Victor Lages, pela Fênix Filmes
O preto e branco dá tensão, um tom retrô que vai se insinuando num meio termo que nem é preto, nem branco: é o cinza, da desolação das almas, da vida sem preenchimento de alegria, da solidão. É nesse cinza que se desenha A FLORESTA DAS ALMAS PERDIDAS, novo filme do diretor português José Pedro Lopes. Contando a história de uma jovem (Daniela Love) e um idoso (Jorge Mota) que se encontram em uma floresta destinada a pessoas que buscam o suicídio, a obra reflete uma triste realidade lusitana de melancolia e desamparo. Para quem quiser assistir ao filme depois de ler à entrevista exclusiva que o Cafezinho fez com o cineasta, o longa já está disponível nas principais plataformas de vídeo on demand do Brasil: Now, Vivo, Looke, Google Play e Microsoft. É um belo retrato português formado em tons de terror e diálogos fortes que moldam um gênero esquecido pelo país por muito tempo e resgatado pelo diretor magistralmente.
Cafezinho: Qual foi a trajetória para a produção do filme A FLORESTA DAS ALMAS PERDIDAS e onde essa trajetória se encontra com a sua história pessoal enquanto diretor?
José Pedro Lopes: Quando decidi fazer “A Floresta”, já tinha feito diversas curta-metragens, como realizador e como produtor. A nossa equipa decidiu arriscar em fazer uma longa, usando o que já sabíamos e jogando com os recursos que tínhamos. Foi um grande desafio, o maior que tivemos até aquela altura. Mas queríamos elevar o nosso nível de cinema – com uma longa conseguimos chegar a mais público, e a público não afecto ao cinema. Filmamos “A Floresta” ao longo de dois anos, uma semana no verão (a parte da casa) e outra no inverno (a parte da floresta em si) e mais quase dez dias espalhados aqui e ali ao longo do tempo. Fomos fazendo e vendo, mudando e aprendendo. A equipa foi sempre a mesma, mas creio que a certo ponto já ninguém acreditava que o filme estaria um dia pronto.
C: Você já disse em algumas entrevistas que A FLORESTA DAS ALMAS PERDIDAS tem traços de John Carpenter e Richard Linklater, dois diretores que aparentemente não têm nada em comum. Quais são os pontos de convergência dos trabalhos desses cineastas no seu filme?
JPL: Eu gosto muito da trilogia “Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-sol e Antes da Meia-Noite” do Richard Linklater – pelos diálogos, pela honestidade, pelo sonho que representa. Do lado do John Carpenter, adoro a forma como cria suspense e como é “cool” em filmes como “Halloween” e “The Fog”. Gosto de como cria casas assombradas nesses filmes e em “Prince of Darkness”. Nesse sentido, queria um filme que parecesse honesto como Linklater, mas depois virasse escuro e nos levasse a um conto de horror como os do Carpenter. Aqui uma das ambições era o choque de género – que a floresta faz.
C: Você já trabalhou como crítico de cinema, além de produtor, diretor e roteirista. Como essa bagagem cinematográfica se reflete no seu filme?
JPL: Creio que “A Floresta” e outros dois filmes em que trabalhei são muito referências – é cinema feito por gente que vê muito cinema. Em certa forma é defeito – vivo demasiado com referências. Por outro, creio que me torna mais consciente do que quero fazer de novo. Creio que tal como quem quer escrever deve ler, quem quer fazer cinema deve ver filmes.
C: Você levou o filme para diversos festivais, na Espanha, Camarões, Reino Unido, Suécia. Como você acha que exibir filmes em festivais interfere na obra de um artista?
JPL: O que me fez querer transitar para o longa foi precisamente chegar ao público que não é o dos festivais de cinema. Os curtas acabam por viver para esse público apenas. No caso de “A Floresta”, os festivais foram importantes para dar o filme a conhecer e criar notoriedade. A selecção no Fantasporto em Portugal, e depois a selecção nos prestigiados Festival de Sydney, seguido de prémios em festivais de terror em Bilbao (Espanha), Manchester e Brooklyn, ajudaram a que pudesse mostrar nas salas de cinema em Portugal e até no Brasil, e em VOD em todo o lado. É como um “showcase” o festival – mas para mim não é um fim, é só um meio para um fim.
C: O que existe de identidade e cultura portuguesa nos seus filmes?
JPL: Creio que o português é negativista, é medroso e é um pouco crente demais nos outros. A vilã da floresta vive desses paradigmas para tirar vantagem da família que assombra. Há algo de muito fatalista no português que o liga à cultura do suicídio japonesa (de onde vem a inspiração para a floresta). Até pelo fado, música fatalista.
C: Como o cinema português, tanto na produção, quanto no público, vê o cinema de terror?
JPL: O cinema de terror português é muito escasso. Quando “A Floresta” saiu nos cinemas falava-se de um regresso do terror, isto porque fazia 10 anos que tinha estrado “Coisa Ruim”, o última longa abertamente de terror nacional. Mas Portugal tem alguma cena de terror interessante, muito em torno dos festivais Fantasporto e Motelx. Mas a produção – e acima de tudo o financiamento – em Portugal não está muito virada para o fantástico.
C: Em termos de narrativa e estética, é possível falar que existe uma linguagem cinematográfica unicamente portuguesa?
JPL: Eu gosto pensar que não, mesmo que tema que é possível que seja o caso. Gostaria que o cinema português fosse plural, diversificado, e mais arriscado. O público português percepciona o cinema nacional como uma massa homogénea que não lhe interessa. Os festivais estrangeiros, até a crítica, podem reconhecer valor a diversos dos nossos filmes – mas se a arte é feita para ser apreciada só por gente do sector, então de que vale a pena fazer?
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