A Associação de Docentes da UFF (Aduff) recebeu a notícia com desconfiança. Alguns professores viram na medida uma tentativa dos militares ligados ao governo Bolsonaro de se infiltrarem nas universidades, com finalidade de censurar, tutelar e vigiar.
Parcerias científicas entre universidades federais e as Forças Armadas são saudáveis, visto que são dois entes públicos, federais, que tem o objetivo em comum de servir ao bem estar da população e os interesses nacionais, mas não há necessidade de integrar militares ao gabinete de Reitoria, órgão máximo da autonomia universitária.
Ver as notas abaixo, da UFF e da Aduff.
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UFF institucionaliza ações de colaboração científico-tecnológica com as Forças Armadas do Brasil
15 de fev de 2019
A Universidade Federal Fluminense instituiu uma assessoria especial para promover a cooperação com o Ministério da Defesa e as Forças Armadas do Brasil. A iniciativa tem o objetivo de institucionalizar e conceder transparência para as relações de desenvolvimento do conhecimento científico e da inovação tecnológica, fortalecendo o papel de inserção da universidade na sociedade. A colaboração entre as instituições tem longa data e já produziu dezenas projetos com avanços fundamentais em áreas como telessaúde, telecomunicações, energias renováveis, estudos estratégicos, entre outros.
A assessoria é composta pelos professores da UFF, Júlio Cesar Dal Bello da Engenharia de Telecomunicações e Márcio Rocha dos Estudos Estratégicos e Relações Internacionais, e o Capitão de Mar e Guerra, Gustavo Benttenmuller Medeiros Pereira, integrante do Núcleo de Estudos de Tecnologias Avançadas (Netav) na Escola de Engenharia da UFF. O grupo vai atuar ativamente no mapeamento de competências e no levantamento de oportunidades de cooperação acadêmica entre a UFF e Forças Armadas do Brasil, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Força Aérea.
De acordo com o reitor da UFF, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, a formalização dessa parceria vai reforçar o papel das universidades no desenvolvimento nacional nas áreas de educação, saúde, ciências, tecnologia e inovação. “Criamos uma assessoria para aproximar as relações e institucionalizar as trocas históricas que geraram uma série de projetos pulverizados. A UFF é um centro de excelência de produção de pesquisas e conhecimento em diversas áreas, como física nuclear, diagnóstico médico e energias renováveis. Essa ação vai fortalecer o papel de inserção da UFF na sociedade”.
O projeto tem o objetivo de fomentar o desenvolvimento das chamadas tecnologias duais, ou seja, aquelas que têm uso civil e militar, como as inovações nos campos das telecomunicações, saúde e energias sustentáveis. Um dos maiores exemplos da criação de tecnologia dual é a própria internet que foi uma inovação proporcionada pelas trocas de conhecimentos entre os militares e a universidade. “A promoção da saúde e a integração nacional interessa às Forças Armadas e à UFF. Eles possuem diversos órgãos de ponta de produção de tecnologia, algumas que são lideranças mundiais. Isso tem fundamento em modelos de sucesso de cooperação da tripla hélice, as trocas entre governo, universidade e indústria. Um exemplo é a cooperação do Centro Tecnológico da Aeronáutica com a Embraer, que produziu centenas de patentes e faz do Brasil um líder mundial de aviões desse porte”, explica o reitor.
Cooperação UFF e Forças Armadas
A Universidade Federal Fluminense possui reconhecimento histórico na produção de tecnologias duais em parceria com diversos órgãos das Forças Armadas. São dezenas de projetos que promovem a troca de saberes com foco em produção científica, industrial, tecnológica, bem com política e estratégica.
O Núcleo do Escritório de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Marinha do Brasil junto à UFF, por exemplo, contribui para a melhoria da infraestrutura e de recursos humanos observadas no setor de CT&I da Marinha do Brasil. Há 14 projetos elaborados em conjunto, como o Telessaúde, Comunicações Submarinas, entre outros.
A Unidade Avançada José Veríssimo em Oriximiná tem colaboração de longa data com as Forças Armadas. Desde a implantação do polo em 1975, a FAB é fundamental no translado das equipes que vão ao Pará prestar os serviços de saúde. Todo mês eram deslocadas equipes de professores, técnicos e alunos para realizar residência, pesquisa e extensão em Oriximiná.
