias-primas, insumos, partes, peças e componentes para serem utilizados no processo de produção industrial. Quando o CIICC de um segmento industrial é muito elevado significa que este segmento compra muitos insumos intermediários de fornecedores estrangeiros. As indústrias maquiladoras costumam ter CIICC acima de 75%, nesse caso, predominam operações de montagem intensivas em mão-de-obra de menor qualificação comparativamente aos casos em que ocorre maior transformação industrial.
O Gráfico exibe os segmentos industriais que importaram no mínimo um terço das matérias-primas, insumos, partes, peças e componentes para serem consumidos no processo produtivo. As classes industriais foram agrupadas nos setores manufatureiros a que pertencem para facilitar a visualização. A seguir, alguns comentários analíticos:
A indústria de alta e média-alta (AT-MAT) reúne os setores mais tecnológicos da atualidade como informática e eletrônica, farmacêutica e outros equipamentos de transportes (aviação). Dos 60 segmentos industriais detentores das cadeias produtivas mais desarticuladas, exibidos no Gráfico acima, 48 são de AT-MAT. Esses 48 segmentos representam cerca de dois terços da produção industrial brasileira de alta e média-alta tecnologia. Isso significa que o Brasil possui uma dependência tecnológica do exterior de insumos e componentes mais elaborados e sofisticados do ponto de vista da complexidade produtiva em várias indústrias relevantes para o país em termos de potencial tecnológico e emprego de mão de obra qualificada que pagam salários elevados.
Os poucos segmentos de baixa e média-baixa tecnologia (BT-MBT) do Gráfico acima tem um peso pequeno na produção industrial nacional de BT-MBT. O Brasil produz a maioria das matérias-primas e dos insumos intermediários intensivos em recursos (minerais, agropecuários e energéticos) consumidos no processo produtivo de BT-MBT.
Vale destacar que a maioria dos insumos intermediários importados pelos segmentos de AT-MAT são importações competitivas, isto é, que o país importa porque não possui competitividade em termos de preço ou tecnologia para competir com os fornecedores estrangeiros, ou devido à estratégia das filiais de empresas multinacionais instaladas no país. No entanto, parte expressiva das importações de insumos intermediários de BT-MBT trata-se de importações não-competitivas, isto é, situações em que o país não possui capacidade de produção na quantidade e qualidade demandadas, principalmente devido à escassez de alguns recursos minerais e matérias-primas (como metais preciosos), tipo de clima pouco favorável à produção (caso do trigo), entre outros.
No Gráfico acima, várias classes industriais, sobretudo de AT-MAT, produzem bens finais ou insumos intermediários elaborados com cadeias de produção longas. Geralmente, bens finais têm cadeias produtivas mais longas que bens intermediários, dessa maneira, quando as classes de bens finais importam elevado percentual de insumos e componentes, provavelmente reduzem-se (ou extinguem-se) os fornecedores domésticos a sua montante da cadeia de produção. Então, do ponto de vista do adensamento produtivo, a situação é mais grave quando a classe industrial que possui CIICC elevado produz bens mais próximos da ponta final da cadeia produtiva. As três primeiras classes industriais do Gráfico possuem CIICC elevadíssimo, indicando que praticamente inexiste fornecedores nacionais dos componentes principais no Brasil.
A avaliação setorial indica que informática, eletrônicos e ópticos; farmacêutica; outros equipamentos de transporte; e química são os setores que possuem coeficientes de insumos intermediários importados muito elevados.
Informática, eletrônicos e ópticos é o mais esgarçado. Das 11 classes do setor, dez estão exibidas no Gráfico, as quais representaram praticamente a produção total do setor. A maioria das classes produzem bens finais, logo, o setor possui cadeias produtivas longas, porém os encadeamentos são fracos devido ao CIICC elevado. Várias classes deste setor importaram mais de 70% dos insumos e componentes comercializáveis. Do ponto de vista do grau da transformação industrial, dois terços do setor de informática, eletrônicos e ópticos não apresentam diferenças significativas de uma indústria maquiladora e o outro terço está bem próximo disso. O emprego do termo indústria maquiladora nesse contexto refere-se apenas aos processos produtivos em que predominam operações de montagem a partir de insumos e componentes importados e uso de mão de obra mais barata do que seria se houvesse maior transformação industrial.
O caso brasileiro não é uma maquila típica: é uma maquila reversa, que importa muito e não exporta!
A farmacêutica é o segundo setor mais desarticulado pelas importações de insumos e componentes comercializáveis. A principal classe, “medicamentos para uso humano”, representa 90% da produção industrial do setor e importou percentual superior a 60% dos insumos intermediários comercializáveis. O país importa, principalmente, o princípio ativo farmoquímicos e adjuvantes farmacotécnicos para a fabricação dos medicamentos por estratégia de suprimento das empresas que priorizam insumos mais elaborados e competitivos do exterior. O princípio ativo é o composto responsável pela ação ou efeito farmacológico do medicamento, sendo o resultado principal da pesquisa científica e tecnológica das empesas farmacêuticas.
