Bolsonaro, não Maduro, pode ser apeado no curso da crise
J. Carlos de Assis
O auto-proclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, que conseguiu arrastar em sua patética aventura política outros vassalos do Departamento de Estado norte-americano, inclusive o aloprado ocupante do Itamaraty, tem interessante paralelo histórico. Numa dessas coincidências de programação que contrapõe ao noticiário manipulado a vida real, a Globo anunciou que ir passar ontem o filme “O último Rei da Escócia”, sobre a vida do sanguinário ditador de Uganda, Idi Amin Dada. Num de seus momentos de loucura, Idi Amin se proclamou Rei da Escócia. Como Guaidó em relação à Venezuela, e com idêntica legitimidade!
Que os nossos vizinhos ou quase vizinhos da banda do Pacífico, além da Argentina, tenham entrado nessa não é de admirar. Não tem soberania. Fazem o que o Departamento de Estado manda. Contra os interesses reais de seus povos sucumbiram à imposição do tratado de livre comércio do Pacífico, que os torna eternamente dependentes de importações preferenciais de produtos industrializados norte-americanos e vendedores exclusivos de produtos primários, sujeitos à clássica instabilidade cambial sul-americana. A propósito, percorri anos atrás, no Governo Lula, praticamente todos os países sul-americanos e encontrei grande contrariedade por causa da posição brasileira de resistir à ALCA.
Desses países de pode dizer o que disse Jesus a propósito daqueles que o crucificaram: Pai, perdoai-os, porque não sabem o que fazem. As notícias que tenho tido de Colômbia, Equador e Peru é o risco permanente de crises cambiais em face da instabilidade dos preços dos primários. Jamais sairão disso enquanto perdurar sua escravização comercial aos Estados Unidos. E é justamente manipulando essa fraqueza econômica deles que o Governo imperial norte-americano consegue decisões políticas esdrúxulas como esse cerco à Venezuela – com risco inclusive, dado algum incidente provocado, de uma conflagração bélica na região.
Soube que a cúpula militar brasileira rechaça qualquer proposta de intervenção física na Venezuela. É um alívio. Mas nosso problema é que temos um presidente desequilibrado e um ministro das Relações Exteriores idiota: eles podem querer brincar de guerra, mesmo porque só uma guerra fará a opinião pública brasileira se esquecer do mar de lama que cerca o Alvorada – ainda sem explicação clara porque Sérgio Moro, o ministro da Justiça, não deve ter encontrado conexão de Flávio Bolsonaro e suas exaltadas milícias com o ex-presidente Lula, sabendo-se que são essas conexões com Lula a sua especialidade.
Uma conseqüência de guerras perdidas ou de provocações de guerras sem motivo é a destituição dos líderes malucos que as incitam. Pelo que já fez, Bolsonaro está em condições de ser constitucionalmente destituído. O Brasil pode suportar, para reagir no momento certo em mobilizações de rua, o fardo de um governo que ameaça competir com o de Temer como o pior de nossa história. Em política externa, a questão é mais urgente. Aí não estão envolvidas apenas idiossincrasias de governo, mas questão de Estado. Por isso os generais do Governo tem que se preparar para agir. A política externa brasileira não pode ficar nas mãos de moleques.
Não estou pregando golpe militar. É que, de uma certa forma, os militares já tomaram o poder no Brasil. O que estou propondo é que assumam suas responsabilidades constitucionais dentro da institucionalidade, através de um Vice eleito. Diante do imenso desafio econômico, social e político com que nos defrontamos, só se esses militares forem, também eles, insanos, não procurarão encontrar um caminho do diálogo e do pacto social para colocar o país na trilha do desenvolvimento autônomo, sem subordinação a potências estrangeiras e com o compromisso de nos tirar da crise. Bolsonaro jamais fará isso porque é obcecado pela vingança e pelo ódio, infenso à solidariedade.
É claro que, para isso, é mais importante um governo civil com militares, do que um governo militar com civis. O caminho da negociação política deve passar por aí, descartando-se, com Bolsonaro, seu lugar-tenente em Economia, também ele movido pelo espírito odioso do neoliberalismo. E no que corresponde à necessária destituição do presidente descontrolado, há vários caminhos: primeiro, submetê-lo a uma junta médica psicológica; segundo, iniciar mobilizações no Congresso para um impeachment; terceiro, pressionar por sua renúncia. Uma quarta opção, o tutelamento, é inviável na prática: Bolsonaro já provou que é intutelável, e que não pode segurar de interferências no Governo sequer os filhos.