A entrevista de Mauro Albuquerque, secretário de Administração Penitenciária do Ceará

Uma entrevista que vale a pena assistir, para entender um pouco sobre os desafios do sistema prisional do país.

“Antes era bônus fazer parte de facção, agora é só ônus”, diz secretário do Sistema Prisional

Em entrevista à Tribuna BandNews, Mauro Albuquerque reafirmou uso da força “dentro da legalidade”, destacou força-tarefa em audiências de custódia e falou sobre novas rotinas em presídios

Por Jéssica Welma

1 de março de 2019 às 14:39

Apontado como o estopim da onda de terror no Ceará em janeiro, o secretário de Administração Penitenciária (Seap), Mauro Albuquerque, em entrevista à Tribuna BandNews FM, nesta sexta-feira (1°), rebateu acusações de tortura, tratou da atuação de agentes penitenciários, criticou comércio do crime nos presídios e apontou investimentos em resoluções judiciais, em educação, em tornozeleiras e nas rotinas prisionais. “Antes era bônus fazer parte de facção, agora é só ônus”, pontuou.

Mauro Albuquerque assumiu a Seap em 1° de janeiro e, um dia depois, teve de enfrentar uma série de ataques criminosos durante quase 30 dias. “Falaram que o ataque foi por minha causa. Vocês estão sendo atacados desde 2016 (ano em que houve rebelião no sistema), que tenho conhecimento. A covardia é imensa. Agora todo mundo vira ovelha?”, disse o secretário.

Ele falou também sobre a visita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura aos presídios cearenses para confirmar ou encerrar denúncias de maus tratos supostamente cometidos no sistema prisional desde janeiro. “Coloquei o secretario executivo para acompanhá-los todos os dias. Estamos seguindo a lei, só não está sendo como eles querem”, disse Mauro na rádio, em referência a pedidos não atendidos, como fotografia de presos são autorização deles e entrevistas coletivas.

“Todo mundo agora virou ovelha e o lobo virou o agente penitenciário? Agora o agente só sabe bater, espancar? Há o uso da força? Há, quando é necessário, quando há o enfrentamento do interno, querem ameaçar, levantar ordem. Quantos presos a gente já tirou de dentro da cela que estava sendo espancando por outro?”, disse Mauro.

O secretário ressaltou também que está sendo feita uma força-tarefa em escoltas judiciais para acelerar as audiências de custódias. “Estou fazendo 200 escoltas judiciais por dias. São mil por semana, 4 mil por mês, 48 mil por ano, justamente para levar o preso para resolver a situação dele”, afirmou.

Também houve um aumento na quantidade de apenados em liberdade, monitorados por tornozeleira. “Ninguém fala que, das 95 unidades que fechei no Interior, 700 presos colocamos na tornozeleira, ou seja, é uma oportunidade real, porque o preso, quando está na tornozeleira, deixa de voltar todo dia pra cadeia. A gente não sabia o que ele estava fazendo durante o dia e, quando ele voltava, recebia uma ordem do crime para fazer alguma coisa errada outro dia”, pontuou.

O secretário destacou a implementação de regramentos nos presídios, como respeito aos agentes e horários definidos para atividades. Ele reafirmou também a retirada de televisores, tomadas e ventiladores. Albuquerque falou também que está sendo estruturada uma área para atendimento de gestantes – que não podem passar pelo monitoramento do body scanner.

“Em 2016 eu estava aqui e entrou uma grávida que foi pega com 169 celulares na barriga. Vamos colocar um ambiente para grávida, é uma questão de humanização. Quando ela sair, eu passo os presos no body scanner para ver se não têm nada com corpo”, frisou.

Confira as principais falas do secretário durante a entrevista:

Enfrentamento de presos
“O problema é que quem ganhava dinheiro dentro do Sistema Penitenciário está esperneando. Mais de 800 presos foram autuados criminalmente por enfrentamento, sublevação da ordem e várias outras situações. A gente controla o Sistema, a gente não divide por a ou b, é preso do sistema penitenciário e se um não consegue conviver com outro a gente coloca dentro da mesma unidade, mas separado como um seguro, se torna um segurado”.

Comércio nos presídios
“O crime ganha dinheiro no sistema penitenciário com tudo: entrada de celulares, aluguel de cama, prostituição, roupa – e por isso hoje todo mundo usa uniforme-, alimentação que entrava – a gente pegava o mesmo lote em várias unidades, vindos da mesma fonte; extorsão de familiares, proteção dentro do sistema. Desde 2016, uma pessoa, para não morrer dentro do sistema penitenciário, pagava entre 1.500 a 2 mil reais“.

Denúncias de agentes corruptos
“O pior bandido que tem é o que usa a camisa de agente penitenciário, compromete a segurança de todos os agentes que estão ali. É meu interesse prioritário, me dê o nome que investigo e prendo. Ainda não houve nenhum afastamento”.

Sujeira nos presídios
“Quando cheguei aqui a cela dos presos era um chiqueiro, tirei caminhões e caminhões de sujeira. É técnica do crime poluir o ambiente para você não achar as coisas ilícitas, para não achar as quebras de estrutura para tentar fuga. Tudo isso faz parte. E faz parte da nossa doutrina limpar e ter o controle do que é de direito do preso. Lógico que não está no ideal, como hospital não está no ideal, como o Brasil todo não está no ideal. Mas estamos caminhando para isso, estamos construindo mais quatro unidades para duas mil vagas”.

Educação
“Todo mundo critica o sistema, mas ninguém fala que hoje eu tenho mais presos na sala de aula do que quando cheguei aqui. Nossa ideia é passar para 6 mil presos na sala de aula”.

Capacitação dos internos
“Conseguimos 2,7 milhões para capacitar o interno. Um interno hoje sai para o Estado numa faixa de R$ 2.500 por mês. Capacitando esse interno, sai menos de 1000 reais para eu dar uma profissão a ele, com uma real oportunidade de não voltar para o sistema”.

Estratégia do crime
“O crime trabalha da seguinte forma: primeira coisa que tentam fazer é corromper, segunda coisa é intimidar – como foram as formas de ataque, e terceira é fazer desacreditar o nosso trabalho. Nosso trabalho é transparente. Se tiver que usar a força, eu vou usar, dentro da legalidade, dentro do uso diferenciado da coisa, dentro da técnica. Não vou colocar meu agente em risco, um agente de 30, 40 anos para sair na porrada com moleque de 20 anos,e pessoas que estão dispostas a matar. Não tem nenhuma ovelha presa”.

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