O erro crucial do PSOL
Por Frederico Krepe
Os eventos políticos de 2018 e seus desdobramentos em 2019 marcam uma profunda mudança na relação entre PT e PSOL, onde os dois partidos se aproximaram de uma forma nunca antes vista. É um processo que vem se desenrolando, pelo menos, desde 2016 com o golpe parlamentar que derrubou Dilma. Se antes tínhamos um partido em busca de se construir como uma alternativa de esquerda ao PT, agora temos os dois partidos intimamente ligados, praticamente compartilhando a mesma narrativa sobre a derrota de 2018 e dando indicativos de que a aliança entre os dois só começou. As críticas aos erros do PT foram ficando cada vez mais esvaziadas, sendo substituídas por leituras cada vez mais convergentes até o momento onde quase não se vê mais críticas do PSOL ao PT e quando aparecem sempre são bem particulares e localizadas, como vimos nos debates eleitorais em 2018. Diante disso tudo, fica registrado no senso comum da sociedade a crença – cada vez mais forte – de que o PSOL é uma espécie de linha auxiliar do PT. É uma mudança forte para um partido que nasce se contrapondo ao PT e que traz consequências importantes no cenário político.
O PSOL nasce em 2005 a partir do descontentamento de alas petistas mais radicais profundamente críticos das práticas do PT, especialmente daquelas que o partido adotou a partir do momento em que assume a presidência em 2003. O PT, em vez de aplicar uma agenda política progressista e antineoliberal, resolve seguir as regras do jogo na época e adota uma política econômica bastante conservadora e rebaixada, se aliando aos bancos e mantendo a estrutura da desigualdade brasileira intacta. Ao mesmo tempo, se escancara que o partido não representava algo novo na política brasileira, repetindo práticas de financiamento dos partidos tradicionais, se aliando a empreiteiras e outros grandes empresários para manter uma estrutura partidária robusta para vencer eleições, inclusive se fazendo do uso de caixa 2. Esse descontentamento é exemplificado por meio de dois fatores que são determinantes para o surgimento do PSOL: a reforma da previdência aprovada por Lula em 2003 e o escândalo do Mensalão. A mensagem passada por esse movimento de ruptura com o PT e fundação do PSOL é que a esquerda precisava buscar um caminho independente a qualquer custo e que não deveria ter que se sujeitar a um partido que traiu seus princípios. Todo esse quadro conduz à fundação do PSOL, partir de correntes que rompem com o PT pela esquerda e outros grupos articulados que não se sentiam representados pelas práticas políticas de outros partidos da esquerda radical, como o PSTU. Desde então, a relação entre os dois partidos sempre foi conflituosa, com o PSOL sustentando uma postura de quem busca a construção de uma alternativa independente ao PT, o que foi expresso em todas as candidaturas a presidente do partido, de 2006 a 2014. A situação se inverte em 2018 e é selada a aproximação do PSOL com o PT, com o marco desta mudança sendo a candidatura de Guilherme Boulos à presidência.
Desde a sua fundação, o PSOL sempre fez questão de ter seus candidatos para a disputa presidencial. Em 2006, o partido lançou o nome de Heloísa Helena, senadora de Alagoas na época e uma das principais vozes dissidentes do PT e conseguiu alcançar um resultado impressionante para uma primeira candidatura do partido, conquistando um terceiro lugar na disputa com quase 7% dos votos e mais de 6 milhões de votos. Em 2010, o partido lança a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio, um dos maiores quadros da esquerda radical brasileira, mas não alcança uma votação tão expressiva como a de 2006, obtendo 0,9%, com algo perto de 900 mil votos. O sucesso econômico do segundo mandato de Lula (o PIB do Brasil cresceu 7,5% em 2010) impulsionado pela explosão dos preços das commodites no mercado internacional foi um fator importante para esvaziar qualquer outra candidatura a esquerda e impulsionar a aposta em Dilma; outro fator que contribuiu para o esvaziamento da candidatura de Plínio foi a presença de Marina Silva na disputa, que herdou grande parte dos votos de Heloísa Helena e tentou ocupar uma posição de alternativa à polarização PT/PSDB. O cenário das eleições de 2014 já era o de uma crise econômica seguida de uma grande crise política desencadeada pela Lava Jato e os abalos de junho de 2013. O PSOL seguiu na linha crítica ao PT lançando Luciana Genro como sua candidata. É digno de nota que todas as candidaturas presidenciais do PSOL, pelo menos até aquele momento, trilharam um caminho de construção independente do PT, com um discurso profundamente antissistêmico, sendo um bom exemplo a alcunha de “gêmeos siameses” que Luciana Genro cunhou para se referir a Dilma, Aécio e Marina nos debates televisivos. O resultado em 2014 foi bem melhor que o alcançado em 2010, com Luciana Genro recebendo mais de 1 milhão e 600 mil votos, correspondendo a 1,55%. É importante destacar que em 2014 havia uma pressão muito grande para o “voto útil”, pois havia a possibilidade de vitória de Dilma já no primeiro turno, fato que tirou alguns votos da candidata do PSOL. A linha crítica aos grandes partidos do sistema rendeu bons frutos ao PSOL, que cresceu com a campanha de Luciana Genro. É certo que algumas figuras públicas do partido se aproximaram de forma muito automática a Dilma no segundo turno, como é o caso de Marcelo Freixo e Jean Wyllys, mas ainda era mantida uma independência em relação ao PT e uma postura bastante crítica das decisões políticas de Dilma no seu segundo mandato.
