*Denise Assis
Vitor dos Santos Silva, 15 anos, tombou nesta sexta-feira, 8 de fevereiro, entre mais 12 corpos, segundo descrição dos policiais militares, trocando tiros durante operação para reprimir a guerra entre facções que disputavam o controle de venda de drogas na região do Fallet, comunidade de Santa Tereza, no Centro do Rio. Vitor foi um dos que inaugurou a política de “abate”, promessa de campanha do governador Wilson Witzel, recém-empossado.
No mesmo dia, Samuel Thomas Rosa, 15 anos, engrossou a lista dos 10 meninos que morreram consumidos pelas chamas que lamberam em menos de 40 minutos a ratoeira ardente em que se transformou o conjunto de seis contêineres engatados e maquiados para lhes servir de abrigo, enquanto embalavam o sonho de ser um dia titular do maior e mais conhecido time brasileiro – talvez do mundo: o Flamengo. Em seu caso particular, já era a promessa de um bom lateral-direito.
Vitor, segundo os policiais, os surpreendeu em atitude de “resistência” – a descrição é a mesma desde a ditadura (1964/1985), que justificava assim as mortes dos que confrontavam o regime – e foi um dos que recebeu bala no tronco e nas pernas, tingindo de sangue a sala da casa onde os 13 corpos foram encontrados e levados para o Hospital Souza Aguiar.
Samuel Thomas foi surpreendido, em primeira avaliação da perícia, por um curto circuito nas caixas de ar condicionado que fez com que o ambiente se transformasse em uma bola de fogo, impedindo que todos os 26 meninos que ali dormiam pudessem escapar, ao mesmo tempo, de uma caixa metálica adaptada como dormitório, em que as janelas não abriam e havia uma única porta na rota de fuga.
Ambos morreram na manhã de ontem e eram “meninos do Rio”. Vitor dos Santos Silva, de Santa Tereza, e Samuel Thomas, de São João de Meriti, na Baixada Fluminense.
Vitor certamente tinha sonhos, mas talvez ceticismo, sentimento de descrença diante da vida, que ele podia trazer consigo, mas não o sabia, por isto o transformou em pressa de ter nas mãos uma arma que lhe garantisse o consumo rápido e fácil dos objetos do desejo.
Samuel tinha garra, pois sabia que a pressa só lhe atrapalharia o sonho de ter nos pés a bola que garantiria os seus desejos. Ambos, no entanto, tinham a favor os 15 anos, que os colocava diante de um mundo de possibilidades. As de Samuel, dependiam dele e do seu esforço. As de Vitor, também, desde que contasse com a sorte de não dobrar a esquina com um fuzil na mão e topasse com um batalhão de soldados com licença para matar. Tinha 15 anos, idade em que é possível recuperar o rumo, desde que dessem a ele confiança e oportunidade.
Samuel tinha determinação, mas isto não basta, num mundo em que fica mais barato burlar as regras da prefeitura – descrevendo como “estacionamento” o lugar onde os meninos manobraram sonhos e a confiança de que estavam seguros para persegui-los – do que pagar indenizações que não trarão de volta todos os talentos brutos que guardavam em contêineres.
Não os vissem como a “beirada”, e o Flamengo hoje não precisaria carregar em sua história essa nódoa indelével da dor indizível, impagável, das famílias que perderam esses meninos.
Ficaria mais barato ao Estado pagar para devolver a Vitor a vontade de buscar sem tanta volúpia, uma vida digna, pelas vias do estudo, talvez. Mais barato do que deslocar tropas e “caveirões” para abatê-lo.
Mas sabem o que une o destino de Vitor, o “bandidinho” de Santa Tereza, ao Samuel Thomas, de sorriso confiante e medalha de vice-campeão da Copa Nike? Ambos tinham 15 anos. Ambos não tiveram chance a um futuro. Ambos eram meninos pobres e desimportantes para este país, que interrompe sem dó o seu próprio destino. * Jornalista