Por Vinicius Rezende*
Quando Lula tornou-se presidente pela primeira vez, o medo tomou parte do mercado financeiro. O “efeito-Lula” gerou uma significativa fuga de capitais no Brasil em 2003.
O desastre só não foi pior porque o PT já estava alinhado com o FMI e Banco Mundial, oque foi demonstrado através da Carta ao Povo Brasileiro. Além disso, José Dirceu palestrava constantemente, inclusive em Nova Iorque, afirmado “o governo de hoje não tem nenhum empresário, nós temos José Alencar”.
Ou seja, a tentativa de uma aliança com os empresários era também manifestada pela presença de um empresário do ramo têxtil na vice-presidência. José Alencar era conhecido como o sossega empresário.
Apesar da vice-presidência ser atualmente o “segundo cargo mais importante do Brasil” vemos que na prática, desde a redemocratização, passou a ser um cargo bem menos significativo e com funções pouco claras enquanto o presidente se encontra atuando.
De 1946 até 1967, o vice-presidente era também presidente do Senado Federal, de 1967 à 1969, presidente do Congresso Nacional. Desde a redemocratização, o papel do vice-presidente foi aos poucos se tornando a obscura função de substituir o presidente em nossa oscilante democracia, seja por descontentamento geral, por renúncia, ou por falecimento.
Compreendo desta forma, talvez Hamilton Mourão seja o caso mais emblemático de atuação de um vice-presidente (ao menos exercendo o cargo ao qual foi designado) desde a redemocratização.
Mourão iniciou sua jornada no processo eleitoral como um retrógrado e eugenista em um nível que choca até o senso-comum de seu grande reduto conservador. Suas declarações acerca das “famílias desestruturadas” ou do “embranquecimento da raça”, influenciadas por pensadores contemporâneos como Nina Rodrigues e Monteiro Lobato, silenciava qualquer opositor que concebesse a possibilidade de desestabilizar a futura presidência com uma campanha por impeachment. A mídia insistia no quanto sua compreensão atrasada de mundo prejudicava campanha de Jair Bolsonaro.
Porém, quando Bolsonaro enfim é eleito, ocorreu uma enxurrada de declarações tão estúpidas quanto as de Mourão por parte do resto de sua equipe. Contudo, não estamos mais em campanha e o governo de Bolsonaro tem obrigações com a elite financeira que colaborou para que ele estivesse lá.
Atualmente, a grande preocupação destes setores parece ser na necessidade de direcionar o governo para que este centralize suas forças nas reformas e políticas que realmente importam: A liberalização econômica e as reformas fiscais do Estado, dentre elas e a principal, a reforma da previdência.
O desgaste midiático resultante de declarações como “Jesus na goiabeira” e a “necessidade de lutar contra o marxismo cultural presente no Itamaraty” acaba despendendo recursos políticos necessários para a aplicação destas reformas e aflige setores que esperam estabilidade no Brasil para investir.
Enquanto isto, Mourão vem se colocando de forma mais ponderada e dá um giro de 180ºc, muitas vezes minimizando os danos ocasionados pela Escolinha do professor Raimundo que compõe parte do governo.
É interessante e ao mesmo tempo deprimente quando nos deparamos com o impacto de uma declaração como a de que “o governo de presidentes militares foi um governo autoritário”, feita por Mourão. O que parece meio óbvio (apesar de utilizar “presidentes militares” como eufemismo para ditadura) cria um estardalhaço na opinião pública ao ponto de parte da socialdemocracia ovacioná-lo.
Mourão parece então tentar cumprir o papel que José Alencar cumpriu, não obstante, enquanto Alencar tranquilizava ou industriais, Mourão tranquiliza parte da opinião pública que está chocada com a idiocracia que domina o Estado e abre espaço para que a equipe econômica trabalhe.
O Vice-presidente vem se mostrando mais atuante que os vices passados, inclusive, parte dos empresários e diplomatas vem optando por se reportar a ele ao invés do chanceler Ernesto Araújo.
Enquanto Bolsonaro comemora a fuga de Jean Wyllys do Brasil, Mourão considera uma ameaça à democracia. Enquanto afirmam a irrelevância de Chico Mendes, Mourão coloca este em seu devido lugar na história. De declaração em declaração, empresários e boa parte da população que elegeu Bolsonaro pelo antipetismo vem a repetir: Ainda bem que temos o Mourão.
Porém, podemos vê-lo como um homem que aspira a presidência e almeja substituir Bolsonaro?
Ao contrário de Temer, que apareceu em meio à crise política para colocar uma pá de cal no governo Dilma, Mourão vem sendo aos poucos considerado a âncora de estabilidade do governo e esta mudança de pensamento e de estratégia política não parece ter ocorrido como pura mudança de opinião de outubro para cá.
Temer ao conspirar contra a gestão de Dilma, se colocava como quem queria trabalhar em pró da economia e da estabilidade do país e era designado para um papel “decorativo” pela presidente. Sua carta pessoal (escrita como se fosse para o povo) era um ataque e ao mesmo tempo uma candidatura de Temer para assumir o posto da Presidência. Os conspiradores e o sistema financeiro aceitaram bem, o vice-presidente conspirador virou presidente e também estereótipo.
Já Mourão, ataca parte do governo, mas justamente a parte que descontenta setores hegemônicos na economia, por outro lado, não declarou uma critica sequer ao presidente, ao seu Ministro da Fazenda e a equipe econômica, esta sim que da um tom tecnocrata à gestão.
O que podemos aprender com o protagonismo do vice-presidente é que talvez, nossa incapacidade de superarmos o recente estereótipo do vice-presidente conspirador torna a socialdemocracia míope para interpretar as atuais ações de Mourão.
Não temos um Itamar Franco, neutro em meio à crise, mas capaz e bem intencionado. Tampouco temos um conspirador com sede de poder. Mourão é a caricatura possível de Alencar, um General apaziguador de ânimos, o terapeuta do Estado para o mercado financeiro, o sossega-sensato.
Os rentistas querem seus lucros, e para isso ele terá muito trabalho pela frente.
*Vinicius Rezende Carretoni Vaz é mestre em Ciências Sociais pela Unesp, doutorando pela USP e vinculado ao Programa Interunidades em Integração da América Latina. Atua na área de Ciência Política e Economia Política.