Por fim, chegamos a 2018, o momento em que tudo mudou com a candidatura de Guilherme Boulos. Defendo aqui que o ano de 2018 foi definitivo na aproximação do PSOL com o PT e a candidatura de Guilherme Boulos é um marco disso. Boulos sempre teve uma proximidade com o PT, já foi convidado a entrar para o partido diversas vezes e sempre esteve em constante diálogo com setores importantes do petismo, mesmo que ainda adotasse uma postura crítica das ações do governo, em especial do segundo mandato de Dilma e sua política de ajuste fiscal. Por ser o coordenador do maior movimento por moradia do Brasil (MTST), essa proximidade com os movimentos sociais foi a justificativa principal para a aposta em convidar Boulos para ser candidato do PSOL em 2018. Mas não foi só isso. A candidatura de Boulos também marcou uma mudança drástica, talvez a mais importante da história do PSOL, na sua relação com o PT. A disputa por espaço, com o intuito da afirmação de um projeto independente do PT, sempre foi a tônica dos embates entre os dois partidos. Com Boulos, houve uma opção deliberada pelo diálogo mais próximo com as bases petistas. Isso é expresso pelos inúmeros atos em que Boulos e vários setores do PSOL dividiam o palanque com os principais quadros do PT. A presença de Boulos, ao lado de Lula, no dia de sua prisão, marca bem isso, assim como o “boa noite presidente Lula” no primeiro debate eleitoral na TV, na Band. O que ocorreu, na prática, é que o PSOL tentou um atalho para se construir enquanto um partido com grande capilaridade social, esperando que – com uma postura de abertura ao diálogo – parte da base petista pudesse se descolar do PT, passando a orbitar a figura de Boulos como uma e o PSOL atuando como o polo aglutinador de uma possível reorganização. A esperança era a de atrair a base lulista para o PSOL, não mais com uma disputa pelas contradições e erros do PT e de Lula, mas sim como uma espécie de herdeiro do lulismo. Tudo isso fez com que o PSOL acabasse por seguir a reboque de toda a estratégia do PT e esse é um erro que pode ser fatal para o partido.
O erro do PSOL em seguir a reboque da narrativa do PT pode ser entendido tanto pelo ponto de vista interno como externo. Olhando pela perspectiva interna, temos um potencial de fragmentação partidária que pode ser explorado no futuro, já que boa parte das figuras que fundaram o partido o fizeram por um descontentamento profundo com o PT, cobrando uma autocrítica do partido sobre seus inúmeros erros. Essa parte ficou insatisfeita com a candidatura de Boulos, denunciando que aquele era o sinal de que o PT estava tentando controlar o PSOL. Toda essa situação pode acelerar um processo de divisão interna, criando dificuldades para o partido se manter coeso se essa aproximação evoluir para candidaturas conjuntas nas próximas eleições e o completo apagamento da diferenciação entre os dois partidos. A perspectiva externa é a mais grave, a meu ver, pois acaba por inviabilizar o PSOL enquanto alternativa independente do PT. Enquanto fazia oposição ideológica ao PT era fácil apontar a linha divisória entre os dois partidos, mas agora essa linha ficou muito mais difícil de ser delimitada. É difícil sustentar, aos olhos do povo, que o partido não é linha auxiliar reproduzindo a mesma narrativa do PT e se mostrando como aliado prioritário a todo momento. O primeiro resultado prático desse novo quadro foi a votação de Boulos em 2018, onde conseguiu pouco mais que 600 mil votos, ou 0,58%, sendo a pior votação presidencial da história do partido. Esse número deve ser encarado como um aviso. Se a aposta por seguir junto ao PT for confirmada, o partido pode sofrer mais derrotas, já que vai ter toda a sua imagem atrelada à do PT em um momento em que o antipetismo é dominante na sociedade. O que pode acontecer – e já está sendo esboçado – é o PSOL não conseguir herdar quase nada de uma base que é cada vez menor. É uma aposta em que os custos são muito altos e as vantagens são profundamente incertas. E os ganhos dentro da base petista são pequenos, já que entre escolher o PT original e uma cópia do “PT raiz” representada pelo PSOL, certamente a escolha feita será pelo primeiro.