De acordo com o diretor do campus avançado da UFF em Oriximiná, Conti Marcelino, a internet está sendo reativada a partir do sistema de satélite do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), proporcionando a integração de serviços de saúde que vão atender a populações a mais de 4320 quilômetros de distância do Huap. “Hoje, estamos impulsionando toda essa construção histórica desses projetos, como o Consultório de Saúde Virtual que a UFF implantou no Hospital Maternidade São Domingos Sávio (HMSDS), em Oriximiná, no Pará. Ele se conecta em tempo real ao Centro de Saúde Holográfico, nas dependências do Hospital Antonio Pedro, no Mequinho, em Niterói. Contamos com especialistas que conseguem dar o apoio ao diagnóstico e outras ações que precisamos aqui no Pará”.
O Sistema de Saúde Holográfica é um excelente caso de tecnologia dual desenvolvida por pesquisadores da UFF que leva acompanhamento médico virtual para locais distantes e de difícil acesso. Através do Projeto Telessaúde, moradores do interior do Acre, Amazonas e Pará, por exemplo, recebem atendimento clínico ágil e de qualidade. A iniciativa, que visa contribuir para a saúde e bem-estar da população, é uma parceria com o Exército e a Marinha do Brasil e conta com suporte financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Segundo o engenheiro de telecomunicações, professor e coordenador geral do projeto, Julio Cesar Rodrigues Dal Bello, o sistema criado pela equipe da UFF garante a segurança no envio e compartilhamento de dados dos pacientes, que são transmitidos dos consultórios virtuais até o centro de saúde holográfico de forma criptografada, utilizando a rede de telecomunicações terrestre ou satélite.
Outra iniciativa é a Equipe Arariboia que trabalha há cinco anos em colaboração com a Marinha do Brasil na construção de um barco solar, tecnologia ainda pouco aplicada no Brasil e que pode gerar importantes avanços em sustentabilidade para o país.
De acordo com o coordenador do projeto e professor do curso de graduação em Engenharia Elétrica, Daniel Henrique Nogueira Dias, o trabalho desenvolvido pela Arariboia possui grande alcance social, uma vez que as competições são realizadas em locais públicos e de livre acesso para a população. “O objetivo principal destas ações é promover a disseminação da ciência e da tecnologia para a comunidade externa e atrair cada vez mais estudantes para esta área do conhecimento”, ressalta.
Navio Escola UFF
Além disso, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com a Secretaria da Comissão Interministerial para Recursos do Mar da Marinha do Brasil, concedeu à UFF a gestão do Navio-Escola Ciências do Mar-III que proporcionará experiência prática de ensino e pesquisa embarcada para alunos, professores e pesquisadores das universidades do Sudeste do Brasil.
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Aduff divulga nota referente à assessoria com militares na UFF
Após reunião com a administração central da Universidade Federal Fluminense na tarde de sexta-feira (15), a Diretoria da Aduff-SSind defende a revogação da Portaria 63.083/2019.
A publicação da Portaria 63.083, datada de 11 de fevereiro de 2019, que criou uma assessoria ao Gabinete do Reitor para fins de promover a articulação e a cooperação da Universidade Federal Fluminense com o Ministério da Defesa e as Forças Armadas, provocou perplexidade e grande preocupação na comunidade acadêmica. A edição do documento levou a Diretoria da Aduff-SSind a se reunir, no dia de hoje, 15 de fevereiro, com o Reitor e o Vice-Reitor da universidade, Professores Antônio Cláudio Lucas da Nóbrega, e Fábio Barboza Passos.
Diante dos argumentos apresentados pelo Reitor, a Diretoria da Aduff-SSind defende a revogação da Portaria 63.083/2019, por duas razões interligadas: em primeiro lugar, a promoção da cooperação técnico-científica na Universidade Federal Fluminense não se dá historicamente por meio da criação de assessorias ligadas ao Gabinete do Reitor. Para esse fim, existem comissões temporárias e convênios. Em segundo lugar, o destaque institucional conferido a um órgão com essa composição sublinha os sérios riscos à autonomia universitária e às liberdades científica e político-pedagógica representados pelo atual crescimento expressivo da presença de setores das Forças Armadas na estrutura do Estado e, em especial, nos diversos órgãos e instituições públicos de educação.
Avaliamos que a presença militar na estrutura da Reitoria não pode ser naturalizada, sobretudo neste momento da conjuntura. Por isso, convocamos toda a comunidade acadêmica para, juntos, lutarmos pela revogação desta Portaria.
Niterói, 15 de fevereiro de 2019.
Diretoria da Aduff-SSind.
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