Victor Lages, pela Fênix Filmes
Se você olhar para essa imagem que abre o texto, verá um cavalo vestindo roupas humanas em uma varanda. Mas o que pode parecer mais surreal ainda é perceber que esse cavalo está triste. E, dentre tantos absurdos que poderiam existir nessa imagem, perceber uma emoção em um animal é algo que não vimos desde “A revolução dos bichos”, de George Orwell. Pois bem, essa imagem é de BOJACK HORSEMAN, série animada da Netflix que, com 60 episódios lançados desde 2014, se provou mais que um desenho animado para adultos; são 60 sessões de terapia.
Quem acompanha o mundo das animações, já deve estar cansado de ver o politicamente incorreto em forma de desenho: Homer Simpson é um péssimo exemplo de pai; Peter Griffin de FAMILY GUY é irresponsável e imaturo; todos os personagens de SOUTH PARK xingam e fazem piada com religião. Há diversos exemplos de histórias animadas de pessoas que não possuem o menor senso de moral e ética e que não se importam em quebrar a alma dos demais personagens.
Então, por que BoJack é alguém diferente desses? Pela dor que carrega por ter machucado todas as pessoas ao seu redor em determinado ponto de sua vida e buscar redenção a cada momento, mesmo não conseguindo largar seu egoísmo e sua depressão. Por ser ator de Hollywood que fez sucesso nos anos 90 e, desde então, tentar recuperar sua fama, BoJack é um clássico narcisista do entretenimento. E isso se manifesta com a relação que mantem com seus amigos: Todd, um jovem preguiçoso que mora de favor em sua casa; Diane, uma escritora contratada para escrever sua biografia; Princess Carolyn, sua agente e ex-namorada; e Mr. Peanutbutter, outro ator dos anos 90 que sustenta a persona de ser o cara legal que tenta alegrar qualquer ambiente em que entra.
O que contrasta BoJack dos demais exemplos dados anteriormente é sua consciência e o que ela consegue causar para si mesmo. Ele se odeia, olha-se no espelho e sente vergonha, sofre, mas não consegue abandonar suas causas e simplesmente buscar melhorar. Ele impede a própria felicidade e acaba se acostumando com o que é. Quando tenta acertar, faz apenas o que acredita que fará as pessoas gostarem dele. Ou seja, suas motivações são distorcidas pelas “boas” intenções maquiadas de uma necessidade absurda de aprovação constante.
A série acaba escondendo (por vezes, nem esconde) um coração sombrio e solitário, um dos retratos mais honestos da depressão que raramente se vê em outros meios audiovisuais. BoJack anseia por um dia em que toda a dor passe e tudo fique melhor, mas recorre a pílulas e álcool para amenizar seu sofrimento, num ciclo vicioso, tal qual um cavalo de corrida, que faz círculos ao redor e, não importa o quanto corra, sempre voltará ao mesmo ponto.
E talvez essa seja a razão de alguns personagens estarem personificados em animais antropomórficos: tudo é uma caricatura do mundo real, uma satirização do cotidiano de um grande complexo de saúde mental e do ambiente das celebridades. Tal qual Brecht falava sobre o teatro épico, tudo o que acontece em cena é para iludir os espectadores e destruir essas próprias ilusões ao mesmo tempo. Se um personagem usa drogas ou toma um porre em alguma cena, as seguintes são de constante paranoia e alucinações psicodélicas, com uma ressaca recheada de autocomiseração por seus atos.
E é por sua tendência autodestrutiva e baixíssima autoestima que é possível se solidarizar por esse tipo peculiar de anti-herói. Em algum momento da sua vida, você deve ter se sentido desconfortável consigo mesmo, com sentimento de pena por suas atitudes ou se sentindo incondizente no mundo. Por isso, é importante assistir a BOJACK HORSEMAN e quebrar paradigmas pessoais para ver além de animais e personagens híbridos. Se tratarmos cada episódio ambientado nesse universo surrealista apoiando-se nas questões existenciais que a história traz, poderemos encontrar respostas que há muito tempo procuramos.
Uma delas que a série se propõe a responder é que não existe algo como “sentido da vida”. Todos, no desenho e na vida real, estão em busca da felicidade infinita e algo que dê significado à hospedagem pessoal na Terra. BoJack prova que isso é uma grande falácia. Erramos, nos reconstruímos e percebemos o quanto somos imperfeitos.
Por vezes, erramos, não podemos consertar esses erros, mas seguimos, seja com culpa, seja com responsabilidade, seja dando de ombros para os problemas. O fato é que só podemos construir um sentido para as nossas vidas quando aceitamos quem somos e o que podemos fazer nas vidas alheias e dói admitir isso. Mas é esse desconforto de admitir nossas imperfeições que tanto a terapia, quanto BOJACK podem nos trazer.