Essa aposta em se aproximar do PT mata qualquer possibilidade do PSOL de se constituir como uma alternativa independente ao petismo, o impedindo de apresenta um projeto concreto para o Brasil, um problema central que atinge o partido desde a sua fundação e que será potencializado. Em todos esses anos, desde sua fundação, o PSOL falhou em apresentar para o Brasil um projeto com clareza e concretude, com saídas claras para os problemas que nos afligem, deixando de pautar o debate público e sempre agindo com uma postura defensiva. Enquanto o PT estava no governo era fácil a diferenciação, mas agora, em que ambos os partidos estão na oposição, a falta de um projeto para fazer esse tipo de diferenciação acaba por aproximar ainda mais os dois partidos. O prejuízo para o PSOL é gigantesco, já que sempre será aquele com menor capilaridade eleitoral e inserção nos movimentos sociais e vai acabar tendo o seu discurso desidratado pelo PT, que vai se usar da justificativa do “apoio ao mais forte” para ter sempre a voz hegemônica nas disputas futuras. A própria possibilidade do PSOL se construir como uma alternativa contra Bolsonaro está em questão, pois sua voz enquanto oposição será certamente sufocada pelo hegemonismo petista. A tarefa de construir um projeto independente do petismo acabou caindo no colo de Ciro Gomes, ex-ministro e apoiador histórico do PT desde 2002, que soube unir a força de um projeto com a necessidade de um distanciamento do PT para um projeto independente. É curioso notar como justamente o partido que mais fez oposição ao PT na esquerda não soube aproveitar o momento de se impor e finalmente mostrar a que veio.
Por Frederico Krepe da Silva, bacharel em filosofia pela UFJF e mestrando do programa de pós graduação da UFJF.
Publicado originalmente no Portal Disparada.
Tamosai
20/02/2019 - 06h07
Vamos aos fatos:
O PT é o maior partido de esquerda da América Latina. Comparado com os outros partidos, é o que tem melhores quadros e organização.
O PSOL é um dos partidos mais aguerridos e competentes do Brasil.
Ciro Gomes não foi apoiador do PT. Foi e é carreirista, e apóia a si próprio. Ele, ele é depois ele.
Num momento traumático da democracia brasileira, é claro que os partidos de esquerda têm de se unir.
Vinícius
20/02/2019 - 16h05
Ciro e quem os apoia deveriam ler um ótimo texto disponível no site do Fernando Brito cujo título é: o que os unia era a destruição.
Segue a última frase do texto: “Não quero saber as diferenças que nos separam, mas das identidades que nos unem contra esse movimento político golpista e totalitário”.
Luis Campinas
19/02/2019 - 19h34
Tanta coisa importante é essa matéria estranha que além de distorcer fatos, mostra raiva. Foi enfiada aqui pra que? Essas coisas comprometem um pouco o blog pq são meio descaradas. Que tal uma análise sobre o que significa esperar 100 dias? Ou ainda em que campo se coloca o PDT? SERIA ele com os membros que têm é que inclusive apoiam Bolsonaro no segundo turno, sequer de centro?
Vinícius
19/02/2019 - 22h31
Seguindo a linha do comentário do Luis, que tal o blog dar espaço para a última pesquisa do Marcos Coimbra sobre o anti-petismo. O blog O Cafezinho teve ao longo dos últimos tempos o anti-petismo como principal argumento de críticas às estratégias eleitorais do PT.
De repente, sem mais nem menos, uma “avaliação” sobre “possibilidade” do Psol ser engolido pelo PT!!!
Desculpe, mas o autor viajou na maionese!!!
Amauri
19/02/2019 - 18h01
O plano do PT é tentar viabilizar novas lideranças, como Freixo e Boulos, sem contaminá-los com a atual toxicidade de Lula e do PT. Uma vez adquirida musculatura eleitoral, a liderança em questão sairia do PSOL, se filiaria ao PT e aí sim poderia sair, por exemplo, candidato a presidente, avalizado pelo presidiário e submisso a ele (ao contrário de Ciro, por exemplo, que acertadamente se recusa a se submeter às ordens que o cachaceiro despacha da cadeia). Em outras palavras, o PSOL está sendo usado pelo PT, garantidamente vai ser traído por ele, mas tem gente suficiente no PSOL considerando que vale a pena o experimento – certamente também já estão preparados para abandonar o partido e migrar para o PT quando chegar a hora. É um plano bolado e executado por oportunistas, com pouquíssima chance de dar certo, e muito provavelmente vai custar ao PSOL a sua própria existência. Mas se o partido não consegue controlar os oportunistas dentro da sua própria casa, então é questão de tempo mesmo até deixar de existir.