Outros equipamentos de transporte é o terceiro setor mais desarticulado. Ele reúne a produção de aeronaves, embarcações navais, motocicletas e equipamentos ferroviários, os quais são essencialmente bens finais. As classes exibidas no Gráfico representam mais de 90% do setor. A classe “aeronaves” importou mais de 90% de todos os insumos e componentes comercializáveis, sendo a classe mais oca da indústria brasileira em 2016. O Brasil possui uma empresa relevante, a Embraer, no segmento de aviação regional. Como são importados os componentes principais, praticamente toda a cadeia de fornecedores dos aviões encontra-se no exterior. Assim, do ponto de vista do adensamento produtivo, a classe “aeronaves” é uma maquila típica que importa insumos e componentes e exporta o bem final. Mas cabe uma ressalva. Geralmente o que caracteriza as maquilas, além do baixo grau de adensamento produtivo, é a utilização de mão de obra de baixa qualificação e remuneração. Nesse aspecto, a Embraer não pode ser considerada uma maquila porque emprega mão de obra de elevada remuneração, já que a montagem de aeronaves envolve protocolos de segurança que exigem profissionais altíssima qualificação. Além disso, ela lidera a sua cadeia produtiva ao desenhar os aviões, gerencia a cadeia de suprimento e comercializa suas aeronaves, tarefas que lhe possibilita capturar uma fatia do valor agregado maior do que seria no caso de uma maquila típica. Entretanto, ao importar os componentes principais, vaza para o exterior grande parte do desenvolvimento científico e tecnológico possível de ser desenvolvido pelos fornecedores dessa classe industrial.
O setor de químico é o quarto mais fragilizado pelas importações competitivas. As classes “defensivos agrícolas”, “adubos e fertilizantes” e “intermediários para fertilizantes” importaram, respectivamente, 70,6%, 69,3% e 55,4% do total dos insumos e componentes comercializáveis e juntas representam cerca de um terço da produção química. O país tem uma dependência externa elevada de fertilizantes químicos, já que importa cerca de 60% dos fertilizantes que consome.
Nota-se que os quatro setores, mencionados acima, com baixo grau de adensamento produtivo são extremamente relevantes para o desenvolvimento tecnológico mundial, sobretudo informática e eletrônicos e a indústria farmacêutica. Nos Estados Unidos, esses quatro setores foram responsáveis por metade dos investimentos empresariais em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Desse modo, o ritmo do desenvolvimento tecnológico mundial depende bastante dos investimentos em P&D desses quatro setores. Além disso, são setores que tem potencial de empregar mão de obra de maior habilidade cognitiva com salários altos, são setores elásticos à renda e possuem elevado dinamismo no comércio internacional. Da mesma forma, o elevado CIICC têm consequências ruins para o desenvolvimento nacional.
Há de se alertar que setores importantes em termos tecnológicos, que empregam de mão de obra qualificada e são responsáveis pelo maior volume da produção industrial de média-alta e alta tecnologia possuem CIICC elevado em algumas classes industriais, casos dos setores de máquinas e equipamentos; material e equipamentos elétricos; e automobilística. Esta última preocupa devido à sua extensa cadeia produtiva e ao peso que tem para a economia brasileira. E os dois primeiros, também preocupam pelo elevado percentual de importação de produtos acabados.
Vale mencionar que o CIICC capta apenas as importações diretas. Ele não capta as importações indiretas embutidas nos insumos e componentes comprados no Brasil produzidos com insumos importados. Ou seja, o conteúdo importado está, provavelmente, subestimado. Sobre importações indiretas, ver o capítulo 3 do livro de Morceiro (2012).
Em resumo, as empresas brasileiras de várias classes industriais, sobretudo de elevada intensidade tecnológica, importaram um percentual elevado de insumos intermediários comercializáveis. Dessa maneira, as cadeias produtivas que produzem os produtos mais elaborados encontram-se esgarçadas e com encadeamentos intersetoriais fracos. Isso é preocupante para o desenvolvimento socioeconômico nacional em termos de tecnologia, mão de obra, inserção externa e capacidade de suprimento da demanda doméstica.
Proposição de políticas
Embora a proposição de políticas não seja o objetivo deste estudo, os resultados documentados indicam que o uso de políticas industriais bem focalizadas nos segmentos manufatureiros com elevado esgarçamento produtivo pode contribuir para o desenvolvimento tecnológico e melhorar a composição da força de trabalho, pois as classes industriais mais esgarçadas são majoritariamente intensivas em tecnologia e em trabalho qualificado, e muitas delas possuem cadeias produtivas longas. Assim, as políticas futuras deveriam focalizar os incentivos nas classes industriais esgarçadas que o Brasil tem e provavelmente continuará tendo demanda elevada, como as que fornecem insumos químicos destinados à agricultura e as produtoras dos insumos farmacêuticos. Além disso, nas negociações de acordos comerciais, as classes industriais em que as importações de insumos intermediários já são elevadas deveriam receber tratamento diferenciado, levando em conta não transformar segmentos produtivos inteiros numa maquila que não exporta como observado no setor de informática e eletrônicos. Essas recomendações de políticas procuram distinguir as classes industriais a fim de alcançar maior efetividade e não apenas concentrar-se em políticas macroeconômicas e abertura comercial universal. Na verdade, o país precisa de um “coquetel de remédios” para combater a desindustrialização e a perda de competitividade do setor industrial.
Consultar o estudo completo e mais detalhado que fez o mapeamento inédito do adensamento produtivo aqui.