Geraldo
19/02/2019 - 15h43
Quem nasceu para ser puxadinho (PSOL), jamais vai ser casa própria…
Roque
19/02/2019 - 15h29
O PSOL será sempre um puxadinho do PUTÊ.
Zé Maconha
19/02/2019 - 14h58
Erro?
Porque não fez o jogo do Ciro?
Freixo será presidente depois que Bolsonaro deixar metade da população na miséria.
Logo salário mínimo vai ser luxo e o povo , por mais burro que seja , se voltará pra quem sempre esteve a equerda do PT.
Aí o Ciro vai bajular ele , como fazia com o Lula.
Claro que há sempre o risco do governo miliciano matar o Freixo antes disso.
Alan Cepile
19/02/2019 - 15h31
Meu Deus, é quase um erro de análise a cada 3 palavras! rsrsrs
Bozo & Andrade Artigos para Festas Infantis
19/02/2019 - 14h50
Ao que tudo indica, Bolo Solado está ganhando a vida fazendo cosplay de Lula-livre…
Tiago
19/02/2019 - 14h44
O que se quer é convencer o PSOL de abandonar o PT, reforçando o desejo de isolar o PT. Isso alimenta a suspeita de que esse blog está a serviço do projeto de Ciro ou até mesmo da direita. PT e PSOL estão coesos porque, ao contrário de outros partidos ditos de esquerda, colocaram a necessidade de resistência (nesse grave momento político nacional e internacional) acima dos projetos pessoais. Claro que existem diferenças entre PT e PSOL. O PT é um partidos de tendências e de massas; o PSOL é uma partido de intelectuais e da academia, bem como na defensor das causas identitárias. PT e PSOL entendem que esse não é o momento para se discutir as diferenças que existem e continuarão existindo entre eles. O autor ignora que, apesar da pequena votação de Boulos numa eleição excessivamente polarizada (Marina e Alkimin derreteram), o PSOL aumentou a sua bancada federal (ultrapassou a cláusula de barreira, o que o PCdoB não conseguiu) e aumentou a sua bancada estadual, especialmente em SP, RJ, MG, etc. Por fim, Boulos emerge como a grande liderança da esquerda brasileira sem pedir licença para ninguém, sem precisar ofuscar o PT, sem o receio de defender Lula. Por outro lado, o PT, Lula e Haddad são grandes estimuladores de Boulos.
Naira souto
19/02/2019 - 20h53
Perfeito. Assino embaixo. O momento é crítico, precisamos nos unir contra inimigos poderosos.
marco
19/02/2019 - 13h21
O Pt está radioativo.
Ciro deveria ter esmerilhado o ” Andrade ” nos debates.
degas
19/02/2019 - 12h55
Que novas relações? Essa dá para comentar sem ler o artigo porque o PSOL nunca foi mais que a linha auxiliar do petismo. Finge independência de quando em vez, mas está sempre ao lado da chefia na hora decisiva. Se alguém tinha algum dúvida disso a última eleição esclareceu. O CLD (corrupto e lavador de dinheiro) mandou o partido colocar o Boulos como candidato. E seus dirigentes fizeram um teatrinho de uns 15 minutos e logo obedeceram.
Carlos
19/02/2019 - 14h34
O PSOL como esclarece bem o artigo começou a ser linha auxiliar do PT em 2018, principalmente através do ex- candidato presidencial Gulherme Boulos. Nas eleições de 2014, a candidata presidencial do PSOL, Luciana Genro teve uma campanha eleitoral de oposição ao PT. Uma boa prova disto é que depois que a então presidente Dilma Roussef assumiu o seu segundo mandato em primeiro de janeiro de 2015 e anunciou um ajuste fiscal, a executiva nacional do PSOL apresentou uma carta aberta a imprensa. Nesta carta o PSOL acusou a então presidente Dilma Rousseff de mentir para a população durante a campanha eleitoral de 2014. A ex- candidata presidencial Luciana Genro acusou a presidente Dilma de “estelionato eleitoral” e afirmou que os votos que Dilma Roussef recebeu no segundo turno nas eleições de 2014 “não foram dados para promover o ajuste fiscal” que o governo Dilma Roussef estaria promovendo. http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/02/psol-diz-que-dilma-mentiu-para-populacao-em-campanha-eleitoral.html O partido que é linha auxiliar do PT desde as eleições de 1989 é o PC do B, e a melhor prova disto é a ex-candidata a vice- presidente nas eleições de 2018, Manuela D’ávila (que é uma filiada do PCdo B há muitos anos), na chapa do petista (e poste do ex- presidente Lula) Fernando Haddad.